O marco civil assegura direitos e princípios na Internet
Em outubro, o bloqueio por quase 40 dias da rede social X (antigo Twitter) retomou as discussões sobre a necessidade de regulação do setor. O STF deve definir a questão nos próximos dias, conforme explica essa especialista em direito digital.
Cléber Barbosa
Da Redação
Diário – A regra, prevista no artigo 19, é alvo de julgamento, que foi iniciado pelo STF na quarta-feira (27), onde também discute se decisões judiciais podem suspender a atividade das empresas, como ocorreu com o X?
Chiara de Teffé – Ela determina que a obrigação de remover um conteúdo só vem através de uma ordem judicial. O que está sendo questionado é se essa obrigação só pode vir através da Justiça. É um artigo que envolve sempre o conteúdo que um usuário publica na plataforma, não um conteúdo próprio. E qual seria a responsabilidade disso da rede social. É isso que está sendo debatido, e se as plataformas deveriam ter mais responsabilidades e moderar mais os conteúdos, por consequência retirando-os das redes”, explica.
Diário – A legislação não impede que, após uma denúncia, a própria rede possa retirar o conteúdo mesmo sem exigência judicial?
Chiara – O dever de retirar só vai nascer se eu entrar com uma ação judicial e o juiz determinar a retirada. Essa é a regra, que só tem duas exceções: na divulgação de imagem íntima ou se o conteúdo é protegido por direito autoral. É importante ter uma interpretação conforme a Constituição, e esse é o caminho. E como que se faz isso? A regra é mantida, porém são acrescentadas mais exceções, que são hipóteses em que os provedores devem agir mesmo antes de uma notificação judicial.
Diário – E o marco civil da Internet?
Chiara – O Marco Civil da Internet é uma lei muito importante, foi a primeira no Brasil para assegurar direitos e princípios na Internet. E o artigo 19 está muito alinhado com a perspectiva de liberdade de expressão, de evitar a censura, mas um ponto importante seria deixar claro ao provedor que, caso ele entenda que o conteúdo é lesivo, pode ser retirado. Só que a regra fala que a obrigação legal só vai nascer perante a ordem judicial.
Diário – Qual é a nova rede social do momento?
Chiara – A cada ano surgem novas plataformas, enquanto outras entram em desuso ou são extintas. No Brasil, a mais utilizada está ligada ao envio de mensagens instantâneas. Atualmente há opções para a denúncia de conteúdos ofensivos, que não respeitem a lei ou spam, que passam por uma moderação das próprias empresas.
Diário – Daí o debate ético?
Chiara – As plataformas fazem esse processo tanto com humanos quanto utilizando inteligência artificial. Mas o que falta é uma análise um pouco mais profunda sobre temas sensíveis. Seria importante que as empresas fizessem esse papel com um pouco mais de cuidado e dessem mais transparência sobre os seus termos de uso. É muito importante que tenham previsões claras sobre o que pode ou não ser postado na plataforma e que, a partir disso, possam implementar uma moderação transparente e que também respeite as questões culturais.
Diário – A quando a liberdade de expressão passa a ser crime?
Chiara – Entre os principais críticos da inclusão de regras que limitem a atuação das redes sociais, a defesa da liberdade de expressão é colocada em perspectiva a todo momento. Na ocasião do bloqueio do X, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a falar em censura, assim como outros políticos do mesmo grupo. Porém a especialista enfatiza que esse direito não é absoluto e que a Constituição impõe limites. Por exemplo, é proibida qualquer forma de discriminação, racismo, há também proteções claras aos direitos da personalidade, da imagem e da honra. E tudo isso é ponderado com a liberdade de expressão, que inclusive o STF já deixou claro que não é absoluta […]. Ainda que seja um direito muito importante para a democracia e que deve ser preservado, também há previsões que protegem especialmente os grupos mais vulneráveis.
Diário – O que dizer do papel social das redes, das relações, inclusive profissionais?
Chiara – Quando tem essa dimensão e há um controle por um número restrito de atores [que são as plataformas], isso se torna preocupante em vários aspectos. Seria saudável se tivéssemos mais agentes nesse mercado, players e ambientes florescendo. Essa concentração é preocupante em vários níveis.
Perfil
Chiara de Teffé – Doutora e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) A coordenadora da pós-graduação em direito digital.
Perfil e trajetória
– Doutora e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), tendo sido aprovada com distinção, louvor e recomendação para publicação.
– Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quando foi bolsista de iniciação científica do CNPq e da FAPERJ.
– Atualmente, é coordenadora de pesquisa e publicações da pós-graduação em Direito Digital do ITS Rio em parceria com a UERJ e professora de Direito Civil e Direito Digital na faculdade de Direito do IBMEC.
– Leciona em cursos de pós-graduação do CEPED-UERJ, na Pós-graduação da PUC-Rio, na Pós-graduação do Instituto New Law e na Pós-graduação em Advocacia Contratual e Responsabilidade Civil da EBRADI.
– É também professora da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) e do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio).
– Membro da Comissão de Proteção de Dadose Privacidade da OABRJ.
– Membro do conselho executivo da revista eletrônica civilistica.com (Qualis A2).
– Membro do Fórum Permanente de Liberdade de Expressão, Liberdades Fundamentais e Democracia da EMERJ.
– Foi professora substituta de Direito Civil na UFRJ.
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