Não é papel da escola colocar e cuidar de uma criança como uma babá
Ela é amapaense e tem brilhado dentro e fora do Brasil por defender uma arrojada proposta de usar o ensino regular da música em sala de aula, por considerar que isso ajuda a formar cidadãos mais sensíveis, a prevenir a violência e até mesmo aliviar as dores. Pode até parecer utopia, mas ao ouvir os argumentos da professora e maestrina Arnely Schulz muita gente reconhece a enorme autoridade que ela tem para justificar seu trabalho científico e até mesmo literário. Autora de livros como “Eu canto conta”, a educadora debate perspectivas para o futuro do ensino público. As reflexões e as principais conclusões da carreira brilhante de Arnely o Diário do Amapá publica a seguir, extraído em uma longa entrevista concedida por ela ao jornalista Cleber Barbosa, no programa Conexão Brasília, da Rádio Diário FM. Confira os principais trechos.
Diário do Amapá – A senhora ganhou reconhecimento nacional e até internacional pelo trabalho que desenvolve com a música sendo utilizada como ferramenta didática. Como está sendo o seu retorno ao Amapá?
Arnely Schulz – É com muita honra, com muito carinho que falo a esse respeito, especialmente por falar ao meu povo, é muito importante isso para mim, pois sempre estou falando para outras pessoas fora do Estado. Finalmente eu consegui chegar aqui e abrir meu coração a meus colegas professores do Estado como foi num encontro de educadores em que eu participei fazendo uma palestra sobre a música e sua implementação na escola, no ensino regular.
Diário – Foi uma feliz coincidência então a senhora voltar logo agora que se discute propostas para o futuro da educação no Amapá, num horizonte de dez anos, não é mesmo?
Arnely – Exatamente, são as propostas, as metas até 2020. O Estado está aí muito empenhado através da Secretaria de Educação, que discute propostas para que a gente possa atuar de forma bem real em cima da realidade do estado do Amapá para que possamos levar em frente e alcançar os objetivos maiores melhorando a qualidade da educação, lógico, que é o propósito maior.
Diário – A senhora faz parte de um grupo de trabalho instituído pelo Ministério da Educação voltado a discutir a regulamentação da lei que torna obrigatório o ensino da música na educação fundamental. Como está esse trabalho?
Arnely – Falando um pouquinho sobre a lei 11.769, de 18 de agosto de 2008, uma vez implementada, então nós já estamos discutindo a contribuição que com certeza a música trará para a educação brasileira, lgo imensurável porque hoje a educação em nosso país infelizmente não contempla a questão do desenvolvimento da inteligência emocional do educando e a gente vê que hoje mais do que em outros tempos a criança é emocionalmente doente, não só elas como nós adultos também.
Diário – Como assim doente, professora, explique melhor?
Arnely – Tudo parte da emoção. Se a criança não está bem emocionalmente ela também não vai ter um bom aproveitamento no rendimento do conteúdo curricular ao desenvolver suas atividades dentro da sala de aula. Então a música vem trazer esse equilíbrio para a criança, trazendo essa maturidade emocional.
Diário – E por que a senhora diz que hoje isso é mais preponderante do que antes?
Arnely – É porque hoje a nossa sociedade é mais desestruturada em termos familiares. Crianças que normalmente são filhas só de mãe, às vezes filhas só de pai, em função até mesmo da separação ou muitas vezes em função do pai não assumir a criança, em outros momentos pela jornada de trabalho, com os pais às vezes passando o dia totalmente fora de casa e as crianças sozinhas, sendo educadas por uma televisão.
Diário – E qual a educação que essa televisão dá atualmente professora?
Arnely – Olha, a gente sabe que grande parte dos nossos programas é muito inútil para a educação dos nossos filhos, infelizmente a gente se depara com essa realidade. Daí quando a música entra nesse contexto, ela supre esse lado emocional, essa carência, porque a criança participando de um grupo de práticas musicais dentro da sala de aula ela vai se sentir mais integrada, acolhida, participativa dentro do contexto social, vai elevar a autoestima e o autoconceito dela.
Diário – E como se dá esse processo, essa consciência por parte da criança?
Arnely – Ela vai começar a descobrir que é importante, que é capaz sim de construir e por isso ela se desenvolve não só na questão da linguagem musical em si, mas em todos os outros aspectos da sua vida.
