Entrevista

João Bôsco aplica a justiça social, condena rumos da Lavajato e diz que corrupção atinge todos os Poderes

Nesta entrevista exclusiva ao jornalista e radialista Luiz Melo, o juiz federal João Bôsco Costa Soares, que teve atuação decisiva para a liberação, pelo Ibama, da licença ambiental para a pavimentação do Trecho Sul da BR-156 que interliga o Vale do Jarí à malha rodoviária de todo o estado, fala sobre as ações que vem desenvolvendo na área social ao longo dos 15 anos dedicados à magistratura no Amapá. Ele também fala sobre a Operação Lavajato e admite que a corrupção chegou a todos os Poderes da República, inclusive no Judiciário, além de defender a extinção do CNJ e CNMP, para criar só um Conselho com atribuições para apurar e punir crimes praticados magistrados, membros do Ministério Público e conselheiros dos tribunais de Contas da União e dos estados.


Luiz Melo – Nessa segunda-feira o Ibama liberou a última licença necessária para a pavimentação do Trecho Sul da BR-156 depois de um ano de uma decisão judicial sua. Como, quando e por que o senhor passou a atuar no caso e qual a sua análise sobre o desfecho desse caso?
Juiz federal João Bôsco – Nós fizemos uma audiência em Laranjal do Jarí no dia 28 de agosto do ano passado, e logo ao chegar lá observei que a principal queixa da população era a falta de pavimentação da rodovia, que até hoje é um drama, principalmente no período chuvas. Aqueles que trafegam de ônibus sabem o que significa ficar em atoleiros durante horas e até mesmo dias, quando a gente vê crianças e mulheres empurrando ônibus, uma situação dramática. Na época coincidiu que prefeita ajuizou uma ação civil pública, mais exatamente em junho de 2016 pedindo a pavimentação. Marquei a audiência para o dia 29 de agosto, e coincidentemente hoje completa um ano; chamei todos os órgãos pertinentes e fomos descobrir coisas assustadora, inclusive que fazia um ano que a empresa estava com ordem de serviço para executar o Lote 4, que vai do Km 21 até o Rio Vila Nova, mas não executava a obra por falta da licença de instalação do Ibama, que requer vários elementos, como o Plano Básico Ambiental (PBA), estudo de campo de da fauna, inventario florestal e estudo arqueológico e não havia nada disso…

Luiz Melo – Então o projeto já está pronto, a empresa contratada, o dinheiro liberado, mas a burocracia emperrava a obra. De que forma o senhor resolveu o problema?
João Bôsco – Ao tomar conhecimento de todos esses entraves eu chamei diversos atores, inclusive o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). No Brasil há um grande entrave executar obras públicas de envergadura, como hidrelétricas e rodovias, vivendo-se um verdadeiro drama no Ibama para conseguir a licença ambiental; durante um ano trabalhamos intensamente para conseguir essa licença, que foi expedida em julho, mas só entregue ontem (28) porque tinha que pagar um boleto de pouco mais de 100 mil reais.

Luiz Melo – Então se não fosse a sua interferência direta essa licença dificilmente seria concedida. Foi de fato isso?
João Bôsco – Acho bom registrar isso, porque daqui a pouco esse trabalho da justiça pode até nem mais ser lembrado. É importante destacar que através dessa judicialização das políticas públicas nós conseguimos fazer o que outros órgãos do poder público não conseguem exatamente por causa da burocracia que ocorre por causa da necessidade de se observar a legalidade, e às vezes o Executivo não tem como se livrar dessa amarras judiciais. Por todo o contexto, principalmente pelos benefícios sociais decorrentes da execução dessa grande obra, a liberação da licença de instalação é para se comemorar.

Luiz Melo – Na época em que a ação civil pública que pedia a pavimentação do Trecho Norte da BR-156 havia um clima de desconfiança muito grande da população porque essa promessa já vinha de vários anos, sem que a obra fosse concretizada. Como o senhor superou esse sentimento de ceticismo?
João Bôsco – De fato, quando eu cheguei ao Jarí antes da primeira audiência havia um clima de muita desconfiança, de descrença da população de que poderíamos fazer a pavimentação; isso chamou a minha atenção, e eu me sentia com um grande peso; eu sentia que o Judiciário não poderia frustrar mais ainda os anseios da população, porque essa frustração seria irremediável pelo fato de que a descrença era muito grande.

Luiz Melo – O secretário de Transportes do governo do Amapá, Jorge Amanajás, reclamava que pelo menos dois anos antes da intervenção judicial o governo do estado vinha tentando avançar e não consegui. Uma das maiores preocupações, segundo ele, era a ocorrência constante de acidentes, muitos com morte, porque a rodovia é muito perigosa, por isso, no entender dele, a desesperança do povo. O senhor pensa a mesma coisa?
João Bôsco – De fato, lamentavelmente esses riscos ocorrem ainda com mais intensidade nos dias de hoje. E também convivíamos com a possibilidade, na época, de o Dnit (Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes) cancelar o convênio com o estado do Amapá para a pavimentação do Lote 4 e perder os recursos. Esse risco era iminente, justamente por causa da falta da licença de instalação, porque sem a licença a obra não poderia ser viabilizada. Agora a Setrap já pode finalmente transformar sonho se tornar realidade.

