Entrevista

A crise econômica é um câncer muito grande e ele precisa ser extirpado

O mundo acadêmico não está fechado hermeticamente para os problemas do país, ao contrário, dá uma enorme parcela de contribuição esclarecendo, debatendo e apontando soluções para o país. Pelo menos é o que se conclui com a retórica do professor de Economia João Luiz da Silva, um dos mais respeitados especialistas em atuação no mercado amapaense. Esse carioca de fala mansa concedeu ontem uma esclarecedora entrevista ao programa Conexão Brasília, da Diário FM, ocasião em que deu detalhes sobre os cenários internacional, nacional e regional da crise econômica. Aponta as manobras nem tão felizes do governo federal para o agravamento da crise que é mundial, mas que poderia ter causado menos estragos se a equipe econômica tivesse adotado algumas medidas. A seguir os principais trechos.


Diário – Professor, nos tempos atuais, de crise da economia, como essa disciplina vem sendo tratada no meio acadêmico?
João Luiz da Silva – Olha, a economia eu sempre trabalho com três vertentes, a economia internacional, a economia nacional e a economia regional. Dentro da economia regional a gente tem o privilégio de estar num estado que tem a relação inversa da moeda, ou seja, a moeda que entra em nosso estado através da fronteira é mais cara do que a nossa. É a única relação de fronteira no Brasil que tem essa relevância, pois em todas as outras fronteiras do Brasil a moeda que entra é mais barata.

Diário – O senhor fala da Guiana Francesa, claro, que exerce uma enorme expectativa em relação a futuro comercial com o Amapá, não é?
João Luiz – Sim, mas ainda pouco utilizada. Alguma utilização se dá em Oiapoque num comércio mais local, mas o grande porte ainda não está sendo aproveitado nesse sentido econômico e é isso que eu costumo trabalhar em sala de aula com os acadêmicos.

Diário – Essa situação de vizinhança com a Guiana Francesa até bem pouco tempo atrás era até improvável, inimaginável diria, de um país do Mercosul fazer fronteira com um país da União Europeia.
João Luiz – É, a Comunidade Europeia adota uma moeda forte, o euro, e a América do Sul que até então vem despontando como um mercado promissor, mesmo com a Argentina passando por toda essa crise que ela já vem assando a algum tempo, esse processo de crescimento da moeda americana, o crescimento da moeda europeia e a Ásia sofrendo com alguma perda, mas mesmo perdendo ainda perde muito pouco, então essa relação que a gente tem aqui com a Europa ela se torna forte nesse sentido econômico, principalmente para a nossa região.

Diário – A consolidação disso poderá se dar com a abertura da ponte binacional sobre o Rio Oiapoque. O senhor acredita nesse incremento professor, como o do transporte rodoviário de cargas?
João Luiz – A ponte vai ser um atrativo sim, mas existe outra área que é a de transporte fluvial que é muito mais favorecido, por ser muito mais barata para um comércio muito maior e muito forte. No porto de Santana a gente tem o melhor calado [profundidade] que existe na região amazônica, porém existe um estrangulamento de rio que ainda não permite navios de grande porte, mas a gente percebe que os navios passam aqui na porta.

Diário – E a ponte, qual sua maior utilidade então professor?
João Luiz – Ela será um atrativo, uma influência muito boa para o turismo dos dois lados, tanto vindo para cá pro Brasil quanto indo para a região das Guianas, pois isso vai incentivar um comércio maior, tanto para trazer produtos para cá como para levar produtos daqui para outras regiões.

