Entrevista

“A Guiana é um sonho realizado de poucos e uma grande ilusão para muitos”

E le acaba de publicar o resultado de quase dois anos de pesquisas sobre a vida dos brasileiros na Guiana Francesa. Além de muitos estudos científicos, decidiu conviver por dezoito meses em solo francês, um grande laboratório a respeito das diferenças culturais abissais que já não tornam o casamento entre brasileiras e guianenses uma estratégia para conseguir autorização para uma vida mais tranquila por lá. Pelo contrário, as mulheres do Brasil estão aprendendo o idioma é para conseguir empregos mais dignos em Caiena e já não são são vistas como profissionais do sexo. Essas e outras constatações o professor Manoel Pinto discorreu em uma entrevista ontem ao jornalista Cleber Barbosa, no programa Conexão Brasília. Os principais trechos o Diário do Amapá publica a seguir.


CLEBER BARBOSA
DA REDAÇÃO

Diário do Amapá – Tudo bem professor?
Manoel Pinto – Tudo bem, é uma satisfação muito grande poder falar um pouco dos trabalhos que eu venho desenvolvendo ao longo de quase oito anos nessa região do Platô das Guianas.

Diário – Então não foi só o curso que o senhor foi fazer lá, tem uma convivência naquela região?
Manoel – Na verdade tudo começou em 2003 quando eu fiz o processo seletivo para o Doutorado na UFPA [Universidade Federal do Pará]. Foram quatro anos de estudo, período em que desenvolvi uma tese, que depois virou um livro, aliás, um trabalho premiado. A partir daí surgiu a ideia de continuar esses estudos e avançar ainda mais pois já tinha uma posição privilegiada, um olhar diferente do que eu já tinha quando fiz o trabalho aqui no Brasil. Mesmo indo em Caiena algumas vezes não era como conviver no dia a dia com os brasileiros que lá residem.

Diário – Quando os presidentes Lula e Sarkozy se encontraram aqui na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa anunciaram a criação de um centro da biodiversidade em comum. Como está esse projeto?
Manoel – Olha, a gente já ouviu muito se falar nessa cooperação bilateral como a construção da ponte, mas é uma situação muito complexa na verdade. A gente tem que partir de alguns pontos. Na nossa área, da pesquisa científica, a gente tem um comportamento muito diferenciado da parte política. A gente tenta investigar, saber o que está acontecendo, quando os fatos já estão maturados a gente pode analisar essas estruturas todas. Antes de responder a sua pergunta gostaria de fazer um comentário. Há dois problemas graves nessa relação bilateral e que precisam ser tratados com muita cautela. O problema diz respeito a disparidade da legislação, que eu até ampliaria a escala e diria em termos de Mercosul e União Européia, é algo gritante. E não dá para mudar as Constituições de dois países em função de se resolver um problema específico. O outro problema é o total descontrole da presença de garimpeiros na região do Platô das Guianas, isso inviabiliza muitas parcerias.

Diário – E eles, o que acham disso?
Manoel – O debate neste sentido é intenso por lá. Eles pensam que o Brasil não faz nada para conter essa questão do controle migratório indiscriminado na fronteira.

Diário – Mas não são só brasileiros que migram para a região das Guianas não é mesmo?
Manoel – Exatamente, é importante dividir esses grupos que migram para a Guiana Francesa. Tem os imigrantes que vão atrás do ouro, que se embrenham na floresta lá para o sul da Guiana, assim como o Suriname, que faz parte do fluxo migratório. Mas tem também aquele pessoal que migra para Caiena, para os núcleos urbanos, pensando em encontrar emprego.

Diário – Daí o título de seu livro, “O fetiche do emprego”, não é professor?
Manoel – Isso mesmo, tem tudo a ver. Esse título foi um pouco provocativo, pois esse conceito a gente utiliza muito dentro da sociologia. Mas foi para dizer que a Guiana na verdade chega a ser uma ilusão do brasileiro. Depois de tanto tempo de estudo posso dizer que esse título é uma meia verdade, pois é uma ilusão sim, mas para muita gente chega a ser um sonho realizado.

