Entrevista

“O Tumucumaque não pode ser um oásis, precisamos pensar no entorno”

Não bastassem todas as dificuldades em ter que ganhar a vida num país estrangeiro e com isso herdar uma série de preconceitos e desconfianças, o alemão naturalizado brasileiro Christoph Jaster tem a enorme responsabilidade de administrar o maior parque florestal do planeta, o Tumucumaque, que fica no Amapá, classificado como de importância biológica extrema, sobretudo no que se refere à conservação da biodiversidade da Amazônia Brasileira. Em uma conversa com o jornalista Cleber Barbosa, ele dá mais detalhes sobre a rotina de estar na maior unidade de conservação do planeta, num estado que já é tido como o mais preservado do país. Christoph Jaster também fala do processo de abertura do Parque para visitações públicas, uma grande expectativa que tem o setor de turismo do estado.


Diário do Amapá – O senhor já se reuniu com o trade turístico do Amapá. Quais projetos tem para este setor?
Christoph Jaster – Na verdade, era uma reunião do Conselho Consultivo do Parque, então é uma instituição legal, todo parque nacional precisa ter. O nosso existe desde 2005, então temos reuniões ordinárias, significa que existe toda uma rotina e estamos dando sequência e cada uma dessas reuniões. É sempre uma oportunidade para se discutir alguns assuntos de relevância quanto à gestão da unidade. Nós fazemos questão de compartilhar tudo o que acontece em termos de gestão, em decisão de manejo com a comunidade de uma forma geral.

Diário – Só para a gente entender. Então existem membros do trade que têm assento no Conselho do Parque?
Christoph – É. Se você está se referindo ao trade turístico existe sim um representante da Setur, Secretaria Estadual do Turismo, que tem cadeira titular no Conselho, mas existem outros momentos de interlocução com a Setur e com o trade turístico, que é no Fórum Estadual do Turismo do qual nós também fazemos parte.

Diário – Como essa atividade pode se desenvolver no Parque?
Christoph – Na verdade, essa questão do turismo ou do ecoturismo no Parque do Tumucumaque é de suma importância. Eu diria que é o principal pilar para criar alguma questão de sustentabilidade, pela existência. O Parque precisa promover a questão do desenvolvimento do entorno e justamente o trade turístico é um dos principais elementos para proporcionar essa realidade. O Tumucumaque não tem apenas a função de preservar aqueles ecossistemas que estão dentro do limite dele. Então a gente muito mais que isso volta o olhar para fora dos limites da unidade e com isso a gente abre um horizonte bastante amplo.

Diário – Em que direção?
Christoph – Em atividades que vão desde projetos de educação ambiental, como também a questão do ecoturismo que a gente gostaria muito de fomentar no estado. A gente percebe que o aproveitamento do potencial turístico do estado do Amapá, que é imenso, ainda não está se dando, então é preciso que haja um ajuste da questão do planejamento turístico em nível de estado com aquilo que nós planejamos fazer em termos de visitação ao Tumucumaque.

Diário – Tem que haver uma sintonia, é isso?
Christoph – Sim. Esses dois polos precisam se encontrar. Não tem como ser diferente. Nós não podemos atuar na esfera ecoturística de forma isolada, como se a gente fosse um oásis sem considerar o meio do entorno. Aí vem a responsabilidade do estado do Amapá de fazer um planejamento daquilo que está fora das unidades de conservação. Então a gente precisa juntar esses dois elementos que, tenho certeza, a gente pode montar um pacote de aproveitamento turístico extremamente favorável e que finalmente promova substancialmente um desenvolvimento econômico e melhoria das qualidades de vida da população do entorno.

Diário – Isso já começa a ser debatido, então, ou seja, há possibilidade de se organizar visitas monitoradas ao Parque?
Christoph – É. não só está sendo discutido como a gente já está começando a realizar. Nós chamamos diversos grupos para dentro do Parque, ainda em escala piloto e num caráter experimental, pois esse planejamento precisa receber os devidos ajustes. Não existe receita de bolo pronta para realizar esse tipo de coisa porque as especificidades são muito diferentes, muito particulares de unidade para unidade e, no caso do Tumucumaque, não existe nada pronto. Então a gente de fato está fazendo um trabalho pioneiro nessa área aqui na região, mas precisa acontecer.

