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Especial: aprovação da PEC da maioridade divide opiniões

Ao programa Luiz Melo Entrevista (Diário 90,9FM), advogado criminalista diz que deputados aprovam ‘leis impossíveis’ para desviar foco da corrupção


A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no caso de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte foi aprovada nessa quarta-feira, 19, em segundo turno pelo Plenário da Câmara dos Deputados. Para ser aprovada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/93) precisava de 308 votos favoráveis, e teve o voto de 320 parlamentares contra 152 votos contrários. A bancada do Amapá praticamente se dividiu: cinco deputados votaram a favor e três, contra a matéria. Para valer, entretanto, a PEC agora precisa ser aprovada pelo Senado, também em dois turnos.

Enquanto no Brasil mais de 70% da população apóia a redução da maioridade penal, no Amapá as opinião se dividem, principalmente entre advogados, sociólogos, magistrados e gestores. Os que são contra a matéria defendem em vez da redução da maioridade penal a ampliação das oportunidades na área educacional e qualidade do ensino, criação de cursos profissionalizantes gratuitos e geração de emprego e renda.

O programa LuizMeloEntrevista (Diário 90.9FM) ouviu nesta quinta-feira, 20, profissionais de diferentes áreas, além de interagir pelas redes sociais com pessoas do povo. O advogado criminalista Helder Carneiro, por exemplo, que ‘puxou’ o debate, disse que é ‘radicalmente contra’ a redução da maioridade por suas ‘consequências danosas’ para a própria sociedade, porque, no entendimento dele, se o estado conseguir estruturar o sistema carcerário para receber esses menores infratores – que, no caso de aprovação da PEC vão passar a ser, simplesmente, ‘criminosos’, vai representar apenas um aumento ‘inconsequente’ da população de presos sem nenhum retorno prático em termos de ressocialização.

“Pelo contrário – argumenta Helder Carneiro – caso haja essa estruturação do sistema penitenciário, a situação tende a se agravar ainda mais. Por outro lado, se essa estruturação não acontecer, a PEC da maioria penal vai ser mais uma das muitas leis inócuas que existem no País, porque não haverá como viabilizar a sua aplicação. Na realidade, estão tentando tapar o sol com a peneira, porque não é reduzindo a maioridade penal e aumentando a população carcerária que vai resolver o problema da criminalidade. Não se pode colocar na cadeia um jovem com foco na gravidade do crime, mas, sim, e preponderantemente, saber se o infrator tem condições de entender a conduta que praticou”.

O criminalista lembrou que a pena tem a finalidade preventiva e punitiva ao mesmo tempo: “Esse binômio prevenção-punição tem que ser levado a série no seu sentido mais profundo. E enquanto o Brasil não tiver estrutura consolidada com base na base para resolver a questão não se terá como aplica a lei, passando a ser, então, mais uma das tantas leis inaplicáveis por falta de estrutura do estado no repertório jurídico pátrio”.
 
 
Clécio Luiz defende políticas públicas para a juventude
Para o prefeito de Macapá, Clécio Luís, também ouvido pelo programa, os crimes praticados por menores são, antes de qualquer coisa, uma questão social.

“A solução não passa pela construção de mais presídios, aumentando ainda mais os gastos públicos com a manutenção e segurança dos presos, e mesmo com programas sociais que alguns presídios oferecem. Sou contra a redução da maioridade; sei que é um tema polemico, porque as pessoas estão cansadas do sentimento da impunidade, e alguns acham que solução é reduzir a maioridade e prender mais gente, mas está provado que prisão não resolve, porque o ambiente (presídio) que deveria ser de ressocialização acabou se transformando em escola de crime, onde prevalece a lei do mais forte, essencial para garantir a sobrevivência, sem políticas públicas que promovam a reinserção na sociedade”.

Clécio Luís citou vários projetos que são desenvolvidos pela Prefeitura de Macapá, principalmente nos bairros periféricos e nos distritos: “Estamos preocupados com o avanço da criminalidade como toda a população está, mas o problema reside na questão social, na estrutura familiar, na falta de oportunidades para a juventude. Estamos fazendo a nossa parte como gestor, e vamos intensificar ainda mais os projetos voltados para os jovens, com o objetivo de prepará-los para o futuro, passando, claro, prioritariamente, pelo direcionamento de políticas públicas para estruturar a família, criando alternativas para a geração de emprego e renda”.

Defesa de valores morais
Quem também é contra a redução da maioridade é o sociólogo e advogado Emerson Barbosa, que também emitiu sua opinião no programa LuizMeloEntrevista: “Não é prendendo os menores que o problema da criminalidade vai ser resolvido, porque a questão reside em todo o sistema. Há que se pensar em toda a pirâmide, envolvendo a assistência social, a oportunidade de trabalho e a geração de renda, por exemplo, e tendo como base da pirâmide a educação de qualidade, que, ao contrário do que muita gente imagina, não resolve por si só o problema, mas sim com a soma de todos os demais setores, com melhores condições de vida para a população, significando dizer que todo o sistema tem que ser restaurado”.

