Entrevista

“Medo de Matemática é mito, na realidade todas as crianças gos

Ele tem a vida inteira relacionada aos números, aos cálculos matemáticos. E como um bancário e também exímio professor das ciências exatas acabou se transformando num conceituado pesquisador da história dos antigos povos que habitaram o Continente, comos os maias, os incas e também os astecas?


A explicação está na grande capacidade que esses antepassados tinham em fazer cálculos, mesmo sem a tecnologia dos dias atuais, mas que são responsáveis por grandes mistérios e também contribuições ainda hoje utilizadas, por exemplo, para a definição de órbitas para satélites artificiais, os lançamentos de foguetes. José Carlos Zingra mora em Macapá e tem livros traduzidos no exterior que já viraram grandes sucessos. Ele falou ao Diário do Amapá. Acompanhe.

 

Diário – E como isso passou a se tornar um ofício?
Zingra – Nos meus estudos, na minha defesa de tese, fui buscar algo um pouco diferente, fui buscar a história dos povos maias. Povos que viveram aqui na região sul do México, região hoje da Guatemala, e que desenvolveram uma Matemática um pouco diferente, por assim dizer, para os leigos, em relação à Matemática que nós estamos acostumados a trabalhar, com nove números. Eles usavam uma base de vinte para cálculos, algo extremamente complexo para se explicar aqui.

 

Diário – O senhor chegou a visitar a cidade de Machu Picchu, no Peru, que tem outra história ligada a povos indígenas, como os incas?
Zingra – Sim, estive em Machu Picchu por duas vezes e lá muitas coisas me chamaram a atenção, mas especialmente a simetria com que foram cortadas as rochas, rochas extremamente duras para se trabalhar nos dias de hoje.

Diário – E olha que estamos falando do período pré-colombiano, não é?
Zingra – Sim, estamos falando aí de um período de 700 a 3.000 anos de história, voltando aí um período de 1.000 anos antes de Cristo. Eles [os incas] já trabalhavam com rochas com cortes extremamente precisos. Hoje com toda a ciência que nós temos ainda não conseguimos decifrar como foram cortadas as rochas. São arenitos ferrosos e eu não sou geólogo, não é minha área… Mas são rochas muito duras.

Diário – E já tentou aferir com equipamentos mais modernos?
Zingra – Sim, estive da última vez lá acompanhado do professor Asdrúbal, aqui do Pará, da UFPA, e a gente tinha alguns instrumentos de precisão e medimos oito rochas que devem pesar algo em torno de 40 toneladas cada uma, dispostas em locais separados, em torno de 20, 30 metros uma da outra. Com uma trena de precisão, uma trena eletrônica, nos medimos essas calhas e não encontramos diferença. São seis casas depois da vírgula, ou seja, um centímetro, um milímetro vírgula seis casas precisas.

Diário – Pelo que se sabe esses povos antigos também tinham a preocupação com as melhores épocas do ano para se plantar, então passaram a observar os céus e são responsáveis por contribuições até hoje importantes para a astronomia, não é mesmo?
Zingra – Exatamente e esses conhecimentos são ainda hoje aproveitados pela Nasa. Eu tenho dois amigos brasileiros que trabalham lá, como o professor Antônio Pichau Nishimura, que é pós-doutor em cálculos e um dos grandes parceiros meus. Ele me disse que ainda hoje eles utilizam antigos cálculos maias no lançamento e prospecções de foguetes.

Diário – Isso é realmente impressionante heim?
Zingra – A primeira coisa que chamou a atenção foi a precisão com que os maias determinaram a órbita do planeta vênus, que dura 479 anos, ou seja, um ser humano não vive tudo isso… [risos] Então é um cálculo muito preciso de órbita, e de observação a olho nu, já que eles não dispunham de equipamento ópticos.

