Juíza Alaíde de Paula diz que a corrupção está levando o Brasil ‘para o buraco’
Titular da 4ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá há 18 anos, a juíza de direito Alaíde Maria de Paula foi entrevistada pelo advogado e radialista Helder Carneiro, apresentador do programa Togas&Becas (DiárioFM 90.9). Goiana de nascimento, há 26 anos ela fez do Amapá o seu lar, ao ser aprovada no primeiro concurso da magistratura no estado. Alaíde de Paula foi responsável, em 2012, pela deflagração da Operação Eclésia, que desmontou um grande esquema de corrupção na Assembleia Legislativa do Estado.
Helder Carneiro – A senhora atuou e atua na Operação Eclésia, que investiga casos de corrupção na Assembleia Legislativa em meio à execução da Lavajato a nível nacional, que está sofrendo uma espécie de ‘operação abafa’ por parte de setores de todos os Poderes. Desde o início da Eclésia, em 2012, a senhora já sofreu ou vem sofrendo algum tipo de pressão?
Alaíde Maria de Paula – Diretamente não, até por causa da forma que eu sempre conduzi a minha vida pessoal e profissional, que não dá esse espaço para ninguém. Mas, assim, digamos, palavras ‘maldizidas’ por um ou outro vieram sim, tipo recado, mas não levei nenhuma delas a sério porque não me incomodaram pelo fato de que eu tenho forma me conduzir exclusivamente dentro do direito, pessoal e profissionalmente.
Helder Carneiro – Os juízes federais Marcelo Bretas, no Rio de Janeiro e Sérgio Moro, no Paraná, e a senhora mesmo, no Amapá, têm estado em evidência por causa de suas decisões contra atos criminosos praticados por pessoas poderosas, inclusive mandando-as para a cadeia. Se o juiz não tivesse essa independência funcional nada disso estaria ocorrendo inclusive no Brasil e, em especial, no Amapá?
Alaíde – Claro que não, porque infelizmente a classe política, embora não se possa generalizar porque todas as categorias há pessoas corretas e não corretas, e estas acham que podem fazer tudo de acordo com interesses delas. Exemplifico: Se eu tivesse que ser removida de novo para Oiapoque, e foi lá que com muito orgulho comecei minha carreira na magistratura, apesar do prazer, seria uma grande regressão. Se não tivesse garantia a constitucional da inamovibilidade eu poderia pensar duas…
Helder Carneiro – É, mas muita gente critica certas garantias concedidas aos magistrados…
Alaíde – Muitos não entenderam essas garantias constitucionais que juiz tem, muitos mesmo, inclusive a imprensa, mas são essas garantias que permitem ter um juiz seguro, imparcial, cumpridor do seu dever, porque sabe que está garantido naquilo que ele faz. Quem gostaria de ter um juiz fraco? Só aqueles que têm alguns interesses escusos, penso eu, querem um juiz fraco, mas pessoas íntegras querem um juiz forte porque sabe que elas próprias estarão garantidas pelas normas constitucionais.
Helder Carneiro – A gente sabe que a senhor foi bombardeada de ações, processos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no intuito intimidá-la…
Alaíde – Realmente. Ações de algumas partes interessadas alegaram minha suspeição, mas ninguém obteve êxito porque não provaram qualquer suspeição, qualquer ato ilegal, inclusive todas elas foram arquivadas na Corregedoria, no STJ e no CNJ.
Helder Carneiro – Não é um caso concreto: Se a senhora, na condição de juíza, recebesse durante o plantão forense um HC (Habeas Corpus) cujo paciente é um afilhado de casamento, a senhora decidiria sobre o pedido?
Alaíde – Claro que não, eu me declararia suspeita para atuar no caso. Faz quase 26 anos que sou juíza e em raríssimas ocasiões eu me declarei suspeita, por algum tipo de relacionamento, afetividade, mas muito pouco. Sinceramente eu não me sentiria a vontade pra decidir.
Helder Carneiro – Existe uma ‘operação abafa’ em relação à Lavajato por parte do Executivo, do Legislativo e até mesmo por setores do Judiciário, inclusive com alguns ministros (do STF) decidindo até contra decisões do Plenário. Há poucos dias observamos que salários e subsídios de juízes estão sendo colocados nas redes sociais mostrando o montante que eles ganham. Isso seria também para intimidar juízes do Amapá?
Alaíde – Tem sim um plano de desmonte do judiciário, inclusive o meu contracheque foi colocado. O que é interessante é que eles colocam o contracheque de julho, que evidentemente veio gordo, e além do meu salário como juíza titular da 4ª Vara Cível estou acumulando a Junta Recursal. A lei nos garante receber quando há acumulação mais de três dias e estou acumulando a mais de seis meses. É importante dizer que eu recebi, mas não recebi, porque nas redes sociais não colocam os descontos legais, os descontos voluntários; embora esteja lá como tivesse ganhado, não entrou na minha conta bancária; eu recebi férias também, é constitucional, eu tive que receber, junto com o que eu ganho todos os meses. Eu fiquei alegre e satisfeita quando olhei, mas a frustração veio depois que eu olhei o liquido, mas isso não interessa a ninguém, só interessa os vencimentos brutos; mas a gente paga 27,5% de Imposto de Renda, tem também o abono de permanência, isto é, entra de um lado e sai de outros; só não pago atualmente a Previdência porque eu poderia estar aposentada, mas estou na ativa, trabalhando, mas não recebo dinheiro.
