Entrevista

“O mundo olha para a Amazônia como as vezes o próprio brasilei

Uma jovem liderança do mundo acadêmico local está projetando a Universidade Federal do Amapá para uma nova etapa de crescimento e expansão. Trata-se do pró reitor de cooperação e relações interinstitucionais, o professor Paulo Gustavo, que assumiu no fim do ano passado esse novo espaço para conceber projetos que ultrapassem não apenas os muros da academia como também os limites territoriais do Amapá e do próprio Brasil. Ele esteve ontem concedendo entrevista ao jornalista Cleber Barbosa, no programa Conexão Brasília, da Diário FM. Falou das ações concretas que estão garantindo a internacionalização da Unifap e a troca de conhecimento com países do Platô das Guianas e até da Austrália, do outro lado do planeta. A seguir, os principais trechos da conversa que o Diário do Amapá publica.


 


Diário do Amapá – Essa Pró reitoria de Cooperação e Relações Interinstitucionais que o senhor coordena é algo novo na estrutura da Unifap, não é?
Paulo Gustavo – É a Procri, como chamamos devido à sigla. Mas é sim uma Pró reitoria nova. Tem um pouco mais de dois anos e estou à frente dela desde que a nova gestão tomou posse, em outubro. Então tenho muita honra de participar de uma equipe que tem trazido muita coisa nova para dentro da universidade, e a Procri tem fundamentalmente a função de conectar a Unifap com outras instituições. Hoje um dos nossos pilares lá é o processo de internacionalização da Unifap. Uma universidade de excelência é uma universidade internacionalizada. Isso a gente pode ver, pois as grandes universidades do mundo são universidades que têm conexões com outras instituições de ensino e de pesquisa ao redor do mundo e que também recebem muita gente de fora, participam de projetos internacionais. Infelizmente, a Unifap ainda tem que trabalhar bastante em cima disso porque nós ainda não temos muitas conexões. Mas qual que é o grande elemento? Nós temos um potencial incrível, pois estamos dentro de uma região que é de tríplice fronteira, numa região estratégica, que é a região Amazônica, e isso pode ser um capital muito grande para a gente trazer instituições para próximo da gente e dessa forma internacionalizar a nossa universidade.

Diário – Nas inúmeras tratativas dos governos do Brasil e da França para consolidar uma cooperação transfronteiriça foi anunciada a construção de um centro de biodiversidade na Guiana Francesa. Sua Pró reitoria é resultado dessa decisão política dos dois países?
Paulo – Olha, se eu afirmar isso eu posso ser injusto talvez até com a própria história da Pró reitoria, mas o que acontece é que foi se percebendo a necessidade de termos um setor na universidade que cuidasse especificamente dessas cooperações, desses tratados, dessas aproximações e a partir da abertura do MEC para a possibilidade de ter novas pró reitorias. Essa foi uma das escolhidas dentro da gestão do professor Tavares.

Diário – E esse centro da biodiversidade do Brasil e da França, já existe?
Paulo – Olha, nós temos alguns projetos dentro da área de farmácia e biodiversidade, principalmente dentro do Mestrado e Doutorado de Biologia e Biodiversidade Tropical que é hoje um dos nossos programas de pós graduação mais fortes, é o mais forte na verdade, alguns projetos com a França, mas especificamente com a Guiana Francesa. Mas temos também outros projetos que são estabelecidos por outros grupos em que se vinculam em projetos com a Guiana Francesa.

Diário – Os franceses apostam muito nessa questão de estar num pedaço da Amazônia, tanto que na Guiana utilizam isso como uma marca, uma bandeira do turismo, com a inscrição ‘Guiana, a Amazônia Francesa’. Que informações já se tem sobre o conhecimento deles em relação à floresta?
Paulo – Obviamente eles mantêm alguma reserva. O Departamento Ultramarino Francês, por uma questão estratégica de estar dentro da Amazônia, onde mantém uma base espacial da União Europeia em Kourou, sabemos que desenvolvem uma série de pesquisas ali em relação à biodiversidade. De algumas pesquisas nós mesmos participamos, tanto que há dois anos recebemos pesquisadores na Unifap, e recebemos constantemente. Algumas dessas pesquisas são conjuntas, embora eles devam ter pesquisas que não necessariamente são trabalhadas em conjunto com a gente. A Guiana, o Departamento, não é uma colônia, mas no entanto há um histórico de colônia, a França tem um posicionamento bastante austero, imperativo eu diria, na relação que a gente estabelece com eles, o que é de certa forma entendível, pela forma como eles chegaram aqui. Nesse sentido eu acredito que tem sim certas pesquisas que eles não façam o compartilhamento, mas em contrapartida nós temos uma série de outras pesquisas com eles.

