Conflito em concurso do Amapá pode ajudar o país e regular critérios étnico-raciais
Além de atualizar o debate sobre a política de cotas raciais, ação visa o combate a fraudes nas políticas adotadas em certames de seleção de pessoal.
Cleber Barbosa
Da Redação
A Defensoria Pública da União (DPU), por meio do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais, enviou a diferentes órgãos, nessa segunda-feira (14), nota técnica com propostas para regulamentação das comissões de heteroidentificação étnico-racial. O objetivo do documento é aprimorar a discussão sobre essas comissões.
Quando se trata de acesso a concursos e vestibulares pelas cotas raciais, o entendimento atual é de que a autodeclaração racial não basta, é preciso um controle do acesso à política pública. É aí que entra a comissão. Heteroidentificação é uma identificação realizada por outra pessoa, no caso, por uma comissão. Ela é complementar à autodeclaração étnico-racial do candidato.
A DPU entende que existe uma demanda real e urgente pela regulamentação das comissões de heteroidentificação. “O que se quer, por um lado, é consolidar diretrizes para o desenho administrativo da heteroidentificação e, por outro, conferir praticabilidade e efetividade à política afirmativa de cotas étnico-raciais”, diz o texto da nota técnica.
Entre as sugestões, a DPU aconselha que as comissões de heteroidentificação sejam compostas de cinco membros, três da própria instituição que organiza a prova e dois membros externos, sendo um do campo acadêmico e outro dos movimentos sociais. O documento destaca ainda a importância da diversidade dos membros da comissão, de forma que os grupos representem a pluralidade da sociedade em termos de gênero, identidade sexual, idade e cor/etnia.
Também deve ser levada em conta a abrangência territorial da seleção, para que se analise os fenótipos de acordo com o local. “Uma comissão constituída para um concurso público no estado do Amapá deve verificar se o candidato é socialmente lido como negro no estado do Amapá”, explica a nota.
Pardos
O documento destina especial atenção ao tratamento dado aos candidatos pardos. Entende-se por negros pessoas pretas e pessoas pardas. Entretanto, a identificação de uma pessoa como parda se relaciona com elementos do senso comum, geralmente se entendendo por pardo como miscigenado, como resultado da mestiçagem das outras quatro raças ou etnias, tidas como mais “puras” (preta, branca, amarela e indígena).
Os movimentos sociais, que defendem a política de cotas, entendem que pessoas pardas devem ter acesso à política de cotas. A nota técnica da DPU argumenta que uma pessoa que se entenda como parda e ao mesmo tempo não negra deve ser excluída da política de cotas, posicionamento já adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADC 41.
“O combate a fraudes nas políticas de cotas é fundamental e passa em boa medida pela implantação de um sistema de heteroidentificação que possa excluir, sobretudo, pessoas brancas, mas também pardos não negros”, diz o documento.
O coordenador do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da DPU, Yuri Costa, explica que não é função da comissão identificar a raça do candidato, mas evitar fraudes. Em outras palavras, a comissão deve apenas excluir os candidatos não negros.
“Por isso que a gente toma a ideia de pardo não como qualquer miscigenação. O pardo que nos interessa é negro, embora sem pele retinta. São os chamados pardos negros”, detalha o defensor público.
Para Costa, é importante que a sociedade tenha em mente que a conclusão da comissão de heteroidentificação não prejudica a autodeclaração do indivíduo. “A comissão não funciona como um tribunal que define a cor ou etnia da pessoa. Independentemente de seu resultado, ela continua com o direito de se identificar da maneira como quer. Se ela quiser se enquadrar como branca, parda socialmente branco, ou qualquer outra definição. Isso não interessa à comissão, porque é estritamente voltada à identificação de pessoas aptas e figurar como cotistas negros”, esclareceu.
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