Helder Carneiro – Quais as conseqüências que corruptos podem ter em ações de improbidade na área cível?
Alaíde – A lei da improbidade é muito severa, tem praticamente todas as penas do criminal, exceto prisão. A lei prevê suspensão dos direitos políticos, obrigatoriedade de ressarcir os danos ao erário e a multa. O juiz ao sentenciar tem que aplicar todas aquelas sanções que estão na lei, embora ele possa graduá-las e não precisa também aplicar todas as penalidades; há condutas mais sérias e outras mais leves ao erário; ai é prudente o arbítrio do juiz para aplicar e dosar as penalidades de acordo com a lei.
Helder Carneiro – Político com sentença de 1ª instância confirmada em 2ª instancia, com pena de suspensão dos direitos políticos fica quase inócua porque sem execução provisória da pena ele acaba ficando no mandato até o fim, inclusive utilizando aquele dinheiro ilegal para se reeleger…
Alaíde – Eu só posso fazer aquilo que é da minha competência. Numa determinada ação de improbidade eu cheguei a afastar alguns servidores, que depois voltaram… Eu fiz a minha parte, os outros atos praticados eu não respondo e nem tenho que falar desses atos. Na verdade na 4ª Vara Cível não foram julgados muitos casos (envolvendo políticos) porque são complexos, há muitas partes, muitos advogados; vocês sabem o quanto vocês, advogados, nos dão de trabalho (risos). Julgamos cinco até agora, se não me falha a memória, e vários outros estão em andamento, inclusive alguns conclusos para sentenciar.
Helder Carneiro – Observa-se que em muitos casos de colaboração premiada no âmbito criminal, no momento de fazer o acordo, o investigado quer também colocar a improbidade administrativa na delação. É possível também inserir a questão da improbidade numa colaboração só, isto é, no criminal e no cível?
Alaíde – Embora ainda não tenha ocorrido, mas considerando que a legislação dá essa possibilidade ao juiz aplicar todas as sanções ou não, e graduá-las, eu penso que se uma parte vier numa colaboração com a justiça, que seja realmente colaboração, que possa elucidar o caso, eu acho que merece sim um premio; por isso ali dentro daquelas penalidades previstas na lei, eu como julgadora posso diminuir a pena ou deixar de aplicar uma sanção ou outra.
Helder Carneiro – Se a colaboração no criminal e outra no cível envolvendo a mesma parte, a senhora não teria que dar chancela?
Alaíde – Não, uma coisa é no crime e outra no cível. A parte pode fazer delação nos dois ou em um somente, mas eu ainda não tive nenhum demandado interessado em colaborar com a justiça para esclarecer fatos que tenhamos alguma dificuldade de provar.
Helder Carneiro – Não pode emprestar provas para o crime?
Alaíde – Acho que é relativo, porque no criminal a finalidade é provar o crime e eu no cível e na fazenda pública busco provar exatamente o que está na lei de improbidade, são deles os atos tidos como criminosos; como há separação de esferas cível e criminal, faz-se o empréstimo de provas no crime se quiser e no cível também se quiser. Apenas para evitar que sejam colhidos novos depoimentos eu tenho deferido trazer provas de processos criminais para o cível, mas só os depoimentos e documentos, não nesse sentido de colaboração com a justiça.
Helder Carneiro – Muito réus nas ações penais dizem que através da Operação Eclésia foram colhidas muitas provas em decorrência de decisões suas e aplicadas sanções penais com base nessas provas, que seriam ilegais por serem de competência do Tribunal de Justiça por causa do foro em se tratando de deputados estaduais…
Alaíde – Isso já foi discutido muito. O Ministério Público tinha um inquérito civil público exatamente no início dessa operação. Antes, o MP estava tentando provar a prática de nepotismo, era isso que estava querendo provar, e tentou-se de todas as formas, inclusive requerendo informações, mas não conseguiu essas provas; aí o MP entrou com pedido de busca e apreensão eu deferi; só que na busca foi encontrado muito mais, e dentro dessas provas, vários atos de improbidade administrativa. Ora se o MP encontra prova da prática de crime é dever dele ofertar as ações de improbidade administrativa; se o MP verifica que dentre essas provas tem crime ele não pode se calar e deixar de fazer nada, é dever dele; não é porque se trata de prova colhida por juiz cível que não possa ser usada no juízo criminal e vice versa. O STJ e o STF já disseram que é legítimo, que é legal.
Helder Carneiro – Então a Eclésia surgiu a partir de uma investigação de nepotismo… Se autoridades do legislativo tivessem respondido às informações e enviado os documentos requisitados, a Operação nem existiria?
Alaíde – Eu acho que a sociedade precisava passar a limpo. Hoje infelizmente há uma total inversão de valores, e isso não pode ficar eternamente; estamos indo para o buraco (por causa da corrupção), mas tem muitas pessoas de bem nesse país que tem que fazer e quer fazer alguma coisa.
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