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Terras caídas

O primeiro grande alarme de terras caídas foi o primeiro desabamento do porto de embarque de manganês da Icomi, em Santana. As mais diversas explicações, muitas risíveis, vieram à tona.


Rugatto Boettger
Articulista

A celeuma sobre as terras caídas cresceu nas últimas décadas no Amapá. Embora existam desde que há águas correntes, enxurradas e ribanceiras na região, suas consequências estão mais expostas agora porque certos fatos produzidos pela presença humana estão atingindo seu clímax. A urbanização e o simples desmatamento das ribanceiras levam até décadas para produzir suas consequências.

O primeiro grande alarme de terras caídas foi o primeiro desabamento do porto de embarque de manganês da Icomi, em Santana. As mais diversas explicações, muitas risíveis, vieram à tona. De opiniões e mentes tidas como inteligentes ouviu-se a explicação que a causa seria a cobra grande (Sofia) que habitaria nas profundezas da foz do rio Matapi. Outros afirmaram que a mudança das correntes fluviais causaram o desastre. Ainda outros culparam o excessivo peso de maquinário e minério depositado sobre a ribanceira. Mas outras ribanceiras, sem acumular pesos, também estão desabando.

Não longe dali, parte do cemitério de Santana desabou para dentro do rio. O que ocorreu em circunstâncias pitorescas. O madeireiro Peter Cornélius Von Scherbenberg, dono da Madesa, solitário e já em decadência física e empresarial, solicitou aos seus irmãos maçons que, quando morresse, o enterrassem nas margens do rio onde se pudesse ouvir o marulhar das águas. Assim foi feito. Mas, alguns anos depois, aquela área desmatada do cemitério desabou para o fundo do rio onde estão, até hoje, todos os sepulcros que margeavam o rio.

Aqui em Macapá o trapiche Eliezer Levy, no início, atendia o vai e vem dos barcos de passageiros e cargas. Quase toda a orla era lamacenta e coberta de junco, aturiá, ciriubeiras, manguezais e aningais. Apenas pequenas áreas do Elesbão, do Igarapé das Mulheres e das Pedrinhas eram usadas para habitação e navegação. Mas com o desenvolvimento de Macapá, toda a orla da cidade foi desmatada para abrigar casebres e ancoradouros. Nenhuma proteção contra o fluxo e refluxo das marés foi providenciada. E as terras caídas se instalaram.

O arquipélago do Bailique, originalmente também coberto de vegetação e pouco povoado, resistiu ao fluxo e refluxo das águas enquanto não sofresse o total desmatamento das suas margens para dar lugar ao desenvolvimento social e econômico. Hoje esse povoado se defronta com o desmoronamento das suas ribanceiras, comprometendo edificações privadas e públicas. O desespero dos seus habitantes, sem compreender o que está acontecendo e sem amparo do poder público, assiste à voracidade das águas.

O fenômeno das terras caídas nada mais é que a erosão da lama (aluvião) causada pelas correntes de água. As águas turvas do rio Amazonas e seus afluentes depositam detritos em meio à vegetação das margens. Até na Flórida (USA) já se observou a presença do aluvião trazido pelas águas amazônicas. As plantas formam um emaranhado de raízes, tanto nas águas, quanto nas ribanceiras, e seguram os detritos que vão se acumulando. Com o tempo árvores frondosas crescem nesses acúmulos de detritos e aumentam a rede de raízes tipo ferragens de concreto que seguram as terras. Assim se formam as ribanceiras sólidas. E, é lógico, uma vez destruída a vegetação da superfície, à medida que as raízes apodrecem, a terra depositada fica sem retentor e as águas agitadas tornam a carregar o aluvião, com desabamentos incontroláveis.

O desabamento do porto da Icomi foi uma aula de geologia e biologia. Depois do desabamento, sobrou um paredão de alguns metros de altura. Verdadeiros túneis deixados pelas raízes apodrecidas durante décadas. Com o movimento das marés, a água penetrava muitos metros na ribanceira, umedecendo a terra e refluindo com o refluxo. A presença dessas raízes apodrecidas provava que a ribanceira fora deflorestada para construir o porto. As raízes subterrâneas duraram algumas décadas e seguraram a ribanceira. Mas, depois com o apodrecimento, concorreram para o desabamento.

As terras caídas podem ser evitadas, evitando-se o desmatamento, mas também com florestamento e a construção de muros e cais de concreto assentados em sapatas profundas e robustas. Aqui em Macapá o muro de contenção construído no Igarapé das Mulheres foi mal calculado e mal construído. Os problemas da erosão, levando casa e ruas no Araxá, têm a mesma causa. Ou florestamos a orla. Ou construímos muros competentes. Ou assistiremos às nossas orlas sumindo.


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