O bônus demográfico do Brasil perdeu o bonde da história
Há um excedente de pessoas para produzir e pagar impostos. Trata-se de um evento típico de países jovens. Mas tudo na vida tem data pra terminar. Uma vez que essa população envelhece, as novas gerações tendem a ser menos numerosas, e a base da pirâmide demográfica se afunila cada vez mais.
Adrimauro Gemaque
Articulista
Foram 15 anos de mercado de trabalho fraco, baixa taxa de poupança e produtividade estagnada. Esses ingredientes podem encerrar o fenômeno que conduziu o crescimento econômico do país nas últimas décadas. É o que revela a Revista VEJA, edição do dia 30 de maio último.
Tudo vem desde a década de 1970. O Brasil tem colhido frutos do chamado “bônus demográfico”, fenômeno que ocorre quando há, proporcionalmente, um maior número de pessoas em idade ativa, aptas a trabalhar, do que crianças e idosos. Quando esse benefício atinge uma sociedade em desenvolvimento, significa que ela disporá de mais força de trabalho do que pessoas inativas que, em diferentes graus, são mais dependentes dos governos Federal, estaduais e municipais, como é o caso dos aposentados.
Há um excedente de pessoas para produzir e pagar impostos. Trata-se de um evento típico de países jovens. Mas tudo na vida tem data pra terminar. Uma vez que essa população envelhece, as novas gerações tendem a ser menos numerosas, e a base da pirâmide demográfica se afunila cada vez mais. É o que acontece em vários países da Europa, cuja população idosa supera os jovens em idade ativa. No Brasil, as previsões apontavam 2030 como a década em que os efeitos do bônus começariam a se dissipar. Contudo, devido justamente ao mau aproveitamento dessa vantagem demográfica, especialistas começam a projetar o início de seu fim para já: entre 2015 e 2020.
Por outro lado, a ONU, em 2012, divulgou um estudo que apontava que o Brasil estaria vivendo um bônus demográfico que duraria dez anos. Ou seja, encerraria em 2022. O certo é que agora estamos caminhando para o fim, como apontam estudiosos.
Segundo o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (IBGE), o Brasil não fez bom uso de seu bônus porque não investiu suficientemente em educação de ponta e inovação, a exemplo de países como China e Coreia do Sul. Somam-se a esse déficit as sucessivas crises econômicas que se abateram sobre o país nas últimas três décadas, e se tem o cenário perfeito para o desperdício da vantagem. “Surfar nesse fenômeno significa aproveitar a população ativa e torná-la cada vez mais produtiva. Hoje, temos dez milhões de jovens que não estudam nem trabalham: a “geração nem nem”. Isso é potencial desperdiçado. Esse seria o momento de melhorar as condições de vida da população, enriquecer antes de envelhecer. O que está acontecendo é que o país está envelhecendo sem enriquecer, sem conseguir equacionar os problemas básicos da população”, afirma.
Segundo Alves, a crise econômica atual encerra com chave de ouro um ciclo de mau uso do bônus. “O que vemos hoje na economia é resultado de decisões erradas e falta de investimento. O que foi feito na última década corroeu pelo menos 15 anos de bônus demográfico”, afirma o professor.
Artigo publicado na Folha de São Paulo (31/05/2015), intitulado “Um trabalhador americano produz como quatro brasileiro”, reflete bem esta realidade. O estudo foi elaborado pela Conference Board, organização americana que reúne cerca de 1.200 empresas públicas privadas de 60 países e pesquisadores.
O estudo revela que a distância vem se acentuando e está chegando próxima do nível de 1950, refletindo-se no baixo nível educacional do Brasil, falta de qualificação de mão de obra, gargalos na infra-estrutura e nos poucos investimentos em inovação e tecnologia no país.
Para o pesquisador Fernando Veloso, da FGV/Ibrae, o baixo nível educacional do Brasil é destacado como um dos mais graves problemas para uma economia que precisa crescer e manter o padrão de vida da população. Ainda, segundo o pesquisador: “O brasileiro estuda em média sete anos, nem completa o ensino fundamental. Nos EUA, são de 12 a 13 anos, o que inclui uma etapa de ensino superior, sem mencionar a qualidade do ensino”.
Segundo o professor Hugo Braga Tadeu da Fundação Dom Cabral, com relação a treinamento (capacitação), a média que recebe um americano varia de 120 a 140 horas ao ano. No Brasil, são 30 horas ano. São gargalos como esses que nos tornam menos competitivos. PIB fraco, inflação em alta, aumento do desemprego, crescimento das desigualdades, governo sem apoio do Congresso e carga tributária elevada. Dados divulgados no dia 5 de maio último, pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), de janeiro a maio 41,37% de todo o rendimento que os brasileiros ganharam em média foram destinados a pagamentos de tributos. Isso equivale a 151 dias de trabalho até o dia 31 de maio.
Como vamos competir com os americanos?
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