Nilson Montoril

A seca de 1932, no Ceará


A primeira grande seca, que assolou a Província do Ceará teve inicio em 1887, ainda no tempo do Segundo Império do Brasil. A fase mais critica se deu no do ano de 1888 e se estendeu por 1889. O segundo flagelo acorreu em 1915, sendo abordado no livro de Raquel de Queiroz, cujo titulo é “O Quinze”. Em 1926, teve inicio uma estiagem tenebrosa, que se agravou em 1932. A seca deste ano levou o presidente Getúlio Vargas a determinar a construção de açudes, onde os retirantes trabalhariam. Para evitar que os flagelados rumassem para Fortaleza, o governo mandou instalar vários campos de concentração, também denominados “currais do governo” e “currais humanos”.

Os sertanejos que ficaram sem condições de produzir alguma coisa e não tinham meios de subsistência, empreenderam marchas com destino às cidades possuidoras de estações ferroviárias, com o propósito de obterem atendimento humanitário. Apenas as pessoas decididas a migrar para a Amazônia conseguiam liberação para tomarem uma composição ferroviária e seguirem para Fortaleza. Eram levadas diretamente para o porto e ali ficavam retidas até comprarem passagens em navios da Companhia Costeira e embarcassem.

Os “currais do governo” correspondiam a áreas de agrupamento de retirantes, gente fedida, piolhenta e maltrapilha, a maioria usando o tempo todo a mesma roupa. Nos campos de concentração despendia-se um grande esforço para tratar as enfermidades, saciar a fome dos retirantes, convencê-los a aceitar emprego na Amazônia.

A estiagem gerou grande carestia, e o risco de saque em estabelecimentos comerciais era tremendo, razão pela qual os flagelados não podiam sair da área onde estavam confinados e permaneciam guardados por soldados armados. Estima-se em aproximadamente 72.738 o número de concentrados, distribuídos nos seguintes campos: 1.800 em Urubu e Matadouro (Fortaleza); 4.542 em Quixeramobim e Quixadá; 16.221 em Senador Pompeu; 26.468 em Cariús; 6.507 em Ipu; 16.200 em Crato. Em pouco tempo, a cólera, a varíola e a diarréia foram disseminadas no meio daquelas pobres criaturas. Soma-se a isso a fome e a sede. Calcula-se em 150 o quantitativo diário de mortos nas áreas de confinamento. As moscas se encarregavam de espalhar a doença. No final do ano de 1931. Parte dos integrantes da família Montoril, que residia no Sitio Benguê, em área que hoje corresponde ao Bairro Zé Brandão, na então vila de Assaré decidiram deixar o torrão natal em busca de outros lugares para viver. Meu tio, José Pereira Montoril, o Cazuzinha, já estabelecido na região alagável da Ilha do Marajó, em frente a Macapá, que bem conhecia os efeitos de uma seca, retornou a Assaré para buscar a irmã Maria Montoril, o cunhado João Lourenço as sobrinhas Lourdes, Juracy e o sobrinho Olavo. Olga Montoril morava em Manaus. Na propriedade da família havia um depósito com milho, algodão, feijão e outros gêneros obtidos com muita luta. Para mantê-los em perfeitas condições, meu avô mantinha um aquecedor, regularmente alimentado com lenha. Algo muito estanho ocorreu no interior do deposito, que fez arder quase toda a produção. A chegada de Cazuzinha Montoril a Assaré foi oportuna. Meus avós concordaram em fazer cadastro na Comissão encarregada de mandar retirantes para cidades paraenses situadas às margens da Estrada de Ferro de Bragança.

O Sitio Jucá, que pertencera ao coronel Coriolano Jucá havia sido comprado por Cazuzinha e lá ficariam os Montoril. Saindo de Assaré e empreendendo uma caminhada de 120 km até Iguatu, meus familiares conduziram apenas pertences indispensáveis. Os demais bens instalados em Assaré foram vendidos. Em Iguatu, o pessoal pegou o trem e foi para Fortaleza. A bordo do navio Itapajé foi realizada a viagem para Belém e daí, até Castanhal, o percurso se fez em trem. Inicialmente, instalados na Vila Rocha, os Montoril foram se aclimatando. Era fevereiro de 1932, chovia bastante. Todas as tardes, às 16h30min, minha avó ia à Estação Ferroviária de Castanhal ver a chegada do trem com destino a Bragança. Ela tinha esperança de encontrar algum conhecido vindo de Assaré, para saber noticias de outros parentes. Esperança logo desfeita. Em anos seguintes outros Montoril deixaram o Ceará e foram morar em cidades de outras regiões brasileiras. Os rigores do inverno amazônico minaram a resistência dos meus avós paternos.Maria faleceu em 1938.João Lourenço, em 1941.