“Por que o trabalhador tem que ser empurrado para os cantos da cidade?”
Quem se acostumou a ver o juiz federal João Bosco Soares transitando entre os políticos, comandando audiências públicas, visitando garimpos ou participando de eventos de grande concentração de pessoas com a simplicidade de um autêntico mato-grossense certamente ficou impressionado com o seu poder de articulação, o que chegou a levantar especulações de pretensão política – o que ele rechaça veementemente. Depois de liderar uma grande discussão sobre a melhoria do trânsito de Macapá, o magistrado investiu pesado para dar celeridade ao processo de urbanização da área do entorno do aeroporto de Macapá. Para isso, tem um objetivo: que além de significar uma nova fase planejada para a Capital, o projeto tem que ser também democrático e inclusivo.
Diário do Amapá – O senhor tem marcado sua passagem pelo Amapá pelo despojamento, agindo antes de tudo como cidadão antes de magistrado. Como cidadão brasileiro que tipo de demanda o senhor gostaria de ver resolvida?
João Bosco – A regularização fundiária é uma coisa que o Incra está devendo para o país, por exemplo. O Governo Federal investiu muito pouco nessa área o que tem sacrificado enormemente o desenvolvimento econômico do Amapá e outros Estados da Federação. Nós lamentamos muito essa situação, onde o posseiro não tem o título muito embora ocupe uma área há vinte, trinta ou quarenta anos. Isso é inconcebível, não podemos mais tolerar isso, o país tem que ter uma política fundiária.
Diário – Isso representa o que para o posseiro?
João Bosco – Dignidade. Com o título esse posseiro vai poder pegar empréstimos junto a instituições financeiras e assim desenvolver uma atividade econômica, trazendo emprego e renda para si e para o Estado.
Diário – Os admiradores do seu trabalho salientam a maneira como o senhor se identificou com o Amapá, já tendo recebido o título de cidadão amapaense, tendo optado por ficar aqui, mesmo diante da movimentação na carreira a que tinha direito. O senhor também gosta de tomar açaí?
João Bosco – Eu adoro açaí… (risos).
Diário – É por essa e outras que está conosco esse tempo todo… Mas uma das causas que o senhor atuou foi com relação a urbanização da área do entorno da Infraero em Macapá. A quantas anda esse projeto?
João Bosco – É uma área de aproximadamente 642 hectares, está encravada no centro da cidade, está subutilizada, suscetível a invasões e de uma ocupação desordenada, então diversas autoridades se mobilizaram, para que essa área seja ocupada racionalmente. O Estado do Amapá apresentou um plano de urbanização para essa área, a partir de discussões com diversos segmentos, como Ministério Público, os Parlamentos, a Justiça Federal, com todos nós contribuindo.
Diário – Essa ocupação tem que tipo de foco ou direcionamento?
João Bosco – As vertentes para essa urbanização são basicamente a moradia, pois nós temos que atender a população de baixa renda através de recursos federais para habitação que existem, mas também podemos ter uma parte dessa área voltada à população de classe média que mora mal, pagando aluguel, por exemplo, seja verticalizando, seja licitando terrenos. Temos que ter também áreas para o setor institucional, como prédios públicos, o judiciário, promotoria, defensoria pública, enfim, todo um aparelho que o poder público necessita edificar.
Diário – A ideia é transferir para lá boa parte dos órgãos públicos?
João Bosco – O Centro Administrativo de Macapá hoje está asfixiado, estrangulado mesmo, daí a necessidade de se redimensionar a localização desse conglomerado administrativo e para isso essa área da Infraero pode ser vital para resolvermos esse problema.
Diário – Estados como o seu Mato Grosso rompeu as barreiras com o passado e edificaram novos centros administrativos fora dos bairros centrais da Capital, dando início a novas áreas urbanas planejadas e pensadas para o futuro, é isso que o senhor defende?
João Bosco – Exatamente. Tanto em Cuiabá como em Campo Grande os centros administrativos são fora do eixo central da cidade. Macapá pode seguir esse modelo.
Diário – Essa mobilização em torno da ocupação dessa área da Infraero resultou inclusive na mudança do plano de se construir uma segunda pista de pouso para o aeroporto de Macapá, que seriam perpendiculares e agora deverão ser paralelas. É isso mesmo?
