Diário no Carnaval

Além do feriado: A vida dos trabalhadores do carnaval

Por trás da grande festa, milhares de anônimos dão vida a um dos símbolos nacionais


 

Por Wallace Fonseca
Estagiário

 

Os desfiles de escolas de samba reúnem o trabalho de milhares de pessoas, desde a confecção de fantasias e coreografias, até os trabalhos com maquinários pesados. Também é fato que os trabalhadores que atuam nos desfiles de escolas de samba exercem a função durante todo o ano, embora seu esforço só seja visto, de fato, em fevereiro.

 

“Importância infinita, meu estilo de vida, de certa forma, depende do carnaval”, diz Heraldo Almeida, 58, radialista, e que desde 1975 se dedica a festividades. Heraldo também destaca a relevância do carnaval no cenário nacional, “é uma conquista, é cultura brasileira, não existe mundo sem cultura”, provoca o radialista. Heraldo já atuou também como aderecista, compositor de marchas, coreógrafo, porta-bandeira, diretor e palestrante, falando no Pará e Rio de Janeiro, além do Amapá.

 

 

“Trabalhei como diretor geral em oito das dez escolas de samba do estado; fui campeão nas oito”, relembra Heraldo.  Acerca de números, o radialista informa que as escolas e suas respectivas alas levam aos desfiles, pelo menos, 1.200 pessoas.

 

Para tudo se tem a primeira vez, e no caso do carnaval, não é incomum receber um convite para alguma festividade durante o evento. Rafael Carneiro, que somente aos 19 anos desfilou pela primeira vez, em 2023, relata sua experiência com “Única e inesquecível”. O acadêmico do curso de jornalismo também complementa que não tinha expectativas boas e revela que não é muito “chegado” ao carnaval. “Não sei muito sobre as escolas de samba no geral, foi muito do nada que parei no meio da pista”, complementou o estudante.

 

 

“Fui convidado pelo meu sogro, achei que eu ia só assistir ao desfile, quando chegou na hora me mostraram as roupas que eu ia vestir e foi uma experiência que vou levar para minha vida. Se houver o convite neste ano eu vou desfilar; gostei muito. Antes do desfile eu estava um pouco exausto, acordado desde cedo, mas na hora de colocar a fantasia eu estava ansioso de uma forma boa, foi uma energia que eu nunca tinha sentido antes”, relembrou Rafael.

 

Rafael pontuou também de positivo em seu desfile, a aproximação ainda maior com a família de sua namorada, que é ligada ao carnaval.

 

Para o professor, historiador e radialista Célio Alício, as escolas de samba no Amapá, desde suas primeiras, a ‘Boêmios do Laguinho’, fundada em 2 de janeiro de 1954, e a ‘Maracatu da Favela’, de 15 de dezembro de 1957, marcam a cultura amapaense. “É o amor das comunidades que perpetua a existência das escolas de samba e dá a elas a tradição que as faz transcender os limites de seus povoados e atingir outros agrupamentos sociais e outros setores da sociedade, tornando-se patrimônios culturais”, informa Célio.

 

 

Segundo o historiador, por ser a festa popular mais tradicional da História do Brasil e ser realizada em todo o território nacional, o carnaval tem nas escolas de samba sua expressão maior. Célio afirma que elas agregam pessoas de diferentes comunidades e nelas fomenta o amor pelos seus pavilhões e por suas histórias.

 

Célio Alício complementa que no Amapá a influência do carnaval não foi diferente. Boêmios do Laguinho, Maracatu da Favela e as demais agremiações carnavalescas, nascidas após elas, tornaram-se símbolos culturais da sociedade amapaense e passaram a compor o cenário estadual.

 

Além da festança, percalços também atingem a vida dos carnavalescos, e para Joelson, o carnaval não se resume somente a uma grande festa. Sua relação com o movimento pode ser dividida em dois momentos. Joelson Rogerio tem sua vida marcada pelo carnaval desde sua infância, seu bairro de origem e seus familiares serviram como berço cultural de sua jornada na folia. “Minha família respira cultura”, conclama Joelson.

 

 

Desde 1991, Joelson trabalha com o carnaval, começando com a Boêmios do Laguinho, de seu bairro, e em 1993 passa a atuar na parte técnica pela Piratas Estilizados. Contudo, o trabalho desenvolvido por Joelson o levou a uma situação de perigo. “No fatídico ano de 2006 eu sofro um acidente no Sambódromo, fui atingido por um descarga elétrica de 13.800 volts, fiquei cinco meses internado e acabei tendo as pernas amputadas, meus ossos estavam necrosando”, relembra Joelson.

