Entrevista

“Acredito na força do jovem que aprendem rápido e muito fácilmente”.

Uma esclarecedora conversa com a professora Maria de Lourdes Ramos sobre a potência do protagonismo de crianças e adolescentes, a importância do apoio da comunidade escolar e desafios durante a pandemia, confira.


 

Cleber Barbosa
Da Redação

 

A senhora pode falar um pouco sobre a potência do protagonismo de crianças e adolescentes para transformar realidades, problemas sociais e gerar mudanças?
Maria de Lourdes Ramos – Eu acredito muito na força do jovem e vejo o quanto aprendem rápido e facilmente. Eles enxergam além do que enxergamos e, de uma forma mais simples, encontram as respostas que levaríamos um tempo para encontrar. Não vão buscar onde está a política, a questão econômica, mas vão na raiz do problema. Eu vejo o quanto esses jovens e adolescentes conseguem, dentro das suas realidades, encontrar respostas e perceber, do modo deles, todo esse contexto em que estão inseridos. Conseguem enxergar o Brasil com essa enorme desigualdade social, entender porque eles são da periferia e estão na periferia e quais são as dificuldades que vão encontrar para se autoafirmarem diante desse contexto de desigualdade. Essas crianças e adolescentes aprendem a resolver, a amar, a tomar decisões e nos cabe, como adultos ou instituições, mostrar para eles essas possibilidades.

 

Diário – Qual a importância da comunidade escolar para garantir esse protagonismo?

Maria de Loudes – Eu vou falar um pouco da minha formação como educadora. Afinal, desde os 18 anos eu já tinha certeza que eu queria ser professora. E eu acredito que quando existe diálogo entre escola e comunidade, ela se torna mais forte, uma referência para a comunidade e o estudante também se torna mais forte, autônomo, livre, criativo e inovador.

 

Diário – Há tempos se fala nisso, mas não decola.

Maria de Lourdes – Porque a escola permite que os estudantes levem suas realidades para lá e consigam encaminhar soluções e estratégias para lidar com todos os seus contextos. Então eu percebo como essa escola pode e deve exercer esse papel social de se aproximar das famílias, de orientar. Sua função não é reproduzir conteúdos distantes da realidade do estudante. Por exemplo, vamos ter uma aula de história, vamos falar da Europa, mas não do Brasil; vamos falar do Sul e não falamos do Nordeste. Então eu tive uma prática com os alunos, quando eles já estavam no ensino médio, eram da educação profissional, e disse “quais são as oportunidades que a gente tem de emprego?” e eles diziam que aqui não tinha muita coisa, que tinha mais coisa em São Paulo, que iam melhorar de vida se fossem para lá. E eu falei “vamos estudar um pouco? aceitam o desafio?”. E eles ficaram surpresos com o que descobriram sobre a Bahia. Muitos não sabiam que a Bahia tem 417 municípios e como esses municípios têm possibilidades e oportunidades para jovens, tanto de emprego como de acesso à educação. E aí partimos do lugar deles, de Alagoinhas, a 108 km de Salvador. Eu vejo o quanto é importante para esses meninos terem uma escola que possibilite eles se enxergarem no contexto, construírem as suas histórias e gostarem mais do lugar onde eles estão.

 

Diário – Como esses papéis que a escola desempenha ficaram durante a pandemia de coronavirus?

Maria de Lourdes – Falando de uma forma geral, sentimos diversas dificuldades no Brasil e, especialmente na Bahia, para trabalhar nesse período de crise humanitária, que é também política e crise econômica. Oficialmente, pelo governo do estado da Bahia, os 417 municípios não tiveram aula. Desse modo, não havia contato entre professores e estudantes e isso me inquietou demais. As aulas foram suspensas em maio e, em abril, eu comecei a assistir muitas lives, e uma dessas foi de um grupo de São Paulo que tinha conseguido desenvolver o chamado WhatsApp inteligente, que tinha um robô que fazia chamada, resumos das aulas. Eu liguei para essas pessoas, pedi apoio e informação. Logo, chamei alguns colegas e consegui 10 professores que toparam dar aulas para esses meninos. Fizemos um planejamento, aqui em Alagoinhas, e alguns outros professores também tomaram iniciativas isoladas.

 

Diário – Como aconteceu a virada?

Fábio – Foi a maior sacada essa iniciativa porque os estudantes também estavam com tantos medos e incertezas quanto nós diante dessa crise que pegou em cheio muito mais essas camadas desfavorecidas, quem vive em periferias, quem não tem emprego certo, quem vivia de bicos. Essas pessoas foram atingidas de uma forma mais profunda e a maioria delas eram nossos estudantes ou os pais deles. Trabalhamos assim de abril até novembro sem nenhuma autorização do governo. O Estado poderia ter investido na TV aberta, montado um grupo de professores de fazer blocos temáticos de conteúdos, que ajudaria os estudantes a passar por esse momento difícil.

 

Perfil

Maria de Lourdes Ramos é formada em História e professora da disciplina de Intervenção Social no Colégio Estadual Deputado Luís Eduardo Magalhães, em Alagoinhas (BA). Com seus alunos, ela criou o projeto Da Escola para o Mundo, premiado no Desafio Criativos da Escola 2017.

 

O projeto
– É professora de Intervenção Social no Colégio Estadual Deputado Luís Eduardo Magalhães, uma instituição de educação profissional na cidade baiana de Alagoinhas.
– Este componente lhe deu a possibilidade de debater as questões sociais mais urgentes do Brasil, de convidar os alunos a pensar em possíveis soluções e em seus projetos de vida.
– Quando prepara as aulas, sempre procura correlações entre os temas a serem abordados e a realidade dos alunos.
– Em 2016, durante uma aula sobre o sistema prisional brasileiro, conversamos sobre o envolvimento dos jovens com a violência e as drogas. Eles falaram muito sobre o próprio lugar onde viviam, e sobre como alguns jovens abandonam a escola por pensarem que o crime pode ser um caminho mais viável, enquanto outros jovens buscam na escola uma oportunidade de ascensão social.
– Conseguimos construir identidade, pertencimento. Este ganho ninguém tira e salário nenhum paga.

 

 

 


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