 

Diário – Trazendo agora para o nosso Amapá, o que representa para o senhor o sítio arqueológico de Calçoene, considerado um dos maiores achados locais, onde os povos antigos fariam a observação do solstício, daí ser apelidado de Stonehenger do Amapá?
Zingra – Olha, os estudos feitos pela UFPA dataram aquele sítio em torno de 1.000 a 1.300 anos, ou seja, nessa época alguns povos habitaram aquela região do Amapá e deixaram como herança um relógio do sol. As observações que nós fizemos e não sou especialista na área, nem especialista em linguística, mas fotografei alguns sinais encontrados em rocha lá e enviei para especialistas de outros países pelo mundo que a gente tem relações, pois as ciências são uma troca de informações, então eu pesquiso aqui e outra pessoa pesquisa na Suíça, no México, nos desertos, enfim, isto é ciências. O fato é que encontramos alguns hieróglifos, por assim dizer, que são maias. Algumas letras, muito claramente, com características de escrita maia, como símbolos de peixe, de aves e o próprio jaguar, a nossa onça pintada muito simbolizada em toda a América.

 

Diário – Daí o valor desse achado arqueológico, não é?
Zingra – É, mas encontramos algumas letras perdidas com o tempo devido algum desavisado ou por falta de conhecimento dinamitou aquela área algum tempo atrás, não se sabe a razão, daí muita coisa ter sido perdida. É difícil precisar se foram os maias que construíram ou se eles estavam de passagem e encontraram aquilo ali, se houve algum combate, alguma luta por espaço, mas que eles passaram por ali com certeza passaram.

Diário – O senhor disse que sua paixão pelos números vem da infância, mas hoje um problema difícil para os pais equacionarem é como fazer para que suas crianças tenham na matemática uma ciência palatável. O que fazer professor?
Zingra – Aquele grande professor que falei no início, já falecido, o professor Carlos Carrara, autor de vários livros e PhD em educação infantil, dizia que a matemática é como o leite materno, é o primeiro alimento do estudante. Eu creio que esse medo dos números é um mito, na realidade toda criança gosta dos números. A dificuldade que se tem é formar professores que relacionem a matemática com o dia-a-dia dos alunos.

 

Diário – Dê um exemplo prático, pode ser?

Zingra – Eu passei por uma experiência aqui no Amapá. Mas fiz uma experiência informal num determinado bairro aqui de Macapá onde um professor que era aluno meu de matemática tinha muita dificuldade de ensinar a tabuada para as crianças de 6 a 15 anos, crianças não alfabetizadas de 13, 14 anos convivendo com outras crianças menores, ou seja, idades muito díspares. Eu estava de férias do banco e fui pessoalmente à sua escola. Cheguei como um estranho, não me identifiquei como professor então observei suas dificuldades e também vi o que eles gostavam. Gastei uns R$ 100 reais em dinheiro de hoje e comprei bolas de futebol, camisetas do Flamengo – e do Vasco também, vai – para os concorrentes… [mais risos] além de bonecas e estabeleci uma competição entre eles. Eu mostrei para eles que tudo é número e fiz uma brincadeira com bombons, muito conhecida, a título de premiação, uma atividade lúdica.

Diário – O senhor tem um livro muito conceituado lá fora, que é “O segredo da montanha proibida” e agora está por lançar “Cultura do Amapá”, que está em que fase professor?
Zingra – Está em avaliação da editora em São Paulo, mas o livro está pronto, já registrado. É um apanhado da cultura em geral, mas especialmente do povo negro do Amapá.

Diário – Obrigado pela entrevista.
Zingra – Eu é que agradeço em nome de todos os escritores do Amapá, e em especial do meu amigo o desembargador Gilberto Pinheiro, o doutor Rui Guilherme também, autor de um livro fantástico, o engenheiro João Lamarão e os demais escritores que como eu sofrem por isso. E deixo aqui um desafio, já que estamos em ano de eleição, para que os nossos políticos aceitem montar no Amapá uma base cultural e incentivar os escritores, os produtores artísticos e os radialistas, criando um campeonato, um torneio cultural ou algo do gênero para promover a nossa cultura, que é muito rica e pouco difundida.


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