 

 

Por mais que o dia em questão o tenha lesionado definitivamente, um convite levou sua vida para um caminho novo, mas sem abandonar o carnaval. “Fernando Oliveira, um dos fundadores da Associação dos Deficientes Físicos do Amapá, a Adefap, foi até minha casa, e me chamou para participar do basquete de cadeira de rodas”, relata Joelson. Embora o agora cadeirante jamais tenha largado o carnaval, mesmo em sua situação de pessoa com deficiência (PCD), o esporte lhe apresentou a um novo mundo.

 

No desenrolar deste acontecimento, Joelson Rogerio passou a atuar também na Adefap, onde além de se encontrar uma nova função, passou a ajudar outros deficientes físicos, e sobre o assunto, Joelson destaca, “queremos ser vistos como pessoas com eficiência; todo mundo, uma hora ou outra pode ser ou se tornar alguém com alguma deficiência”.

 

A trajetória de Joelson mostra também que o baque sofrido que resultou na perda de seus membros inferiores, jamais se distanciou do carnaval. “Somos deficientes e competentes, a sociedade precisa ver isso”, disse.

 

Atualmente, aos 47 anos, Joelson Rogerio é presidente da Associação dos Deficentes Físicos do Amapá, e se nega a abandonar o carnaval. Agora, no entanto, sua condição lhe traz pequenas limitações, como não participar do deslocamento do bloco ‘A Banda’. Para ele, a visão da sacada de sua casa basta, e o carnavalesco lamenta a falta de acessibilidade de banheiros para cadeirantes.

 

“Carnaval é festa, é folia, fé, inclusão é responsabilidade. Carnaval também faz bem para a pessoa com deficiência, quem sabe de repente o cidadão fica o ano inteiro internado dentro de sua própria casa, psicologicamente cansado, e você tira essa pessoa e a coloca para desfilar por cerca de quatro horas; esse gesto coloca o sorriso no rosto dessa pessoa, que só quer ser feliz”, relata Joelson.

 

Piratas do Laguinho, conforme informa Joelson, disponibiliza espaço e fantasia para cerca de 15 cadeirantes que desfilam todos os anos.

 

“Esse ano vou desfilar pelo Boêmios do Laguinho, do bairro moreno da cidade, a escola do meu coração, é a escola da minha família, meu acidente foi por lá, mas nunca deixarei de amar esta agremiação”, concluiu Joelson Rogerio.

 

“Seja você mesmo no mundo que você vive”, provoca Luiz Gonzaga, também da Adefap, acerca do carnaval. “É confraternização, essa festa é isso, eu acabei gostando”, diz o folião, que complementa afirmando que “ninguém precisa gostar”, mas apenas o fato de assistir a movimentação dos blocos e das escolas de samba, “ter um pouquinha da vivência”, basta para entender o apreço das pessoas pelo carnaval. “Você esquece um pouco seus problemas, isso é viver o carnaval, são momentos. Tem o momento do ano novo, do natal, e tem o do carnaval, é sobre saber dosar. É claro, tem gente que vai para o carnaval para bagunçar, fazer o que não deve, isso acaba afastando algumas pessoas, mas se você vai para se divertir, meu irmão, você vai ver o que é o carnaval”, concluiu o folião.

 

O Governo do Estado do Amapá investiu 4,5 milhões de reais para o carnaval de 2024. O valor foi entregue diretamente para as dez agremiações em uma parcela única, por meio da Liga Independente das Escolas de Samba do Amapá, a Liesap.

 

Nacional

De autoria do deputado Washington Quaquá (PT-RJ), o Projeto de Lei 2769/23, atualmente em análise, cria um fundo nacional para incentivo e manutenção do carnaval, sob gestão e regulamentação do Ministério do Turismo. Para o autor do PL, a ideia garante recursos para realização do evento e promove a profissionalização do setor.

 

A proposta é de que o fundo seja financiado pela contribuição compulsória de 0,5% sobre o valor da venda de bebidas alcoólicas nacionais e de 1% para as importadas. Acerca da divisão dos valores, os recursos arrecadados terão seus montantes divididos de forma que 70% vão para as escolas de samba; 20% para os blocos independentes; 10% para os demais movimentos festivos do carnaval.

 

Caso aceito o projeto, o Ministério do Turismo criará um comitê para gerenciar os fundos com a participação de representantes das escolas de samba, blocos independentes, charangas e outras manifestações culturais carnavalescas em todo território nacional.

 

Sobre a tramitação do projeto, a proposta será analisada em caráter conclusivo pelas comissões de Cultura; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça de Cidadania.

 


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