Pesquisadores divergem sobre efeitos benéficos da “pílula do câncer”
Em menos de duas semanas dois juízes federais do Amapá deferiram antecipação de tutela, para determinar que a União, o estado de São Paulo e a Universidade de São Paulo
Instituto de Química de São Carlos forneçam, no prazo de dez dias úteis, a substância fosfoetanolamina sintética a dois doentes de câncer no estado. As tutelas foram deferidas pelos juízes João Bosco Soares e Hilton Sávio Gonçalo Pires.
A recomendação médica é para que cada paciente faça a ingestão diária de três cápsulas, pelo período de seis meses, competindo ao estado de São Paulo a obrigação, pelo baixo custo decorrente da produção, e competindo a Universidade de São Paulo a efetiva produção e entrega dos compostos.
Em audiência pública na terça-feira (5/4), pesquisadores que desenvolveram e trabalham com a fosfoetanolamina sintética, substância utilizada na “pílula do câncer”, apontaram possíveis falhas na metodologia das avaliações feitas a pedido do governo. Os primeiros testes financiados pelos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Saúde para avaliar a segurança e eficácia da “fosfo” mostraram que o conteúdo das cápsulas não é puro e não tem eficá ;cia comprovada contra células cancerígenas.
O objetivo desses testes iniciais foi verificar a composição do produto e testar a capacidade da substância de inibir tumores em testes in vitro, ou seja, feitos com células dentro do laboratório.
O pesquisador de São Carlos (SP) Gilberto Chierice, que desenvolveu a fosfoetanolamina sintética na Universidade de São Paulo (USP), disse que a fórmula e o procedimento utilizados nesses testes estavam errados.
“Eu desafiei e continuo desafiando: prove que não funciona. Não vem com historinha de montar dados clínicos. Fizeram uma síntese que não é a nossa – apontou Chierice.
Doutor em biotecnologia, o pesquisador Marcos Vinícius de Almeida, que é um dos detentores da patente da fosfoetanolamina, também questionou a metodologia utilizada.
“Por que começar pelo pior tumor existente e o não mais frequente? O que eu vejo nessa comissão é uma tentativa de achar onde a fosfoetanolamina não funciona e não as evidências de funcionamento”, criticou.
Ele contou que toma a substância há mais de uma década e que a mesma nunca apresentou toxidade, mas condenou a liberação da fosfoetanolamina como suplemento alimentar, proposta defendida pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Celso Pansera.
“Suplemento não tem avaliação terapêutica. A fosfoetanolamina vai cair no descrédito. Ela tem que ser estudada clinicamente para sabermos se ela cura e qual a porcentagem e quais os tipos de tumor. Eu particularmente acho que ela não cura todos os tipos de tumor. Não é um composto milagroso – argumentou.
O pesquisador Durvanei Augusto Maria, biomédico do Instituto Butantã, foi outro a apontar inconsistências nos testes financiados pelo governo:
– Todos os experimentos que foram realizados não chegaram na mesma curva de concentração que eu utilizei. Então eu não consigo avaliar se um produto é efetivo ou não, se é seguro ou inseguro – ressaltou.
Relatórios
Ao comentar o resultado dos primeiros relatórios da pesquisa, Jailson Bittencourt de Andrade, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, destacou que a cápsulas têm uma concentração de fosfoetanolamina menor do que era esperado e que somente um dos componentes da cápsula – a monoetanolamina – apresentou capacidade de destruir células tumorais e inibir seu crescimento, ainda que menos potente do que outras terapias j á utilizadas.
“Esses resultados não são conclusivos, os testes estão em andamento e certamente levarão bom tempo para que tenhamos resultados conclusivos”, sustentou.
A fosfoetanolamina nunca foi oficialmente testada em humanos e não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ela foi distribuída gratuitamente por cerca de 20 anos pela USP de São Carlos a pacientes com câncer. Pessoas que se submeteram ao tratamento alegam terem sido curadas.
Meiruze Sousa Freitas, gerente de toxilogia da Anvisa, ressaltou que os proprietários da patente não apresentaram pedido de registro, e afirmou que não existe embargo ou proibição da Anvisa à fabricação de fosfoetanolamina sintética, desde que a mesma seja submetida aos necessários testes clínicos.
“A Anvisa não pode conceder um registro a qualquer produto de forma avulsa, sem que o interessado solicite e cumpra os requerimentos legais”, assinalou.
Em resposta, o pesquisador de São Carlos (SP) Gilberto Chierice, relatou dificuldades para dar entrada no pedido de registro e medo de perder o direito sobre o produto.
“Alguém me garante que se eu tivesse entrado com esse pedido eu estaria tranquilo? Nunca foi me dada uma orientação. A única era que Farmaguinhos [Fiocruz] faria tudo dede que eu transferisse a patente”, relatou.
Vaidade
A fase seguinte de teste, que já foi iniciada, é o teste in vivo das substâncias da cápsula, ou seja, em organismos vivos, neste caso em animais de pequeno porte.
Para a coordenadora de Pesquisa do Instituto Nacional do Câncer (Inca) Marisa Breitenbach, o processo de desenvolvimento da fosfoetanolamina deve continuar a seguir os procedimentos científicos já em andamento e aguardar a liberação pela Anvisa.
Segundo ela, é hora de deixar a vaidade de lado e trabalhar em conjunto no desenvolvimento do medicamento.
“É momento de agregar conhecimento, experiência. O assunto é importante, é sério, e a gente precisa se despir da vaidade científica de que o meu dado é o melhor dado. Precisamos nos unir”, avaliou.
Pacientes
Durante o debate, promovido em conjunto pelas comissões de Assuntos Sociais (CAS), de Ciência e Tecnologia (CCT) e de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), o senador Ivo Cassol (PP-RO) relatou casos de pacientes em que o câncer teria regredido após o uso da “pílula do câncer”. Ele defendeu a sanção do projeto PLC 3/2016 aprovado pelo Senado que garante aos pacient es de câncer o direito de usar a substância, mesmo antes de ela ser registrada e regulamentada pela Anvisa.
“Estou convivendo com muitos pacientes que estão fazendo uso da fosfo e o resultado é extraordinário”, afirmou.
Mas Pedro Prata, do Ministério da Saúde, recomendou que as pessoas não façam uso desse composto até que todas as etapas de pesquisa sejam concluídas.
“Há relatos de pacientes que se sentem muito melhor após o uso da substância. Temos também relatos de unidades de oncologia de pacientes que apresentaram metástase por terem substituído uma terapia convencional por essa terapia alternativa”, advertiu.
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