Dom Pedro Conti

Dom Pedro José Conti


A depressão do galo

Era uma vez um grande quintal onde reinava, soberano, um poderoso galo. Era especialmente orgulhoso de si mesmo, da sua força e da sua beleza. Toda manhã acordava pelo clarão do horizonte e bastava que cantasse duas ou três vezes para que o sol se elevasse para o céu.

– O sol nasce pela força do meu canto – dizia ele – Eu pertenço à linhagem dos levantadores do sol!

Um dia, porém, aconteceu que o galo dormiu mais do que o normal. Quando acordou, o sol já estava alto no céu. Ele tentou cantar, mas tinha um nó apertando sua garganta.

– Então não sou eu quem levanta o sol? – comentou desolado consigo mesmo. Com este pensamento, caiu em profunda depressão. Questionou a sua própria competência e duvidou da sua utilidade. Finalmente decidiu consultar um velho galo que tinha fama de sábio. Contou tudo o que estava lhe acontecendo e aguardou ansioso algum conselho. O sábio galo lhe disse com toda clareza:

– Meu caro irmão, você está vivendo duas ilusões. A primeira é a da “Onipotência” porque se acha o dono do sol. A segunda, que está vivendo, agora, é a da “Incompetência”, ou seja, da sua inutilidade. O perigo é viver alternando as duas e continuar a viver iludindo a si mesmo. A solução está na realidade. Você era, é e vai continuar a ser um galo absolutamente normal, cumpridor da sua função de gerenciar o galinheiro, de acordo com a tradição. Nem mais e nem menos. Volte para o seu lugar, viva a verdade e não siga as ilusões da sua cabeça.

Peço desculpa pela historinha, talvez, banal. No entanto devemos reconhecer que, a respeito da verdade, experimentamos e vivemos muitos equívocos. Muitos de nós construímos a nossa própria verdade e pensamos que seja mesmo assim. Consideramos velho tudo o que nos foi ensinado, pensamos saber mais sobre qualquer assunto, deixamos de usar o espírito crítico para viver de imaginação e ilusões. Ter consciência da nossa realidade humana e, portanto, também das nossas limitações, é o mínimo que a verdade exige de nós. Um dos princípios mais antigos da sabedoria humana, e condição fundamental para o conhecimento da verdade, é admitir que não sabemos tudo. Somente assim começamos o difícil caminho da sua busca. Essa procura é angustiante e heroica ao mesmo tempo. Muitos de nossos irmãos e irmãs tombaram por causa da verdade em todas as suas expressões. Temos os mártires da liberdade, da dignidade humana, da luta pela vida, pela terra, pela água, por um espaço de sobrevivência. Muitos também morreram por resistirem firmes na própria fé. Certos direitos que hoje consideramos intocáveis foram fruto de grandes sofrimentos. Parece que a humanidade sempre esteve, e ainda esteja, dividida entre quem tem todos os poderes, privilégios, forças e direitos e quem pode ser cerceado na sua dignidade humana. Quantos ainda pensam impor a própria verdade com a força das armas, do dinheiro, de promessas e ilusões!

Jesus diz a Pilatos que é rei, sim, mas está na pior das condições: preso, condenado, abandonado pelos seus, prestes a morrer. Que força ele tem? Onde ficou o seu poder? Esse é o paradoxo da nossa fé: o poder de Deus não se revela quando esmaga os inimigos ou quando faz milagres, supostamente, para ser acreditado. A força de Deus está na verdade e no amor. Deus não pode aniquilar os inimigos porque não tem; todos somos seus filhos e ele ama a todos e quer vida para todos, nunca a morte. Deus não pode fazer milagres para nos obrigar a acreditar, porque neste caso não seria mais fé, mas maravilha e medo do seu poder. Em Jesus, Deus escolhe o único caminho digno dele: prefere morrer que matar, prefere ser amado que temido. O Reino de Deus é diferente dos reinos humanos, tanto quanto é diferente a nossa maneira de pensar da dele. Nós queremos mandar, dominar, impor. Os resultados estão aí, visíveis. Ele somente pode e quer amar a todos. Esta é a verdade que o Filho veio nos revelar. Ter fé não é alimentar uma ilusão, é confiar no testemunho da verdade que ele nos deu. Força tão grande que nem a morte venceu.