Entrevista

“A tragédia do Novo Amapá ainda não foi resolvida”

Hoje na reserva da Marinha, o capitão-de-fragata Ricardo Carvalho é um especialista em Direito Empresarial e Direito Marítimo, membro da Comissão de Direito Marítimo da Ordem dos Advogados do Brasil no Amapá


 

Cleber Barbosa
Da Redação

 

Diário do Amapá – O naufrágio do barco Novo Amapá, está completando 43 anos neste sábado, então para o senhor o que esse episódio representa?

Ricardo Carvalho – Primeiro dizer que é uma satisfação imensa estar hoje conversando com você sobre esse assunto tão relevante. Depois dizer que a passagem dos 43 anos desse acidente é um período de lágrimas, de tristezas, com muito trabalho da autoridade marítima para coibir esses acidenetes da navegação, mas infelizmente ainda é ruim, pois ainda não foi plenamente resolvido, o problema ainda prossegue.

 

Diário – Especialmente porque em nossa região os rios são nossas ruas, como diz o poeta, pois o povo ribeirinho tudo que precia tem que ser transportado por embarcações, não é mesmo?

Ricardo – Sim, sim, em numa embarcação, pois aqui na região amazônica especialmente, tudo, como você mesmo disse, tudo, seja para levar uma criança para um batizado, o abastecimento de combustível para uma região mais remota, para levar a noiva para um casamento… [risos] ou levar uma família para uma festa no fim de semana, enfim, para tudo e todos, pois os rios são as nossas ruas realmente.

 

Diário – Muito se fala sobre a fiscalização e o papel da Marinha para evitar que essas tragédias possam se repetir, especialmente pela imensa área de jurisdição da Capitania dos Portos do Amapá, que compreende desde municípios paraenses até a fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. O que fazer?

Ricardo – Muito bem lembrado, é isso mesmo. A extensão da jurisdição da Capitania dos Portos do Amapá é imensa e com pessoal reduzidíssimo para cuidar de tudo isso, salvo engano em torno de setenta e pouco militares, pelo menos era esse o efetivo na minha época. E a jurisdição tem a extensão de uma área que compreende o território da Alemanha só para se ter uma ideia.

 

Diário – Puxei essa contextualização porque existe uma premissa de que a segurança é uma obrigação do estado, mas uma responsabilidade de todos, então todo mundo deve contribuir e velar pela segurança da navegação, não é?

Ricardo – Sim, com certeza, todo mundo deve contribuir com a segurança da navegação porque justamente a autoridade marítima não pode ser onipresente, nem oniciente, saber de tudo. Muitas vezes após o despacho [procedimento administrativo no escritório da Capitania] a embarcação recebe mais material, recebe carga, recebe gente, ou a embarcação abarranca [abordagem] e acaba muita gente pulando para dentro da embarcação no trajeto da viagem, colocam pesos altos, material mal acondicionado, enfim, tudo isso altera a estabilidade da embarcação. Alterando a estabilidade aumenta o risco. Normalmente uma quantidade de carga e de passageiros maior do que a que foi despachado pela Capitania aumenta muito mais o risco [de acidentes] pois fica praticamente incontrolável a embarcação.

 

Diário – Então é aí que entra aquela premissa da segurança ser responsabilidade de todos, não é? Um passageiro não sentiu segurança, desconfiou que tem excesso de passageiros ou de carga, tem que se recusar a embarcar. E se puder denunciar, não é?

Ricardo – Exatamente, denuncie. Utilize o número 185, que é uma ligação gratuita, qualquer pessoa pode ligar utilizando o aplicativo que pode ser baixado da Internet nas plataformas, o NAVSEG, onde você pode fazer o acompanhamento em tempo real praticamente do trajeto da viagem e saber se tem algum problema com ela.

 

Diário – Na OAB do Amapá o senhor integra a Comissão de Direito Marítimo não é?

Ricardo – Isso mesmo, e vale lembrar que praticamente a metade dos acidentes na navegação no Brasil acontecem na região Norte, vamos colocar aí do Mato Grosso até Roraima, toda essa região é a área mais abrangida, a área mais utilizada para navegação fluvial, não é?

 

Diário – Obrigado pela entrevista.

Ricardo – Eu que agradeço.

 

Perfil

Ricardo Carvalho – O Comandante Luiz Ricardo Santos Carvalho é capitão de fragata da Marinha do Brasil e pós-graduado em Ciências Hidrográficas. Também é advogado, especializado em direito comercial e marítimo pela FGV-Fundação Getulio Vargas e pelo SINDARIO, ambos no Rio de Janeiro. Concluiu MBA em Negócios pela FDC – Fundação Don Cabral e diversos cursos na FEMAR, uma fundação da Marinha do Brasil voltada ao pessoal marítimo.

 

Algumas experiências
– Ao longo de sua vida na Marinha, passou por diversas comissões nas quais se destacam sua participação como oficial de ligação no “Cecil Green II”, navio sísmico alugado à Petrobras para buscas no litoral potiguar; muitos testes de equipamentos hidroceanográfico e levantamentos hídricos seguidos das buscas que levaram à construção das cartas minerárias especiais dos portos de Santos e São Sebastião.
– Na região amazônica, participou de patrulhas aéreas e costeiras para identificar navios irregulares e controlar barcos pesqueiros em nosso litoral. Ele também foi designado para auxiliar operações ao longo dos rios amazônicos, ajudar os ribeirinhos e participar de operações de reboque de resgate de navios encalhados.

 

 


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