Luiz Melo – Observa-se que o senhor tem atuação direta na solução de muitos problemas, como, por exemplo, na viabilização do Habitacional Miracema, na Zona Norte de Macapá. Se tornou uma bandeira luta sua?
João Bôsco – Essa foi também uma luta muito intensa, a área foi invadida muitas vezes, e em todas as vezes houve reintegração de posse. Essa área eu tenho muito orgulho, porque o projeto prevê a construção de 5 mil unidades habitacionais. O governo Temer mudou a filosofia (do programa Minha Casa Minha Vida), que fazia projetos habitacionais de 4 mil, 5 mil unidades, mas o governo Temer só está liberando 500 unidades; mas, mesmo que seja de 500 em 500 chegamos a 5 mil, não vai ter como fugir. Já foram liberadas 500 unidades pelo Ministério das Cidades.

Luiz Melo – Como foi que o senhor viabilizou a construção do Conjunto Miracema?
João Bôsco – Aquela área também foi fruto de tratativas judiciais; tinha um pedido da AGU (Advocacia Geral da União) para reintegrar todo o bairro Alvorada, inclusive chegou a ocorrer a demolição de seis ou sete casas, mas conseguimos preservar o Alvorada. Fazendo aquelas audiências públicas eu descobri que havia toda aquela área atrás do bairro, que era de propriedade da Infraero, uma área ociosa que a cidade e o estado não ocupavam de maneira racional. Aí começamos a exigir do poder público que fizesse a ocupação racional daquela área, foi quando veio o prédio da Justiça federal, da Polícia Federal, hoje uma junta eleitoral funcional no local, além do projeto da rodovia norte–sul que é praticamente realidade; conseguimos transferir a área da União para o estado, tudo através de ações judiciais, e agora o Miracema.

Luiz Melo – Tem previsão para o início da construção do conjunto?
João Bôsco – As obras começam agora em setembro, essa é a boa noticia, gerando 1.300 empregos no ambiente físico, há decisão minha para o Consórcio Miracema fazer esse conjunto, que tem know-how, com várias obras no Nordeste. A previsão é chegar a 5 mil, e foram autorizadas 500 unidades, mas tem decisão minha mandando o Ministério das Cidades liberar imediatamente 2 mil unidades; ainda ontem (segunda-feira) fiz uma audiência publica e estamos sensibilizando o Ministério das Cidades para liberar essas 2 mil unidades; inclusive participei da inauguração da 2ª etapa do Macapaba II a convite do governador, onde também tivemos alguma atuação, e tive contato pessoal com o ministro Bruno Araujo, quando reiterei a necessidade de liberar logo mais 1.500 unidades. Com muita persistência do Poder Judiciário estamos viabilizando em parceria como Executivo e o Legislativo, que significa muito nesse momento de crise, porque além do valor social da obra, 1.300 famílias serão beneficiadas com emprego.

Luiz Melo – Há muitas reclamações que esses conjuntos habitacionais em Macapá foram concebidos para beneficiar famílias que moram nas áreas de ressaca, mas na prática isso não vem acontecendo. Onde está o erro an sua opinião?
João Bôsco – Além de famílias de baixa renda, essas unidades são pra beneficiar, sobretudo a população que mora nas ressacas, mas o grande erro está no cadastro, pegam de maneira dispersa, aleatória e acaba não interferindo diretamente em áreas de ressaca porque sai uma família e entra outra na casa; tem que se ter uma política dirigida para a população de ressaca, destruindo logo em seguida a casa que é desocupada, cuja família é beneficiada com moradia nos conjuntos, principalmente porque a ressaca é área de preservação permanente, além de se tratar de um problema de saúde pública, porque ali é foco de doenças, ali é esgoto, como também é um problema de segurança pública, porque é mais difícil combater o delinqüente na ressaca, em pontes, do que em terra firma. Enfim é um problema que atinge uma série de segmentos da vida pública.

Luiz Melo – Por que o juiz João Bosco resolveu largar suas atividades de gabinete com a busca de solução para problemas sociais?
João Bôsco – Vocação, simplesmente vocação. Eu vou voltar ao passado: 15 anos atrás houve uma invasão à sede do Incra, em Macapá; essa invasão foi feita por alguns trabalhadores. Ao invés de mandar a polícia, eu marquei uma audiência e resolvemos tudo amigavelmente; eram lavradores descontentes, e o Sandro Galazzi (sacerdote com atuação destacada na Pastoral da Terra) escreveu um artigo ao meu respeito elogiando minha capacidade em não tratar questão social como caso de policia, eu me senti muito feliz na época, porque buscar soluções efetivas é perfil meu. A política hoje é refém de problemas imediatos. Por que o problema das áreas de ressaca não é resolvido? Por que se permite morar nesses locais, já que isso é ilegal? A resposta é simples: porque não querem perder votos. Tem sim, que tirar essas famílias das áreas de ressaca para que possam viver com dignidade em terra firme.