Diário – Há uma linha tênue nessa questão de cooperação, que tem a ver com soberania, é isso?
Paulo – Sim, sem dúvida. Assim como a gente pode ter pesquisas que não envolvam outros países ou outros grupos, eles também podem e devem ter. Mas um elemento que eu gostaria de frisar sobre a nossa região para demonstrar o quão fantástica ela é do ponto de vista internacional é que a América do Sul é majoritariamente ibero-americana, significa que grande parte do subcontinente sul-americano fala espanhol e justamente nessa parte chamada de Platô das Guianas que a gente vai ter a maior diversidade nesse sentido, nesse processo histórico. Se a gente olhar os países que integram essa região, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e aqui parte do Pará e Amapá a gente vai perceber que nós temos só de idiomas oficiais o espanhol, o inglês, o holandês, o francês e o português. A gente não acha esse tipo de diversidade em outras regiões dentro da América do Sul, aliás dentro da América Latina.

Diário – Daí esse destaque que o senhor deu no começo, sobre nossa localização?
Paulo – Sim, nós estamos na fronteira com o Suriname, onde não temos uma conexão terrestre, e fronteira com a Guiana Francesa. Nesse sentido, nesse olhar, a gente vai ver que o potencial que a gente tem para transformar, a partir do Amapá fazer pesquisas que colaborem para a aproximação do Mercosul com a União Europeia. E aí a gente vai pensar também na Guiana, em Georgetown, que é a sede da Caricom, que é justamente a organização dos estados Caribenhos, então é uma fronteira absolutamente interessante para pesquisa, em que quem tem feito a maior parte das pesquisas hoje é a Unifap e a ideia da PROCRI, e é o que a gente tem feito e tem dado muitos frutos, é aproximar com as instituições de ensino lá e ter desse diferencial na nossa instituição para pensar na América do Sul. A Argentina já tem um monte de pesquisas sobre. Bolívia também. Até a Venezuela também. Agora dessa outra parte não tem e a gente quer fazer esse diferencial dentro da Unifap.

Diário – Daí o processo de internacionalização, que também se chama de intercâmbio, então existe a possibilidade de alunos daqui irem para lá e vice versa?
Paulo – Exatamente. O processo de internacionalização tem a mobilidade como um dos grandes focos, mas você tem a construção de projetos conjuntos, o desenvolvimento de artigos científicos conjuntos, a busca por recursos para pesquisa internacional conjunto, então a ideia é a gente ter uma conexão com outras instituições em duas frentes: a primeira são as grandes universidades que a gente pode se aproximar e ser um espaço para pesquisa, para material, para biblioteca, para fazer doutorado, para pós-doutorado, enfim, mais voltados para essa relação da pesquisa. E a outra é o Platô das Guianas, que é justamente fechar um acordo nesses países que eu mencionei Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa com a Unifap e nesse sentido todo o nosso entorno geográfico numa espécie de consórcio, montando um bloco em que se pode trabalhar em conjunto nas mais diversas áreas.Eu fiz uma viagem pelo Platô e vi que tem já os memorandos de entendimento na mesa da Guiana, na Universidade de Georgetown, no Suriname, na única universidade que o país tem e na Guiana Francesa, onde a gente fechou o acordo a uns dois meses e meio atrás.

Diário – Fala-se também na Austrália também ser incluída nesse processo de internacionalização da Unifap, como está isso?
Paulo – A Austrália foi fruto justamente desse potencial que nós temos pois o mundo olha para a Amazônia como as vezes o próprio brasileiro não consegue olhar, vendo esse potencial muito grande. Eu estive num congresso em outubro do ano passado e o diretor de relações internacionais da Monash University, que é uma das 100 maiores universidades do mundo, me convidou e financiou a minha ida para a Austrália, para passar quinze dias lá para ver as áreas de aproximação que nós poderíamos ter para desenvolver um acordo conjunto. Na verdade já assinamos um acordo guarda-chuva, na verdade um memorando de entendimento, e a partir daí estão surgindo alguns projetos. Já enviei para uma professora de lá um projeto para financiamento da vinda de alunos de lá para cá e a ida de um professor e um aluno nosso para a Austrália, que é um espaço do outro lado do mundo interessantíssimo para a gente trabalhar, com certeza. Eles tem, por exemplo, aquela região da Ásia que estão lá pesquisando questões migratórias, terras indígenas, biodiversidade tropical, pois a gente tem que lembrar que a partir do norte da Austrália para cima a gente vai estar numa zona tropical, então isso tudo a gente pode desenvolver com conjunto.

 

Perfil…
/Entrevistado. O professor Paulo Gustavo Pellegrino Corrêa tem 36 anos, é natural de São Paulo (SP). Graduou-se em Ciências Sociais, pela Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) e possui Mestrado e Doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (Ufiscar). Começou a carreira como professor universitário, atuando na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) e depois no Centro Universitário do Senac, também em São Paulo. Ingressou, em 2013, por concurso público, para o quadro docente da Universidade Federal do Amapá (Unifap), atuando como professor de relações internacionais. Em outubro de 2014, assumiu a Pró reitoria de Cooperação e Relações Interinstitucionais da da universidade. 


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