Diário – E sobre a conjuntura econômica atual do Brasil, pois o governo federal acena com a possibilidade de enviar ao Congresso Nacional uma proposta orçamentária para 2016 menor que a atual. O país está encolhendo mesmo?
João Luiz – É, o país já está encolhido economicamente há algum tempo, porém agora isso veio à tona por ser um câncer muito grande e ele precisa ser extirpado. E como será extirpado? A gente ainda não vê a possibilidade disso. O governo quer criar a CPMF de volta, quer ressuscita-la. Fazendo isso, ele vai sagrar o bolso do brasileiro de novo, que já vem sangrando a muito tempo. Existe a possibilidade dessa CPMF e de outras coisas, pois eu estava vendo no noticiário que o PMDB enviou uma cartilha para o governo apresentando uma série de soluções, uma série de formas. O que acontece hoje com a economia brasileira é emblemático. A economia americana passou por uma reformulação muito grande, a economia asiática está passando por uma reformulação, a Europa passou por uma reformulação, com a Grécia tendo que quase voltar para a moeda antiga deles, a dracma, então se o Brasil não se reformular, não se revestir dos criadores que criaram o plano real voltarem a repensar para reformular isso vai haver uma bancarrota e nosso país.

Diário – Esse ano a gente teve estados grandes e ricos, como o Rio Grande do Sul, tendo que parcelar o pagamento de seus servidores. E para 2017, o cenário para estados e municípios ainda é de dificuldades?
João Luiz – Ah, isso vai atravessar 2016, 2017. Do jeito que a economia está indo ela vai ficar muito complicada. E volto a falar: ela vai ficar complicada porque o governo federal quer transferir para o povo uma responsabilidade que não é do povo. A recriação da CPMF é uma transferência de responsabilidade, não fui eu quem administrou mal o dinheiro federal, não fui eu quem administrou mal os recursos, portanto não serei eu quem tem que pagar essa conta. Nessa ótica, nessa visão, voltando a falar da Europa a dificuldade em levar o socorro para a Grécia, nesse tempo aconteceu uma crise na Espanha, em Portugal e aí voltaram à Merkel, que mesmo com a mão de ferro ela ainda permitiu algumas coisas. O grande vilão dessa história e vai explodir na América Latina daqui a pouco é a hora que os bancos cobrarem o calote que a Argentina deu. Virando essa estação, isso nos afeta, porque vai afetar a indústria automobilística mais uma vez, com essa parceria da América Latina.

Diário – Em tempos de crise os especialistas defendem a inovação, a criatividade. Com o advento agora da Expofeira do Amapá, que se propõe a ser uma grande vitrine do que o estado é capaz de produzir, pode ser uma estratégia importante de enfrentamento da recessão?
João Luiz – É sempre bom ter uma atividade que faça com que o estado seja visto. Nós temos um estado que tem dois tempos, um estado antes de um empreendimento que foi inaugurado, que modificou o comércio regional, trazendo lojas, trazendo investidores que a gente até então só conhecia quando viajava. Isso aqueceu o comércio, gerou novos empregos, seja diretos ou indiretos, e a Expofeira também. E quando falo nela é independente de governo, qualquer que seja, estou falando do evento empreendedor que acontece ali, torna-se uma visibilidade maior. O que é necessário acontecer é saber quem está vendo esse tipo de evento? Quais são as pessoas que estão prestando atenção nesse movimento? Quantos investidores estão vindo de fora do estado ver isso? Quantos investidores de fora do Brasil estão vindo ver o que nós temos? Nós temos açaí, castanha, enfim, e espaços para uma série de atividades. Isso sim, eu acredito que esse evento sempre gere lucros, sempre traga um atrativo, a questão é saber para quem está sendo mostrado tudo isso.

Perfil…
Entrevistado. O professor universitário João Luiz da Silva tem 52 anos de idade, é divorciado e não tem filhos. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ), possui bacharelado em Administração, pelo Seminário Teológico do Norte, MBA em Gestão de Pessoas, pelo IMMES; é mestrando em Ciências Ambientais pela UniCastelo, na cidade de São José dos Campos (SP) e também atua como Instrutor do Sebrae. Mudou-se para o Amapá em 2002, quando atuou como gerente administrativo da empresa Labodental, até o ano de 2008; depois assumiu a gerência administrativa do Macapá Shopping Center, até o ano de 2011, quando passou a integrar o corpo docente da Faculdade Estácio de Sá, Campus de Macapá, onde leciona a disciplina de economia.


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