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Decisões judiciais não podem ser revogadas pelas Assembleias Legislativas, defende Raquel Dodge

Para a PGR, delitos cometidos por parlamentares sem conexão com o cargo devem ser submetidos ao rito processual comum, aplicado a todos


As prerrogativas processuais dos parlamentares não vedam a decretação de medidas cautelares em desfavor de deputados estaduais; e não atribuem à Assembleia Legislativa poder para revogar ou sustar decisões judiciais de natureza cautelar. Esse é o entendimento da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em manifestações apresentadas no âmbito de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), que tratam de imunidades processuais dos parlamentares estaduais. Uma das ações é relacionada à Constituição do Estado do Amapá e outra à norma do Estado do Mato Grosso. A primeira foi ajuizada pela Rede Sustentabilidade, e a segunda, pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A PGR defende que a execução da decisão condenatória criminal transitada em julgado independa da declaração da perda do mandato eletivo pelas respectivas Assembleias Legislativas.

De acordo com a PGR, as prerrogativas dos deputados estaduais e distritais acompanham o modelo federal e a nova interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após julgamento de questão de ordem na Ação Penal 937. O STF determinou que o foro alcança apenas os crimes praticados no cargo e em razão dele. Para a procuradora-geral, a interpretação restrita das imunidades processuais é a mais adequada e compatível com os princípios republicano e da igualdade. “Evita-se, ademais, que o cargo político seja utilizado como escudo para práticas abusivas e contrárias ao ordenamento jurídico brasileiro, e assegura-se a responsabilização dos agentes públicos pelos seus atos”, pontua.

Para Raquel Dodge, “a interpretação ampla das prerrogativas processuais, para alcançar delitos praticados sem vinculação com a função parlamentar, configura tratamento privilegiado e incompatível com a própria finalidade das prerrogativas, de proteção do mandato político”. Além disso, defende que os delitos cometidos sem nexo de implicação com as funções parlamentares devem ser submetidos ao rito processual comum, aplicado aos cidadãos. “Mesmo durante a ocupação do cargo, é desejável que os mandatários do povo sejam tanto quanto possível tratados com direitos e deveres idênticos aos de seus compatriotas”, completa.

Na ADI ajuizada pela Rede Sustentabilidade, a Assembleia Legislativa do Amapá pleiteia que a perda do mandato de parlamentar por condenação criminal transitada em julgado dependa de deliberação ostensiva da Casa Legislativa apenas na hipótese de a pena cominada ser inferior ao período remanescente do mandato. No entanto, Raquel Dodge ressalta que, após o trânsito em julgado da sentença, é cabível a sua execução da pena, independentemente de manifestação da Assembleia Legislativa. “Isso porque a incoercibilidade pessoal dos parlamentares possui caráter relativo e não abrange a decretação de prisão decorrente de execução da pena por sentença criminal condenatória transitada em julgado”, afirma.

Ainda na manifestação, a PGR lembra que a Constituição Federal prevê hipótese de perda do mandato parlamentar por não comparecimento à terça parte das sessões ordinárias, salvo licença ou missão autorizadas. Além disso, limita o afastamento decorrente de licença para tratar de assunto particular ao prazo de 120 dias por sessão legislativa. “Assim, considerando que o preso em regime fechado tem restrição ao trabalho externo, que só pode ser autorizado após o cumprimento de 1/6 da pena (Lei de Execução Penal, arts. 36 e 37), o condenado à pena de reclusão em regime inicial fechado deve permanecer na penitenciária, sem a possibilidade de trabalho externo, durante o primeiro sexto do cumprimento da pena”, esclarece. Esse entendimento já foi externado em decisão monocrática do ministro Roberto Barroso.

Raquel Dodge explica ainda que, “se o período remanescente do mandato parlamentar for inferior a esse primeiro sexto da pena de reclusão em regime fechado, haverá incompatibilidade jurídica e física para o exercício do mandato. Nessa situação, a perda do mandato parlamentar é consequência automática da decisão do Judiciário, não havendo espaço para decisão política da Casa Legislativa acerca do tema”.

Outro ponto abordado pela procuradora-geral é a impossibilidade de interferência do Legislativo na conversão de flagrante em prisão preventiva. Segundo ela, o controle realizado pelas Assembleias Legislativas deve se limitar ao juízo político sobre a prisão em flagrante. “A conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, em decorrência da presença dos pressupostos para a adoção de tal medida, é competência exclusiva do Judiciário, não cabendo controle legislativo a respeito, sob pena de ofensa aos princípios da separação de poderes, do juiz natural e da inafastabilidade de jurisdição”, destaca.


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