Mapeamento em 67 aldeias visa a salvaguarda de línguas indígenas faladas no Oiapoque
Projeto foi tema de evento realizado na superintendência do Iphan no Amapá, nos dias 22 e 23/4

O que faz uma língua continuar existindo e sendo falada por um povo, a cada nova geração? Essa foi uma das perguntas-chave de um evento realizado nos dias 22 e 23 de abril, na superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) no Amapá, em Macapá. O “1o Encontro Qual(is) Língua(s) Você Fala?” foi uma ação do projeto de pesquisa de mesmo nome, realizado no âmbito do Mestrado Profissional de Cultura e Política da Universidade Federal do Amapá (Unifap) e contemplado em 2023 pelo edital do Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI) do Iphan.
Reunindo pesquisadores, professores, estudantes e lideranças indígenas, o evento serviu para apresentar e pôr em discussão alguns resultados do projeto, que vem mapeando e busca criar um acervo digital de línguas indígenas faladas no Oiapoque, norte do Amapá. Para isso, a equipe do projeto vem produzindo registros audiovisuais, aplicando questionários e conduzindo entrevistas nas 67 aldeias da região, com falantes das línguas Parikwaki (do povo Palikur-Arukwayene), Kheuól Karipuna (dos Karipuna), Kheuól Galibi-Marworno (dos Galibi Marworno) e Kali’na (dos Galibi-Kali’na).
Com esse conjunto de dados qualitativos e quantitativos, os pesquisadores querem caracterizar a situação de cada uma dessas línguas – se estão em uso vigoroso, em processo de perda ou em fase de revitalização – para contribuir com a sua salvaguarda e o seu reconhecimento oficial como patrimônio cultural do Brasil.
“Esse tipo de trabalho tem valor por si só – por tudo que ele representa para as comunidades envolvidas –, mas também abre caminhos para novas políticas públicas, que garantam, por exemplo, educação bilíngue nas escolas indígenas, materiais de saúde traduzidos nas línguas das comunidades e o direito dessas pessoas de serem atendidas e compreendidas em sua própria língua”, disse o superintendente do Iphan no Amapá, Michel Flores.
O superintendente nota que a própria pesquisa celebrada no evento desta semana já é fruto de uma política pública de grande relevância, implementada pelo Iphan, o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), que reconhece e protege as línguas faladas por diferentes comunidades no País. Utilizando critérios padronizados e metodologia científica, o INDL é uma forma de documentação de línguas que, se reconhecidas como Referência Cultural Brasileira, podem contar com nível de proteção do Estado semelhante a outros bens culturais registrados como Patrimônio Imaterial do Brasil.
“O INDL entende que a língua é um patrimônio cultural, um bem precioso que deve ser cuidado como se cuida da memória de um povo”, disse Flores.
Participação das comunidades
Para a coordenadora do projeto, a doutora em Linguística Elissandra Barros, a pesquisa vai “fornecer dados sem precedentes sobre as línguas indígenas do Oiapoque”, município que abriga cerca de 8 mil indígenas – quase um terço de sua população. Segundo ela, além de contabilizar o número de falantes de cada uma das quatro línguas estudadas, a ideia é também investigar expressões e usos cotidianos, os níveis de proficiência e como se dá a relação entre elas e o português. Algo que pode variar muito de geração para geração.
“Os jovens entendem o que os mais velhos dizem, mas só respondem em português”, diz Nadilson Felipe, do povo Karipuna, que integra a equipe do projeto. Embora afirme que o Kheuól Karipuna continua vivo como língua e identidade étnica, Nadilson destaca que em muitas aldeias o português é a língua predominante, o que só reforça a urgência e a necessidade da pesquisa.
É um depoimento semelhante ao de Rudolph Lod, do povo Galibi Kali’na: “Meu povo no Brasil é pequeno, somente os mais velhos falam o Kali’na”, diz ele. “Mas passei a ter um outro olhar sobre a nossa língua quando entrei para o projeto e vejo que isso tem acontecido com muitos indígenas também”.
A participação de Nadilson e Rudolph na equipe não é por acaso. O projeto conta com a colaboração de organizações representativas dos quatro povos estudados: a Associação Indígena do Povo Palikur (AIPA), a Associação Indígena do Povo Galibi-Marworno (AIPGM), a Associação Indígena do Povo Karipuna (AIKA) e a Associação Na’na Kali’na. Cada uma delas indicou um coordenador interno para articular as ações localmente, garantindo a participação direta das comunidades na pesquisa. Além de Nadilson e Rudolph, também integram a equipe, como coordenadores locais, Lenise Felício Batista, do povo Palikur, e Orineio Monteiro, dos Galibi-Marworno.
“Essa estrutura colaborativa assegura que o projeto seja conduzido em diálogo constante com os povos envolvidos, respeitando os saberes tradicionais e as dinâmicas locais”, diz Elissandra.
Deixe seu comentário
Publicidade