Entrevista

A descoberta tardia do autismo é mais comum em mulheres

A arquiteta recém formada Carol Cardoso relembra episódio ao falar sobre as dificuldades de interação social trazidas pelo autismo. Ela foi diagnosticada com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos 21 anos de idade


 

Cléber Barbosa
Da Redação

 

Uma pergunta sempre importante a se fazer quando se fala em autismo é sobre a busca pelo diagnóstico. No seu caso, em que momento isso aconteceu? Como foi?
Carol Cardoso – Eu passei alguns anos na faculdade e comecei a ter muita dificuldade de me desenvolver nesse ambiente. Era um ambiente muito diferente, tinha muito mais gente que na minha escola, atividades muito variadas, e isso junto com questões emocionais e de relacionamento amoroso que eu não estava conseguindo conduzir. Para quem tem autismo, a socialização para relações amorosas pode ser um desafio imenso. Eu desenvolvi um quadro depressivo e fui fazer tratamento em uma clínica. Lá os profissionais levantaram a hipótese do autismo. Eu já estava no oitavo semestre da faculdade, passei todo esse tempo com muitas dificuldades. Só depois do diagnóstico consegui me comunicar com a coordenação do meu curso sobre o que eu sofria e também ter mais suporte nessa clínica.

Então houve muitas mudanças depois de saber que você era autista?
Carol – As pessoas com as quais eu convivia sempre notavam algo “esquisito”, uma peça estranha faltando. A peça era o autismo. Se você não sabe das características do autismo, pensa que a pessoa faz de propósito algumas coisas. Por exemplo, quando falavam algo em duplo sentido e eu não entendia, perguntava porque estavam falando daquele jeito, elas achavam que eu estava sendo inconveniente de propósito. Ou quando contavam uma piada e eu não entendia, respondia séria, achavam que eu estava sendo sem graça também de propósito. Isso, cumulativamente, acaba comprometendo muito a percepção que as pessoas têm da gente.

Quais são seus principais desafios quanto ao autismo?
Carol – Hoje em dia um dos maiores desafios que eu tenho é sair de casa, porque eu me mudei recentemente para São Paulo e aqui as questões sensoriais são muito mais delicadas, a cidade é muito mais caótica. Eu vim de Macapá e lá não havia tanta gente, tantos carros, tanto barulho, a gente tinha menos estímulos. Logo que eu cheguei eu tinha muitas crises. Mesmo hoje eu só consigo transitar pela cidade com protetores auriculares. A socialização também é muito difícil, porque se eu não consigo sair de casa eu acabo limitando muito minha capacidade de interagir. Mesmo quando eu saio, sinto muitas dificuldades, eu não consigo iniciar uma conversa, puxar papo, eu simplesmente travo, minha voz não sai. Com terapia eu consegui melhorar muita coisa, principalmente quanto à minha autonomia. Hoje eu consigo gerenciar quase tudo sozinha na minha vida, até fazer compras no mercado. Mas logo que cheguei aqui, teve vezes de eu ir no mercado e voltar sem comprar nada, por não tolerar aquele ambiente. Vi que em um município adotaram a hora do silêncio nos mercados, isso seria ótimo, porque se tivermos um momento sem aqueles anúncios, sem aquelas luzes piscando, seria muito bom. É uma questão de acessibilidade também.

Durante muito tempo dizia-se que o autismo era um transtorno predominantemente masculino, não sei se isso ainda é aceito. O autismo atinge diferente as mulheres por causa de questões de gênero?
Carol – Não saberia afirmar se é diferente na origem, porque essa questão de gênero é muito extensa. Mas o que eu percebo é que existem diferenças nas percepções de mulheres autistas e de homens autistas. Já começa pelo diagnóstico. São muito mais comuns os diagnósticos tardios em mulheres autistas que em homens. Os próprios manuais de diagnósticos são baseados em características mais masculinas. Essa discussão das diferenças está em emergência agora. Eu acho muito mais comum as mulheres terem outros diagnósticos antes do autismo. Ouvi de uma psicóloga que ela pensava que autismo dava mais em homens e em crianças, era difícil para ela imaginar que eu pudesse ser autista. Ainda existe a discussão da cor azul representar o autismo, do autismo ser algo masculino, o que não se confirma.

Mas nas produções culturais ainda se vê muito mais homens representando personagens com autismo…
Carol – A gente vê homens falando mais sobre qualquer assunto que seja, no autismo não seria diferente. Na comunidade autista tem isso de só falar de autismo, não colocar em questão esses atravessamentos, como raça e gênero, sendo que isso contribuiria muito para o entendimento do próprio autismo. Levantar as vozes dessas pessoas sendo mulheres, não brancas, que conseguiram ter seu diagnóstico, possibilitaria a discussão de questões que, ao mesmo tempo que não são diretamente ligadas ao autismo, são modificadoras da nossa condição, e inseparáveis do indivíduo como um todo.

 

Perfil

Carol Cardoso – Possui Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais, bacharelado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Amapá a UNIFAP.

 

Breve relato

“Uma vez, na adolescência, eu convidei meus colegas para irem no cinema comigo e ninguém foi. Naquele dia eu vi que precisava adotar estratégias para conseguir conviver e ter amigos de verdade”. A arquiteta recém formada Carol Cardoso relembra esse episódio ao falar sobre as dificuldades de interação social trazidas pelo autismo. Ela foi diagnosticada com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos 21 anos de idade. Atualmente com 24, Carol ainda tem grandes desafios a serem enfrentados em função disso, mas agora tem mais consciência das suas características e das iniciativas que pode tomar para minimizar esses efeitos.

 

Uma bandeira

Hoje, além da arquitetura e outros tópicos de interesse, ela é uma estudiosa das questões do autismo e seus atravessamentos possíveis, tais como gênero, raça e classe. Também participa do podcast Introvertendo, onde aborda esses e outros temas, sob a perspectiva teórica e também prática de quem vive o autismo no cotidiano.

 

 


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