Favorável em parte
Já o professor Odair da Fonseca Benjamin, atual grão-mestre da Grande Loja Maçônica do Amapá, que já foi prefeito de Mazagão e desenvolveu vários projetos voltados para a juventude, declarou-se no programa que é ‘favorável em parte’ à redução da maioridade penal: “Não se pode assistir passivamente que o jovem de 16 anos cometa alguns crimes, principalmente graves, serem receberem punição por isso; ele tem, sim, que responder por aquela ação que cometeu, não é justo que cidadãos de bem tenham residenciais invadidas por dois, três ou mais menores capitaneados por maiores na sombra da impunidade. Entretanto, é necessário, que se crie políticas públicas para inserir ou mesmo reinserir esses jovens na sociedade, dando-lhes oportunidades reais para que tenha um futuro digno’.
 
 
Maioria da bancada do Amapá votou a favor
 A aprovação da PEC da redução da maioria penal pelo Plenário da Câmara, nesta quarta-feira, 19, contou com o voto de cinco dos oito deputados federais: Cabuçu Borges (PMDB), André Abdon (PRB), Marcos Reátegui (PSC), Josi Rocha (PTB) e Vinícius Gurgel (PR). Votaram contra: Janete Capiberibe (PSB), Marcivânia (PT) e Roberto Góes (PDT). O texto foi aprovado em primeiro turno no início de julho na forma de emenda aglutinativa, após uma manobra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

O texto aprovado excluiu da proposta inicialmente rejeitada pelo Plenário os crimes de tráfico de drogas, tortura, terrorismo, lesão corporal grave e roubo qualificado entre aqueles que justificariam a redução da maioridade. Pela emenda aprovada, os jovens de 16 e 17 anos deverão cumprir a pena em estabelecimento separado dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas e dos maiores de 18 anos.

Para Janete Capiberibe, “reduzir a maioridade penal é uma falsa solução”. No máximo, ela admite a ampliação do tempo de internação para os crimes hediondos. Ela argumenta que há muitas falhas do Estado brasileiro para garantir direitos constitucionais às crianças, adolescentes e jovens brasileiros. Citando como exemplo as estatísticas sociais, mostrando que “80% das crianças de zero a três anos não frequentam creches; 30% das crianças de 4 e 5 anos e 45% dos adolescentes de 15 a 17 anos estão fora da escola; meninas e meninos negros, das famílias de baixa renda, são os mais excluídos.

“Reduzir a idade penal seria impor novo suplício aos que sofrem outros tipos de exclusão”, afirmou. “A sociedade que não lhes deu escolas, direito social constitucional, desde 1988, agora quer mudar a Constituição para dar-lhes cadeias? Estamos em dívida com esses brasileiros jovens. Não temos direito de tirar mais nada deles”, questiona a deputada.

Amparando-se em dados do Ministério da Justiça, Janete Capiberibe revela que se a redução da maioria penal passar no passado haverá um ingresso de 30 a 40 mil adolescentes por ano no sistema prisional onde faltam vagas para 230 mil presos. O investimento adicional, pelos estados e Distrito Federal, seria de R$ 1,3 a 1,75 bilhões anuais, e o total de gastos anuais adicionais chegaria a R$ 2,3 bilhões.
 

Carlos Tork reclama da violência e diz que é a favor da redução
Ao reclamar do crescimento da criminalidade no país e, em especial, no Amapá, o desembargador Carlos Tork afirma que é a favor da redução da maioridade penal: “Não resta a menor dúvida que a redução da maioridade penal é uma necessidade, para que seja colocado um freio nos crescentes índices de violência em todo o País. E não se pode desprezar o fato de que a redução (da maioridade) é defendida pela grande maioria da população brasileira, porque criminosos adultos recrutam menores para o crime exatamente por conta dessa proteção que acaba culminando com a impunidade”.

O Desembargador, que também é presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-AP), defende que não basta apenas reduzir a maioridade penal para 16 anos se não forem implantadas e implementadas políticas públicas voltadas para a juventude: “Nossos jovens estão sem opção de lazer, de cultura, de profissionalização e, o que é ainda pior, sem a atenção necessária da família, que é onde começa e termina a sua formação. As famílias precisam se estruturar, mas, para isso, o Poder Público precisa fazer a sua parte, no que diz respeito à geração de emprego e renda e disponibilizar à juventude mecanismos eficientes para que projetem um futuro melhor, sem riscos de mergulhar os jovens nas armadilhas da criminalidade”.

Carlos Tork destaca que várias instituições públicas já se conscientizarem dessa necessidade, realizando ações voltadas para os jovens, elencando o próprio Tribunal de Justiça do Amapá (Tjap) e, isoladamente, várias Comarcas da Capital e do interior; o Ministério Público (MP-AP), o Governo do Estado e a Prefeitura de Macapá.

“Nós, do Tribunal Regional Eleitoral, por exemplo, estamos focados na execução de vários programas, como o ‘Eleitor do Futuro’ e a ‘Caravana da Cidadania’, que está percorrendo todos os estados amapaenses, com várias atividades itinerantes nas escolas, onde são feitas enquetes com jovens sobre expectativas e perspectivas de futuro, além de prioridades no estabelecimento de políticas públicas. Durante essas ações, centenas de jovens já respondem ao questionário, sendo que mais de 90% elegeram esporte e lazer como prioridades. Não tenho dúvida que a grande maioria da juventude em todo o estado também quer isso. É necessário que, além da punição pelas infrações cometidas, os jovens sejam contemplados com políticas públicas eficientes para que possam se preparar para um futuro mais promissor, mais digno”, pontua Carlos Tork. (Ramon Palhares)


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