Luiz Melo – Em meio à crise, as instituições brasileiras afundam cada vez mais no descrédito. Isso é geral. A que o senhor atribui isso?
João Bôsco – O Brasil não era para estar onde está. Não era para termos mais de 14 milhões de desempregados, porque o Brasil é maior que isso; estamos vivendo uma falta de rumos. E diria que esse descrédito hoje não é só do Executivo, do Legislativo, infelizmente também atingiu o Judiciário. Estamos vivendo uma metástase de total descrédito com as instituições. Qual é a mensagem da Operação Lavajato? Que o crime compensa. Ou firmamos a Lavajato punindo quem deve ser punido, inclusive os altos escalões da República que cometeram os seus equívocos ou nunca vamos ser uma República; no caso do Joesley Batista (dono da JBS) os benefícios, como ministros do STF disseram, não são os previstos em lei. Quem tem que explicar isso é o Rodrigo Janot e sua equipe, eles não tiveram transparência. É necessário espírito público; tenho ouvido dizer que o STF vai rever essa delação e colocar as coisas no seu lugar. E ainda tem alguém no STF que diz que tem que homologar nos termos do Ministério Público, mas o Judiciário pode não convalidar.

Luiz Melo – O senhor tem um grau de parentesco com o ministro Gilmar Mendes, que tem tomado decisões ousadas no STF. Que análise o senhor faz da atuação dele?
João Bôsco – O ministro Gilmar Mendes, na minha visão tem mais virtudes do que defeitos. Por exemplo: ele critica que os tribunais dos estados, o Ministério Público, e inclusive alguns órgãos federais pagam vantagens fazendo com que alguns recebam o dobro do que um ministro do STF recebe através penduricalhos, a título de verbas indenizatórias. Ora, como um desembargador, um juiz de 1ª instância pode ganhar mais de R$ 650 mil? Eu ganho cerca de 28 mil reais, não tenho o que eu esconder. Agora, um sujeito ganhar R$ 500 mil e ainda tem R$ 700 mil engatilhado para receber, e diz que não está nem aí… Receber 3, 4, 5 vezes como diz o ministro Gilmar, é uma maluquice.

Luiz Melo – Tem muita gente nos Poderes envolvidos em corrupção. Isso é fato. Na sua opinião, de que forma isso pode ser combatido?
João Bôsco – O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) está tendo um grau de omissão, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) também, a tal ponto que há ministros e conselheiros dos Tribunais de Contas da União e dos Estados, respectivamente, envolvidos com corrupção. Nós temos o CNJ e o CNMP que não punem ninguém, engavetam tudo; e os tribunais de contas não têm controle externo. E defendo a extinção do CNMP e do CNJ para formar um só Conselho para julgar membros do MP, juízes e conselheiros dos tribunais de contas envolvidos com corrupção. No Mato Grosso cerca de seis, sete conselheiros receberam 50 milhões e paralisaram obras da Copa do Mundo para depois barganharem propina de R$ 50 milhões e exigiram nota promissória como garantia da propina.

Luiz Melo – O Rodrigo Janot disse que a Lavajato está com os dias contados de feliz existência por conta dessas pressões de tudo quanto é lado. Qual sua leitura?
João Bôsco – Seria uma grande derrota para o país a paralisação da lavajato; teríamos que ir a fundo para punir quem tem que punir porque temos que dar um legado às futuras gerações, e esse legado é a mensagem que o crime não compensa e que todos nós temos que viver sob o manto da legalidade, e isso é possível, porque só assim teremos uma sociedade civilizada, todos abaixo da lei, desde o presidente da República até o mais simples mortal.

Luiz Melo – O Janot pode ter dito isso num lampejo de vaidade porque ele está saindo da Procuradoria Geral da República?
João Bôsco – Pode ser gesto de vaidade, mas talvez não seja isso e eu espero que não seja isso. Temos denúncias muitos sérias. Eu lembro a ex-ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Helena Calmon dizer que a Lavaja jato está incompleta, porque não chegou ao Judiciário; mas agora estamos vendo alguns respingos nos tribunais superiores, e tem que chegar nos tribunais superiores; teve a denuncia do ex-ministro Palocci que o ex-presidente do STJ ministro Cesar Asfor Rocha teria recebido R$ 5 milhões para emperrar uma investigação da Operação Castelo de Areia, por exemplo; a gente espera que tudo isso vá pra frentes e as denúncias sejam apuradas e punidas, para acabar com o pensamento de que no Brasil só negros, prostitutas e pobres são punidos, enquanto a classe alta fica fora de qualquer ação punitiva. Não podemos mais aceitar essa desigualdade, e é isso que a Lavaja tem que deixar como legado ao país, que o crime não compensa, mas a mensagem até agora tem sido outra, infelizmente.

Luiz Melo – O que o senhor acha da sucessora do Rodrigo Janot na PGR, a procurador Raquel Dodge?
João Bôsco – Eu não tenho muito informação sobre ela, só vi aquele ato falho de reunir fora da agenda com o presidente Temer… Espero que isso não seja mau sinal, que ela cumpra com o seu dever. Espero que o Ministério Público possa realmente punir todos aqueles que cometeram crime em desfavor da Nação.


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