Entrevista

“Esquerda precisa transmitir a ideia de que mundo pode ser melhor”

Deputado alemão Ferat Koçak viaja ao Brasil para participar de debates e encontros com parlamentares e movimentos. Ele diz que a A esquerda precisa se comunicar melhor e transmitir a ideia de que o mundo pode ser melhor


■ Ferat Koçak, do partido alemão Die Linke, convidados para o encontro no Brasil.

 

Cléber Barbosa
Da Redação

 

Diário do Amapá – Ao verificar que havia perdido as eleições francesas, a líder da extrema direita Marine Le Pen disse que a “maré está subindo”, sugerindo que é questão de tempo até eles chegarem ao poder. Por que a extrema direita está avançando tanto na Europa?
Ferat Koçak – A gente vê isso acontecendo agora na Grã-Bretanha, apesar do Partido dos Trabalhadores lá ter ganho, muitos conservadores estão indo para a direita. A esquerda comemora ganhos que não são vitórias. A direita lá se posiciona de tal maneira que ela, com respostas simples, fala com aquela pessoa que não se sente mais representada pelos políticos. Estão no poder com respostas simples, com falas simples e acabam conquistando este público. Na Alemanha, principalmente, o que nós estamos vendo é que a direita está abordando temas complicados de forma muito simplista, principalmente no que diz respeito a preconceito, raça, gênero, racismo. Eles simplificam o problema de uma forma extrema e dizem aquilo que as pessoas querem ouvir. Nós, da esquerda, não estamos mais atingindo o público. Nós vimos agora na França que sim, uma esquerda ainda pode atingir e ganhar, mas na Alemanha nós não estamos mais conseguindo fazer isso. O que é explorar em petróleo, óleo e gás? Explorar significa pesquisar”, afirmou. Ele destacou que os blocos de exploração estão a 540 quilômetros de distância da foz do Rio Amazonas e a 174 quilômetros do Cabo Orange, quase no fim da placa continental brasileira.

 

Diário – E por quê?
Ferat – Vou falar sobre a esquerda daqui a pouco. Ainda sobre a direita, ela usa uma sensação de união por meio de uma polarização simples entre nós e eles e acaba funcionando. Dá ao cidadão a sensação de pertencer a um grupo. Porque a direita pega problemas sociais e se vende como única solução. Por exemplo, os aluguéis já não conseguem ser mais pagos, a inflação está alta, as pessoas não conseguem ter mais a mesma qualidade de vida. A aposentadoria já não basta mais para você ter uma vida digna. O sistema de saúde na Alemanha está quebrado. Esses todos são problemas sociais. Entretanto, a direita vem de que ela é a única solução para isso.

 

Diário – Por que a direita consegue vender e a esquerda não?
Ferat – Nós vemos o movimento da sociedade como um todo, da esquerda para a direita. Isso também não passou despercebido junto aos partidos da esquerda. As soluções que a esquerda hoje oferece são socialdemocratas. É necessário, no meu ponto de vista, que a esquerda volte aos seus valores básicos, que entenda que o homem, o animal e a natureza não pode, nem devem, ser explorados para o benefício de poucos. Nós perdemos essa identidade como esquerda, de sermos os representantes da mudança. De longe, somos vistos como sendo do establishment e a extrema direita é vista como aquela que luta contra o establishment, contra a política, do jeito que é hoje.

 

Diário – Mas na Áustria a extrema direita chegou no poder no começo dos anos 2000 e não foi bem. Voltou em 2018 e saiu de novo e ainda assim é bem votada. Podem ser novidade, são parte do establishment?
Ferat – Na Áustria, venderam muito bem a história de que a esquerda é culpada por tudo. Isso também está acontecendo, de certa forma, na Alemanha. É importante para a esquerda voltar a mostrar e vender a imagem de como o mundo pode mudar e ser melhor. A AFD [partido de extrema direita alemão] se fortaleceu muito com uma política anti-imigração. A classe política tenta correr atrás fazendo coisas que são típicas da direita, como investir mais na área militar e menos na estrutura social. Isso tudo fortalece a direita. Quero citar o exemplo de Berlim e o setor de habitação. Foi aprovado um projeto para a desapropriação de prédios para criar moradia, uma iniciativa radical que teve aprovação popular de 96% dos eleitores. Só que a esquerda não consegue levar essas informações para as ruas e reverter em votos. Outro exemplo foi na pandemia, quando a esquerda perdeu uma enorme oportunidade de criticar a estrutura do sistema de saúde. Quem assumiu esse papel crítico foi a direita, o povo entendeu que a AFD é que criticava o sistema de Saúde. Nós precisamos voltar a mobilizar as massas, fazer como o MST aqui, ir para as ruas. Precisamos ser entendidos como um movimento e não perder tempo querendo chegar ao governo.

 

Diário – Qual o motivo para oportunidades perdidas?
Ferat – Não acredito que seja arrogância necessariamente. Precisamos primeiro estabelecer o que é esquerda de fato, porque os sociais democratas se intitulam de esquerda, os verdes, os socialistas também. É preciso dar nome aos bois e estabelecer claramente o que é esquerda.

 

Perfil

Ferat Koçak – Político alemão, atualmennte é Membro da Câmara dos Representantes de Berlim (MdA)

 

Viagem ao Brasil
– Na lista de convidados e convidadas estão o deputado alemão, Ferat Koçak, do partido Die Linke (‘A esquerda’, na tradução para o português), da militante Monique Murga, do Partido Comunista Francês, e da organização The People’s Forum.
– Os riscos que o avanço do conservadorismo e da ultradireita neofascista impõem à democracia serão debatidos nesta sexta-feira, em um encontro promovido pela Fundação Rosa Luxemburgo, a Editora Expressão Popular, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o site de notícias Brasil de Fato.
– O evento ocupa o auditório da Casa Cultural do Povo Brasileiro, na altura do número 806 da Alameda Nothmann, na região central da capital paulista. Com o título ‘Democracia em risco no norte global: o avanço da extrema direita no centro do capitalismo’, o debate convida à reflexão sobre o avanço da extrema direita no mundo.
Autocrítical
– Em uma avaliação da ampliação de pautas conservadoras nas disputas eleitorais dos Estados Unidos e da Europa, o seminário busca possibilidades de respostas do campo progressista para essa realidade. E, a partir do cenário político observado nas nações mais ricas do norte global, investigará caminhos que podem ser percorridos pela esquerda para combater o avanço do extremismo, da xenofobia e das violações aos direitos humanos.

 


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