É melhor sair da política muito bem do que já velho
O ex-presidente José Sarney, de 94 anos, fez comparação sobre quando decidiu que disputaria sua última eleição com a idade do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O presidente de honra do MDB preferiu não opinar se Lula concorre

Cléber Barbosa
Da Redação
O governo Lula tem enfrentado queda na popularidade, em especial pela alta nos preços dos alimentos. Seu governo também sofreu com a inflação. A que o senhor atribui a atual crise?
José Sarney – O presidente Lula fez excelentes governos. E a democracia possibilitou um operário no poder. Isso raramente acontece. Mas ninguém governa o tempo no qual se vai governar. Há tempos em que governamos na abundância, mas há tempos em que governamos na escassez. Lula não está nos governando num tempo de bonança, mas sim num tempo difícil, não só para o Brasil, mas de uma maneira internacional. Eu governei num tempo que a História se contorcia. Criamos as eleições diretas. Asseguramos direitos civis e os direitos humanos. Criamos uma Constituição.
O MDB esteve presente em todas as gestões petistas. Essa aliança deve ser renovada em 2026?
José Sarney – Não administro a convivência partidária e as alianças, mas sou o presidente de honra do MDB e vejo que sempre foi um partido difícil porque tem democracia interna. Ninguém domina o MDB. Não há dono do partido. Acho que o MDB deve apoiar (Lula), sim. Entre os candidatos que estão colocados, Lula ainda é o homem que tem a maior popularidade, a maior confiança do povo brasileiro.
O senhor concorreu pela última vez numa eleição aos 76 anos. Lula, se renovar o mandato, terá 81. O que o senhor acha de ele entrar na disputa com essa idade?
José Sarney – Só ele pode decidir. Quando deixei de ser candidato, muita gente no Amapá pedia que eu fosse candidato. Achei que não deveria. É melhor sair muito bem do que já velho.
Vê carência de alternativas a Lula na esquerda?
José Sarney – Temos tido surpresas nas eleições. Tivemos uma grande surpresa com o Fernando Collor. Outra com o Bolsonaro. Ninguém podia ter imaginado que Bolsonaro, em algum momento, pudesse ser presidente. Não dá para avaliar o que pode acontecer.
É mais difícil governar com o Congresso, que ganhou poder por meio das emendas, do que na sua época?
José Sarney – O Congresso mudou muito. Houve uma multiplicação dos partidos sem raízes históricas. Não estou querendo julgar, mas acho que naquele tempo seguíamos líderes partidários, pessoas com grande expressão nacional. Atualmente, há falta de liderança do Congresso. A pior coisa que os acontecimentos de 1964 produziram foi a extinção dos partidos, que eram uma formação de líderes. Sem partidos políticos fortes, não há democracia forte. A disciplina partidária democrática é aquela que tem democracia interna. E hoje nós verificamos que os partidos não têm democracia interna.
O novo presidente da Câmara, Hugo Motta, defende o debate sobre uma mudança no sistema do governo para o parlamentarismo. Como o senhor vê essa discussão?
José Sarney – A reforma política é a mais urgente de todas. Vejo que o parlamentarismo algum dia chegará no Brasil. Esse presidencialismo de coalizão leva a muitas acusações de corrupção, porque o presidente tem que aliciar, fazer maiorias e todos têm reivindicações que muitas vezes extrapolam o interesse público. Defendo o parlamentarismo mitigado, a exemplo do francês. Com voto distrital misto.
O Brasil comemora nesta semana 40 anos de redemocratização, que se iniciou com o seu governo. Qual é o principal aprendizado deste período?
José Sarney – Sem dúvida alguma foi a melhor transição democrática feita nos países da América. Conseguimos fazer uma transição sem hipotecas militares, como no Chile. Fizemos com que os militares voltassem aos quartéis e que se dedicassem a garantir as funções constitucionais da democracia do Brasil. Nesse período, o país constituiu uma democracia consolidada. Nesses 40 anos, não tivemos nenhum hiato. Este é o maior período democrático da história brasileira.
O senhor acredita que em algum momento neste período a democracia no Brasil esteve sob risco?
José Sarney – Sim, viveu muitos riscos. Principalmente durante o período da transição. Houve muitas ameaças de retrocessos. Durante a Constituinte também.
Os atos de 8 de janeiro e a trama golpista?
José Sarney – Foram uma pressão muito grande sobre a democracia. Mas vejo que criamos instituições fortes, capazes de aguentar dois impeachments e também esse episódio. . Isso tudo ainda será devidamente apurado pela Justiça, ainda não se tem uma noção exata do que estava ocorrendo. Foi um fato grave, mas foi mais um momento da nossa democracia em que as Forças Armadas mostraram que elas estão aí para sustentar a Constituição, a democracia, a liberdade.
Perfil
José Sarney – José Sarney é um ex-político, sendo uma das figuras políticas mais importantes da história recente de nosso país. Assumiu a presidência, em 1985, com a morte de Tancredo Neves.
BIOGRAFIA
– José Ribamar Ferreira de Araújo Costa nasceu na cidade de Pinheiro, no interior do estado do Maranhão, em 24 de abril de 1930. Popularmente conhecido como José Sarney, ele recebeu a identidade de “Sarney” em referência ao seu pai, que se chamava Sarney de Araújo Costa. Este trabalhava na carreira jurídica, sendo promotor e depois desembargador. A mãe de Sarney se chamava Kyola Ferreira de Araújo Costa.
– Ingressou no Partido Social-Democrático (PSD) em 1954, e, no ano seguinte, assumiu como deputado federal suplente.
– Entre 1955 e 1959, Sarney assumiu a vaga de deputado federal como suplente por sete vezes.
– Em 1958, ele mudou de partido, filiando-se à União Democrática Nacional (UDN).
– Teve como auge de sua trajetória política o período em que foi presidente do Brasil.
– Sarney é originário do Maranhão e ingressou na política desse estado na década de 1950.
– Ao longo de sua trajetória, foi deputado federal, governador do Maranhão, senador e presidente da república.
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