Diário – O quanto antes, claro.
Christoph – Daí a importância dessa iniciativa, como disse, que vai além dessa preservação puramente ambiental da unidade que por si só já poderia justificar a existência do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, pela questão da preservação da qualidade dos rios, das florestas, pela regulação climática, pela manutenção dos recursos da biodiversidade, tudo isso. Esse seria o componente ambiental e ambientalista de se gerenciar um parque nacional. Só que é como eu lhe falei, é preciso abrir os nossos horizontes e incorporar outros elementos e se conseguirmos promover melhoria da qualidade de vida e desenvolvimento socioeconômico da região do entorno, automaticamente vamos trazer as pessoas para o nosso lado e convencê-las da importância da questão ambiental.

Diário – O que já seria um ganho e tanto…
Christoph – Se nós conseguirmos induzir uma mudança de hábito, uma mudança de pensamento no sentido mais ambientalista por parte da população de uma forma geral, esse seria o cenário mais fantástico e mais desejável de todo o nosso trabalho.

Diário – E que tipo de atividade o turista poderá desenvolver na visitação ao Parque, contemplação de pássaros, trilhas, arvorismo, é por aí?
Christoph – Exatamente. O Tumucumaque tem um ambiente florestal, então isso já predetermina um pouquinho do tipo de atividade que pode ser realizada. Num parque nacional composto principalmente de serra, como estive recentemente no Parque Nacional Serra dos Órgãos, no Rio, a questão vai muito pela prática de trilhas de montanhas, escaladas, contemplação da paisagem, etc.. No nosso caso, o elemento chave é a floresta, então o que pode ser visto nela é a observação de fauna e você mencionou a observação de aves, por exemplo, uma coisa que está se tornando cada vez mais popular, o birdwatching, e que já migra para uma faceta mais do turismo científico, que é interessantíssimo e que a gente também quer desenvolver, mas ao mesmo tempo não quer elitizar. A gente quer abrir um leque de oportunidades.

Diário –Você sabe que existem críticos à questão do Parque do Tumucumaque, desde lideranças políticas que questionam como ele foi concebido, bem como por eventuais compensações que o governo federal havia se comprometido em garantir ao Amapá. Em que pé está esse trabalho?
Christoph – Pelo que sei, está parado. Isso é lamentável porque sempre defendemos que essas promessas fossem cumpridas. Queria abrir uma ressalva. Eu não acho correto fazer uma negociação nesse estilo, ou seja, ah você quer preservar o meio ambiente, quanto é que eu ganho por isso? Meio ambiente não é barganha, meio ambiente é uma obrigação de cada cidadão por uma questão de tentar proporcionar um futuro melhor para a gente, para gerações futuras, para outras formas de vida, então deveria ser uma coisa óbvia no nosso comportamento e nunca um objeto de barganha. Por outro lado, já que foi conduzida essa negociação daquele jeito, fazendo-se uma série de promessasbem conhecidas e que não foram cumpridas, o que é uma pena, pois denigre a imagem do Parque, ajuda a criar um clima de oposição por parte da população em geral e isso tem que ser revertido e por uma questão de princípio, foi prometido tem que ser cumprido.

Perfil…
Entrevistado. O engenheiro florestal Christoph Bernhard Jaster é o chefe do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque desde setembro de 2003, mesmo ano em que concluiu seu Doutorado na UFPR. Mestre em Ciências Florestais Tropicais, título obtido em Goettingen, Alemanha, em 1996, trabalhou como consultor na área ambiental no Paraná e em outros estados do Brasil – Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Tocantins – até que, em julho de 2002, foi aprovado no concurso do Ibama. Tomou posse no cargo em maio de 2003. Nesse caminho, foi obrigado a abrir mão da cidadania alemã, já que, para ocupar cargos públicos no Brasil, é preciso ser brasileiro nato ou naturalizado. Ele pilota agora projeto de abertura do parque aviistações regulares.


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