João Bosco – A Infraero recuou sim com relação a uma segunda pista e se o fizer fará mesmo perto da outra, portanto sobrará mais área para a expansão da cidade, que possui uma malha viária concentrada demais o que chega a ser traumático, pois nós temos que ter uma malha difusa daí defendermos a ocupação ordenada da área da Infraero, que servirá para dar melhores condições de mobilidade urbana para Macapá.
Diário – Daí então ter esse pensamento de uma expansão também comercial para este novo setor da cidade?
João Bosco – Exatamente. É possível destinar através de licitação parte dessa área para o segmento empresarial, como concessionárias de veículos, postos de gasolina, farmácias, além do aparelho público, como hospitais, creches, enfim.
Diário – Até mesmo a nova Sede da Justiça Federal foi construída naquela área não é mesmo?
João Bosco – A nossa sede foi muito bem construída lá sim, inclusive daí porque eu defendo que o ganho social com a urbanização da área da Infraero será imenso e as futuras gerações irão agradecer o presente por essa ação.
Diário – Com a chegada dos efeitos da crise econômica mundial aqui no Amapá o senhor diria que é preciso ter pressa para tocar esse projeto?
João Bosco – Certamente, pois nós agora é que estamos entrando numa crise profunda e que pode ser duradoura, infelizmente, então a implantação de projetos habitacionais para essa área da Infraero significa fazer com que o trabalhador more bem e em uma área nobre de Macapá. Por que não?
Diário – O senhor se refere ao fenômeno nacional e até mundial de colocar os mais pobres a margem dos bairros mais estruturados?
João Bosco – Isso. Por que o trabalhador tem sempre que ser empurrado para os cantos da cidade? Numa sociedade que tem um espírito tão democrático como Macapá, onde não vemos essa divisão entre rico e pobre como acontece em Goiânia, por exemplo, onde o rico não dirige a palavra a quem não tem recurso. Em Macapá temos uma sociedade de interação, onde o rico conversa com o pobre, vai à mesma festa em que o pobre vai…
Diário – E se encontram até da amassadeira do açaí que o senhor tanto gosta não é mesmo?
João Bosco – Perfeito, para você ver que aqui o espírito é democrático, então a ocupação da área da Infraero será democrática, você vai ter ali a classe média, a classe alta, por que não? Por que discriminar? Somos de uma sociedade que não pode se dar ao luxo de estabelecer discriminações não razoáveis, então haverá um grande espaço para a população de baixa renda na área da Infraero. Daí a necessidade de fazermos bons projetos que ainda poderão estimular a construção civil e assim gerar muitos empregos o que é crucial para amenizar os efeitos da crise. Então se não tem tanta gente especializada aqui vamos contratar empresas de fora, para desenvolver projetos de arquitetura e urbanismo que em três ou quatro meses eles nos entregam os projetos e assim pegarmos os recursos que já estão disponíveis em Brasília e podermos iniciar as obras mesmo em período de crise.
Diário – Essa pode ter sido a receita para o Governo Federal, que investiu em grandes projetos de casas populares e que agora deu uma parada colocando a conta na crise, não é?
João Bosco – O governo Federal sabe que essa crise está impactando violentamente na vida do brasileiro. Eu gostaria de chamar a atenção para o aspecto da geração do emprego e da renda que essa área da Infraero poderá representar.
Perfil…
Entrevistado. O juiz federal João Bosco Costa Soares da Silva é natural de Cuiabá, no Mato Grosso, estado onde buscou também formação acadêmica e iniciou uma promissora carreira jurídica. Desde que foi transferido para o Amapá, ele logo chamou a atenção por seu despojamento que o faz estar sempre presente nas grandes discussões que dizem respeito à cidadania, em que pese o princípio legal de que a Justiça só deve agir quando provocada. Foi assim que João Bosco liderou movimentos pela paz no trânsito, pela ação de garimpos, de assentados rurais e, mais recentemente, na defesa de que a ocupação da área do entorno do Aeroporto Internacional de Macapá seja feita de maneira organizada e planejada. Quase uma unanimidade, também provocou inimizades.
Deixe seu comentário
Publicidade