A música mais nova do mundo vem do Amapá
Há 17 anos na estrada, o grupo Senzalas se diz tão universal quanto Jobim e Beatles ao mostrar ritmos do estado e cantar belezas amazônicas
Eu acho que a nossa música é a mais nova que tem no mundo hoje”, repete Val Milhomem, compositor e cantor do grupo Senzalas. Formada em 1997, em Macapá, a banda mistura reggae, zouk e carimbó. E traz o marabaixo, ritmo tipicamente amapaense, com forte influência africana. O som não é exatamente novo. O marabaixo nasceu com a chegada dos primeiros escravos negros ao estado, no século 18, e as misturas da banda se difundiram com a MPA, a Música Popular do Amapá, no final dos anos 1980. É novo porque é desconhecido, admitem Val e seus parceiros Amadeu Cavalcante e Joãozinho Gomes, todos pioneiros da MPA.
Parte desse desconhecimento tem a ver com as limitações impostas pela indústria fonográfica e a mídia, que escolhem os modismos que vão martelar os ouvidos do Oiapoque (cidade amapaense) ao Chuí, no extremo sul. “A gente é bombardeado lá, como todo mundo é, pela mídia nacional. Globo e afins.
Então se está na moda o arrocha, é o arrocha que vai para o Brasil inteiro. E a grande indústria que banca esses caras é a Som Livre, ligada à Globo, e que joga nas emissoras de rádio que têm contratos para fazer isso e faz tocar, tocar, tocar. E isso, na cabeça de qualquer povo, vira moda. Esse é o problema. O povo brasileiro começa a achar que música é só axé, sertanejo, arrocha, forró, que nem é mais aquele, já é meio pasteurizado”, lamenta Val.
Em março, a banda fez três shows em São Paulo. Um deles, no Tom Jazz, teve a participação da cantora Leci Brandão, velha conhecida dos músicos. Os outros dois foram em Centros Educacionais Unificados (CEUs) no extremo leste da cidade, ambos com teatro lotado. “A apresentação no CEU São Mateus foi histórica para nós. Deu nó na garganta. Enchemos um teatro para 400 pessoas, que se conectaram de uma forma com músicas que eles nem conheciam. Foi muito marcante”, conta Amadeu.
A viagem serviu para divulgar o segundo CD da banda, Tambores do Meio do Mundo. Lançado no Amapá em 2011, o nome faz alusão ao fato de a linha imaginária do Equador, que divide o planeta em dois hemisférios, passar pela capital do estado. Ganhar os palcos de São Paulo é importante para qualquer artista mas há muitas fronteiras a se quebrar antes disso no próprio Amapá, acreditam os músicos.
“O santo de casa não faz milagre. Tudo depende de mídia. Já tivemos uma experiência que mostra bem isso. Uma música que a gente gravou, mas nem cantava, foi usada pelo governo do estado em uma campanha publicitária para mostrar a beleza, o povo daquela região. Hoje é uma espécie de hino do estado”, conta Amadeu sobre a canção Jeito Tucuju. O termo é um dos gentílicos possíveis para o povo do Amapá e faz referência a uma tribo indígena que ocupava o território.
Os músicos também são fundadores do movimento Costa Norte, surgido no final dos anos 1980 para fortalecer a identidade do estado e divulgar trabalhos autorais. “As pessoas iam para o Rio, Bahia, Goiânia e as pessoas de lá perguntavam: ‘Qual é a cultura de vocês lá? Não tem artistas na sua terra?’”, conta Amadeu. Artistas, o estado tinha – e tem. Mas sem contar com a atenção do mercado fonográfico, os músicos apresentavam seu trabalho apenas esporadicamente, em festivais. “Daí a gente decidiu que ia levar aquela música para os barzinhos também. Porque a gente tocava todo tipo de música, menos a nossa. Fazia propaganda dos outros e não fazia a nossa.”
Talvez pela temática, o trabalho do Senzalas seja insistentemente classificado como regional. Para Joãozinho, que diz não se incomodar com isso, não é. “Quando Tom Jobim canta o avião chegando ao aeroporto do Rio, não é regional. Quando os Beatles cantaram Penny Lane, que é uma alameda da Inglaterra, o mundo todo amou. Então ou tudo é regional ou tudo é universal”, provoca. (Texto: Gisele Brito/redebrasilatual.com.br.
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