Nota 10

Morre Tia Zefa, pioneira dos tempos do TFA e matriarca do Marabaixo

Centenária amapaense estava entre os primeiros moradores do Bairro do Laguinho


 

Célio Alício
Historiador e articulista

 

A noite de terça-feira, 23 de julho de 2024, não poderia ter iniciado de forma mais triste para o povo amapaense. Por volta das 19h faleceu no Bairro do Laguinho a centenária Josefa Lina da Silva, a popular e benquista Tia Zefa, ou Zefa do Quinca, como também era popularmente conhecida. Ela tinha 108 anos e era a pessoa mais idosa do Amapá, de família tradicional e uma das primeiras moradoras do Bairro do Laguinho.

 

Josefina nasceu em 1916, no Centro de Macapá, na área do Formigueiro, atrás da Igreja São José, no tempo em que a Intendência Municipal administrava o município então pertencente ao estado do Pará, juntamente com Mazagão e Amapá. Nessa época, não havia energia elétrica, água encanada, bairros, carros e outros benefícios do progresso na pequena e pacata Macapá.

Quando foi criado o Território Federal do Amapá, ela tinha 27 anos e acompanhou de perto as transfomações pelas quais a cidade passou a partir de então. Em meados da década de 1940, ela estava entre os negros que foram retirados do Centro e se dividiram entre os grupos que seguiram Gertrudes Saturnino e se fixaram na Favela, e o contingente que liderado por Julião Ramos se assentou nos campos do Laguinho. Dona Zefa fez parte desse grupo, tornando-se, portanto, um dos moradores pioneiros desse tradicional bairro.

 

Ainda na infância ela começou a compor ‘ladrões’ (versos das cantigas do Marabaixo) e cantá-los com sua voz ao mesmo tempo doce e potente. Até quando sua saúde permitiu, Tia Zefa adrentrava as rodas de Marabaixo. Ela tocava os tambores, dançava e entoava versos que carregavam em si, além da emoção, as histórias que eram de sua gente, e que serviram e continuarão servindo de exemplos para as novas gerações de marabaixeiras e marabaixeiros.

Zefa dizia que desde criança já sabia compor e cantarolar variados ladrões de marabaixo. Não dispensava entrar na roda para cantar e dançar o ritmo que ela viu crescer no estado. A maior parte da família é envolvida com a manifestação cultural, seja dançando, compondo ou batucando.

 

Ela foi casada com o Sr. Aureliano Ramos com quem teve oito filhos, os quais, após a morte do marido, criou com muito suor, lavando roupa pra fora e trabalhando na roça, deixando assim um legado de dignidade, coragem, força e garra para seus mais de 30 netos, mais de 40 bisnetos e vários tataranetos.

 

Devota de Santa Eufigênia, ela era católica fervosora e professava sua fé. Dividiu sua vida entre a criação das filhas e filhos, principalmente após a moete do marido, e a lida diária, alternando os esforços do dia a dia com o seu espírito alegre e festeiro ao tomar parte das principais mnifestações culturais advindas da ancestralidade africana, fazendo do Marabaixo, além de militância cultural, um modo de vida que passou para a sua descendência.

 

De acordo com o jornalista Edi Prado, ela viveu até os 112 anos, porém, teria sido registrada aos quatro anos, daí vem a soma de 108 anos, sendo a pessoa mais idosa do Amapá.

 

Tia Zefa, a Zefa do Quinca, a Mestra Zefa do Marabaixo do Amapá, não sabia ler e escrever, mas era uma sábia do conhecimento popular e defensora ferrenha e incansável dos seus valores familiares, religiosos e culturais.

 

Com a partida de Tia Zefa, o Amapá ficou menos bonito, menos alegre, e porque não dizer, menos autêntico. Que seu exemplo guie a todos os negros e negras na luta pela igualdade e no combate ao racismo, a discriminação e as diferentes e perversas formas de exclusão.

 

Ave, Tia Zefa!

 

 


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