Diário – Pelo que diz a sua obra também literária, além desses benefícios todos narrados anteriormente a música ela também pode ser utilizada como uma ferramenta didática para a transmissão de conhecimentos em outras disciplinas, é isso mesmo?
Arnely – Com certeza. Essa proposta eu levei como amapaense ao Ministério da Educação e estou defendendo que ela seja encaminhada ao Conselho Nacional [de educação] para que a música se dê dessa forma na escola e isso vai acontecer porque graças a Deus o grupo [de trabalho] está bem solidário e vê que realmente caminha por aí. Não adianta você trabalhar a música apenas arte pela arte dentro do ensino regular porque você não vai ter condições de formar músicos, mas terá condições de sensibilizar pessoas, transformar vidas, fazer com que essas crianças tenham perspectivas diferentes de vida do que normalmente elas têm em casa e na sociedade comum.
Diário – Mesmo diante da distância que leva à plena execução desse projeto a música como arte já dá sua contribuição não é mesmo?
Arnely – Ah, sim, claro. A música como instrumento é muito valiosa, pois como se vê no livro “Eu canto conta” [de sua autoria] ela não é apenas disponibilizar como arte apenas, ela desenvolve sim a linguagem musical, como uma linguagem de expressão, mas vem trabalhando também a matemática, a língua portuguesa, a literatura, os direitos humanos, meio ambiente, enfim, são várias áreas contempladas pelo livro e que dá acesso à criança a um desenvolvimento integral, a educação integral de fato.
Diário – Isso é diferente da proposta de escolas em tempo integral, não é mesmo?
Arnely – Claro, eu acho que não é papel da escola apenas colocar e cuidar da criança como uma babá, mas sim aproveitar esse tempo inteiro que a criança fica na escola para desenvolver uma educação de fato integral, onde mude a criança, sua postura como cidadão, como ser humano, tornando-a mais sensível ao meio onde ela vive, comprometida com a sua formação e também com a transformação social.
Diário – Pelo que se percebe há mesmo que intrinsecamente uma preocupação com a formação de platéia para fazer frente é enorme concorrência com a chamada música comercial que as crianças têm acesso?
Arnely – Sim, com certeza, pois essas músicas que rodam nos meios de comunicação e massificadas nas cabeças das crianças, chegam a elas e a gente não consegue nem impedir. Muitas vezes nós como educadores queremos dentro da nossa sala de aula uma criança que respeite o professor e os colegas enquanto muitas vezes a mídia impõe uma música que leva a criança à violência, à sensualidade precoce, à imoralidade, enfim, no geral a música não contribui, não dá um meio ambiente favorável a esse desenvolvimento integral da criança, ferindo inclusive o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal, que falam num ambiente favorável para o crescimento e desenvolvimento da criança com dignidade.
Diário – Para fechar, o que a senhora poderia dizer a respeito dos benefícios proporcionados pela música?
Arnely – Além da questão da interdisciplinaridade que a gente falou anteriormente, o projeto defende também a intersetorialidade, que é a sua atuação a partir da sala de aula em diversos aspectos de interesse público, como a prevenção da criminalidade, a inclusão social e a saúde na escola, pois a gente sabe que o canto produz a endorfina, que é a substância que destrói as células malignas que a cada dia são produzidas pelo nosso organismo. Diz o doutor San Lee, que é japonês, que a endorfina é trezentas vezes mais forte que a morfina, então quando você canta qualquer dor que estiver sentindo vai passar.
Perfil…
Entrevistada. A professora Arnely Ferreira Pires Schulz nasceu em Macapá, tem 44 anos de idade, é casada e mãe de três filhas, Anezka, Miluse e Ayesha. Possui Licenciatura em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é Pedagoga e tem Formação em Canto Lírico, pela Escola de Música de Brasília. Foi maestrina do Coral do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá e fundou o Coral Municipal de Macapá, além do Coro . Atualmente é conselheira da Associação Brasileira de Regentes de Coro e Presidente do Instituto Accorde Brasil. Trabalha na Universidade do Estado do Amapá (UEAP) e no Instituto Accorde Brasil e atuou no Grupo de Trabalho instituído pelo Ministério da Educação (MEC) para implementar a lei 11.769.
Deixe seu comentário
Publicidade