A judicialização da saúde no tem alcançado números alarmantes
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell, é um dos coordenadores científicos da I Jornada de Direito da Saúde, evento que já recebeu 589 propostas de enunciados para serem discutidas por especialistas como ele.
Cleber Barbosa
Da Redação
Diário – Ministro, quais são os principais desafios enfrentados pelos magistrados ao abordar questões ligadas à saúde pública e à saúde suplementar?
Mauro Campbell – A judicialização da saúde no Brasil tem alcançado números significativos e alarmantes que demonstram o tamanho do desafio que os magistrados brasileiros enfrentam em processos relacionados à saúde pública e à saúde suplementar. De acordo com as estatísticas da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud), ano após ano, existe uma curva crescente na distribuição de processos relacionados à saúde. Em 2020, foram distribuídas aproximadamente 355 mil ações. Em 2021, houve o registro de crescimento de 17%; em 2022, de 12,5%; e, em 2023, de 21,3%, percentuais de aumento real de ano para ano. Em 2024, é esperado um aumento de 20% em relação ao ano de 2023, o que corresponderia à distribuição de aproximadamente 685 mil novos processos. O desafio é imenso para a magistratura, pois envolve diversos aspectos de natureza econômica, social e política, o que exige ação conjunta da Justiça Estadual e da Justiça Federal na gestão de tais processos, além de especial atuação do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) na formação de precedentes para auxiliar nos julgamentos da temática.
Diário – Como será discutido o papel de instituições como a Anvisa, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na regulação e no desenvolvimento das políticas de saúde no Brasil?
Mauro Campbell – As funções exercidas pela Anvisa e pela ANS, no âmbito da regulação, e pela Conitec, que auxilia na implementação de políticas públicas no Brasil, embora sejam absolutamente distintas, representam importantes papéis no âmbito da judicialização da saúde. A autorização de novas medicações, a fiscalização de planos de saúde e a introdução de tratamento no Sistema Único de Saúde dependem diretamente das decisões emitidas pelos referidos órgãos. A ideia central é analisar em que medida é possível estreitar o diálogo institucional entre as referidas instituições e o Poder Judiciário para, em conjunto, buscar melhores caminhos para a solução dos problemas comuns da saúde pública e privada no Brasil.
Diário – Como as discussões e as propostas acerca de oncologia, doenças raras e regulação de filas têm o potencial de influenciar a legislação e a prática jurídica nessas áreas?
Mauro Campbell – Entre os maiores focos da judicialização da saúde, certamente estão os tratamentos de doenças raras e graves, como o câncer, que exigem tratamentos longos e normalmente com alto custo para a saúde pública e para os planos de saúde. Em outro vértice do problema, também temos a regulação de filas nos hospitais públicos e privados, em razão da insuficiência de vagas dos leitos necessários aos tratamentos médicos. Os diálogos estabelecidos entre especialistas de áreas diversas, além da jurídica, no âmbito da Jornada de Saúde, são capazes de viabilizar propostas de soluções de ordem prática por meio de resoluções propositivas, justamente por estarmos em ambiente voltado para a solução de problemas comuns.
Diário – Qual é a importância do recebimento de propostas de enunciados à Jornada para a discussão desses temas?
Mauro Campbell – A Jornada de Saúde repete um modelo de sucesso utilizado em outros ramos do Direito, com ampla participação da comunidade jurídica e especialistas no tema. O recebimento de 589 propostas reflete o interesse e a importância do tema, o que proporcionará ampla discussão sobre os principais pontos controvertidos relacionados à judicialização da saúde.
Diário – Como os enunciados aprovados, após as discussões das comissões, auxiliarão o Poder Judiciário?
Mauro Campbell – A aprovação de enunciados nas Jornadas do Conselho da Justiça Federal é antecedida de amplos e democráticos debates, além de discussões qualificadas sobre as mais diversas temáticas que envolvem questões jurídicas diariamente enfrentadas pelo Poder Judiciário. A aprovação de enunciados qualificados é capaz de contribuir de maneira ampla para que os membros do Poder Judiciário e da comunidade jurídica, de uma maneira geral, possam enfrentar os processos relacionados à judicialização da saúde com maior celeridade e efetividade.
Perfil
Mauro Luiz Campbell Marques é um magistrado brasileiro, atual ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Breve biografia
– Mauro Campbell formou-se em direito pelo Centro Universitário Metodista Bennett (Unibennett) em 1985.
– Inciou a carreira como advogado no Rio de Janeiro (1985–1986), assumindo, em seguida, os cargos de assessor jurídico da Companhia Energética do Amazonas (1986–1987) e assessor de conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios amazonense (1987).
– Em 1987, tornou-se promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Amazonas, entidade da qual foi secretário-geral de 1989 a 1991.
– Atuou também junto ao governo do Amazonas, como secretario estadual da Justiça (1991–1993), da Segurança Pública (1993–1995) e da Controladoria-Geral do Estado (2004).
– Promovido a procurador de Justiça em 1999, foi por três vezes foi eleito procurador-geral de Justiça, desempenhando integralmente os mandatos nos biênios 1999–2001 e 2001–2003, e parcialmente no biênio 2007–2009, renunciando em junho de 2008 devido a sua nomeação para o cargo de ministro do STJ, em vaga destinada a membro do Ministério Público.
– Em 2001, como procurador, Campbell foi admitido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso à Ordem do Mérito Militar no grau de Oficial especial.
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