Entrevista

A Terra está muito fraca para receber as pancadas que recebe

Cientista Johan Rockström, revela que a humanidade já ultrapassou seis de nove barreiras do planeta, cobra líderes por ação. O diagnóstico é de pelo menos desde 2009, sobre como as atividades humanas estão comprometendo a Terra


Pesquisador alerta que, além dos impactos ao clima, homem compromete condições do planeta

 

Cléber Barbosa
Da Redação

 

O senhor vem alertando, pelo menos desde 2009, que a humanidade está ultrapassando os limites de segurança do planeta nos sistemas que dão suporte à vida na Terra. Uma situação que só piorou desde então. O que significa?
Johan Rockström – O sistema de limites planetários mede as condições do planeta inteiro. É como se fosse um check-up de saúde, que analisa todos os “órgãos” da Terra e vai muito além do clima, envolve todos os sistemas que nós dependemos enquanto humanos: biodiversidade, oceanos, camada de ozônio, poluição atmosférica, ciclos de nutrientes, mudanças no uso do solo e disponibilidade de água. Hoje já estamos vendo impactos na segurança alimentar e energética, na disponibilidade de água e no aumento da degradação do solo. Temos sentido cada vez mais impactos da transgressão dos limites do clima e da biodiversidade, com a poluição das águas e a sobrecarga de nitrogênio no solo. Tudo isso gera custos sociais e econômicos.Já ultrapassamos seis dos nove limites planetários. Só que eles interagem entre si e nos aproximam de pontos irreversíveis, o que é ainda mais preocupante. Estamos tão, tão distantes do estado sustentável do planeta que podemos atingir o ponto de não retorno da Amazônia, e não só por causa das mudanças climáticas, mas também pela perda de biodiversidade e mudanças no uso da terra [basicamente o desmatamento para a colocação de pastagem ou agricultura]. A estimativa é que 17% da floresta já foi perdida, e não podemos ultrapassar os 25%: este é o limite que estabelecemos, em parceria com o cientista [brasileiro] Carlos Nobre.

 

Ameaça à sustentabilidade.
Johan – Outro aspecto é que as discussões de sustentabilidade no mundo estão muito concentradas nas mudanças climáticas, mas se focarmos apenas nas soluções para evitá-las, corremos o grande risco de quebrar os limites da natureza: biodiversidade, água, terra, nitrogênio e fósforo. Esses outros limites podem, por si mesmos, nos fazer falhar na solução dos problemas do clima.É simples: estamos batendo muito forte no planeta com as mudanças climáticas, a queima de combustíveis fósseis e o aquecimento global. Se ele não estiver saudável, vai colapsar. Infelizmente, por estarmos quebrando os limites planetários, a Terra está muito fraca ao receber essas pancadas. É uma combinação infeliz, o planeta está perdendo resiliência para enfrentar esses impactos, o que nos aproxima de pontos de não retorno. Por isso a urgência de revertermos as curvas de emissões e voltarmos para um estado seguro para a humanidade.

 

O sr. se surpreendeu com o avanço da pressão humana sobre os sistemas da Terra?
Johan – Não fiquei surpreso, infelizmente. Em 2009 nós avaliamos que três dos nove limites estavam além dos níveis seguros. Em 2015 eram quatro, e agora são seis. O quadro geral está ficando cada vez pior, já que os quatro limites que estavam violados em 2015 [mudança do clima, integridade da biosfera, uso da terra e sobrecarga de nutrientes] estão em uma situação ainda mais crítica agora.Estamos caminhando na direção errada e isso é grave demais. Por que temos tantos incêndios florestais ao redor do mundo? Porque temos altas temperaturas e mudanças no regime de chuvas, e essa combinação de calor com falta de chuvas promove a seca dos ecossistemas e favorece os incêndios. A água é fundamental para manter a natureza intacta, o que prova que os limites planetários são necessários para resolver a crise climática.

 

Foi publicado um artigo, do qual o sr. é um dos autores, que diz que o planeta está entrando em um “território desconhecido” com as alterações do clima e dos ecossistemas promovidas pela ação humana.
Johan – O relatório climático alerta que os eventos observados em 2023, que são completamente anormais, podem se tornar normais muito em breve. Nós estamos bastante chocados com o que está acontecendo neste ano. Sabíamos que havia grandes chances de entrarmos em um novo El Niño, que é um evento natural que aquece o oceano Pacífico e libera calor para a atmosfera na costa do Peru. Mas esse não é qualquer El Niño, é um El Niño amplificado pelo aquecimento global causado por nós.Mapeamos neste estudo que ao redor do mundo todo foram observadas temperaturas recordes, um calor jamais visto antes e que não está nem perto da faixa da variabilidade normal. É quase fora do gráfico. Recordes de temperatura na Califórnia, no Paquistão, na China. Derretimento recorde da Antártida e do Ártico. Temos observações completamente sem precedentes de altas temperaturas nos oceanos. E a média global de temperaturas na superfície ultrapassou o aumento de 1,5 ºC [em relação à era pré-industrial] durante vários dias de setembro.

 

Perfil

Johan Rockström – Johan Rockström é um cientista sueco, conhecido internacionalmente por seu trabalho sobre sustentabilidade global.

 

Breve biografia
– Ele liderou o desenvolvimento da estrutura de Fronteiras Planetárias para o desenvolvimento humano na era atual de rápidas mudanças globais.
– Ele é um cientista líder em recursos hídricos globais, com mais de 25 anos de experiência em pesquisa aplicada de água em regiões tropicais e mais de 150 publicações de pesquisa em áreas que vão desde a gestão aplicada da terra e da água até a sustentabilidade global.
– Além de seus esforços de pesquisa, que têm sido amplamente utilizados para orientar políticas, Rockström atua como consultor para vários governos e redes empresariais.
– Ele também atua como consultor para questões de desenvolvimento sustentável em reuniões internacionais, incluindo o Fórum Econômico Mundial, a Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (SDSN) e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Conferências sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).

 

Posição atual

– O professor Rockström preside o conselho consultivo da Fundação EAT e da Liga da Terra e foi nomeado presidente da Comissão da Terra.

 

 


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