Diário – Daí a importância dessa convivência do senhor por dezoito meses lá, concorda?
Manoel – Pois é. Serviu também para tentar desconstruir alguns mitos que aqui a gente trabalha como questões prontas e acabadas.

Diário – Por exemplo?
Manoel – A questão da mulher na Guiana Francesa. Trata-se de um tema importante, cheio de preconceitos e que hoje é o segmento que está melhor lá em termos de mercado de trabalho. A mulher brasileira ganha até melhor que os homens, muitas aprendem a falar francês e aí para conseguir um emprego, seja numa lanchonete, numa loja do centro comercial de Caiena ou supermercado elas estão presentes. Acabou aquele mito da prostituição.

Diário – Isso é muito bom, professor.
Manoel – Exatamente, mas diferentemente do que acontece no Suriname, onde o tráfico de mulheres é muito grande. Elas vão para lá praticamente já contratadas para fazer programas, trabalhar no mercado do sexo, o que a gente já não vê mais na Guiana Francesa com tanta intensidade. As pessoas vão para lá para tentar construir uma vida nova. E também conseguimos identificar em nossas pesquisas que para as mulheres brasileiras já não é assim tão interessante se casar com os franceses… [risos]

Diário – Antes era sonho de consumo.
Manoel – É que na verdade há um choque cultural muito grande e os relacionamentos não duram muito. Ainda é uma estratégia para muitas brasileiras esse casamento por visto, mas ainda acontece, mas está diminuindo.

Diário – A ideia é casar para conseguir o visto de permanência legalmente, é isso?
Manoel – Justamente. E ter filhos também , pois a partir daí a mãe e a criança já passam a ter direitos franceses e acabam tendo mais facilidades para renovar os seus vistos de permanência, que a gente chama de “carta de sejour”.

Diário – O senhor também está atuando no Amazontech, como está sendo essa experiência?
Manoel – Esse evento quebrou a rotina da cidade, assim como da própria Unifap, pois tiveram alguns eventos que inclusive eu participei, que foi uma mostra de TCC’s [Trabalho de Conclusão de Curso] dos alunos de iniciação científica, o que é muito importante, pois estamos trabalhando com futuros cientistas e novos pesquisadores, então participei de uma pequena banca onde os primeiros lugares de diversos cursos serão premiados.

Diário – E sobre as discussões e proposições que o Amazontech promoveu?
Manoel – Vi com muita satisfação e alegria as discussões em termos acadêmicos, afinal tinham muitos reitores de pós-graduação aqui. São várias ideias para se mudar esse quadro que a gente convive aqui em outros estados como Roraima, Rondônia e Acre. Apesar dos esforços de CNPQ e CAPS não conseguiram as desigualdades na pós-graduação brasileira. Temos um número muito pequeno de doutores, para se ter uma ideia no Amapá nós temos apenas duas bolsas de produtividade e pesquisa, o que é irrisório em termos de Sul e Sudeste.

Perfil..
O entrevistado. O professor Manoel de Jesus de Souza Pinto é bacharel em Ciências Sociais (1992) e possui especialização em História da Amazônia (2000). Fez Mestrado em Sociologia pela UFPA (2003) e possui Doutorado em Ciências Sócio-Ambientais, pelo Núcleo de Altos Estudos Amazôni-cos (2008), pelo NAEA/UFPA. Seu estágio Pós-Doutoral foi realizado no Centre National de Recherche Scientifique (CNRS-Guyane), de 2010 a 2012. Atualmente é professor adjunto II da Universidade Federal do Amapá, desenvolvendo atividades de estudos e pesquisa, tanto no Curso de Ciências Sociais quanto no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional.


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