Entrevista

Parte da culpa da perda de sono são aparelhos eletrônicos à noite.

Dormir mal é uma realidade para cerca de um terço da população, e o problema foi agravado para muita gente durante e após a pandemia, como afirma o médico e pesquisador Luciano Drager, presidente da Associação Brasileira do Sono


■ Dr. Luciano Drager é cardiologista, especialista em sono e atual presidente da ABMS.

 

Cléber Barbosa
Da Redação

 

Diário do Amapá – Enquando boa parte da população mundial e brasileira vem relatando problemas relacionados a um dos momentos mais revigorantes, o ato de dormir, dá pra dizer que a pandemia é a principal causa ou de fato existe um indicativo de que dormimos mal?
Luciano Drager – Parte da culpa da privação crônica de sono atual pode ser atribuída ao uso intensificado de aparelhos eletrônicos à noite. Eles emitem um tipo de luz que prejudica a arquitetura do sono, além de trazer conteúdos que excitam a mente. Mas também existem transtornos mentais que podem interferir qualidade do descanso de diversas formas, como ansiedade, depressão e bruxismo. Esses males têm afetado mais gente nos últimos tempos, e precisam ser tratados adequadamente.

 

Diário – E quais são os riscos de tratar insônia por conta própria?
Luciano – Vários pacientes fazem uso de substâncias ou medicamentos não aprovados ou que não mostraram eficácia para a insônia e, com isso, existe um atraso na busca de tratamentos eficazes”, conta Drager, nesta entrevista ao site Doutor Jairo. Essa mania de automedicação deve aumentar com a aprovação recente, no Brasil, de doses baixas de melatonina em produtos de venda livre. Esse hormônio tem sido indicado por médicos para quem trabalha em turnos noturnos ou se submete a mudanças de fuso horário.

 

Diário – Estamos mesmo vivendo uma epidemia de privação de sono? Existem dados que confirmam isso?
Luciano – Sim. Dados realizados antes da pandemia já mostravam um cenário preocupante: nos EUA, estimava-se que 1 em cada 3 adultos relatava dormirem menos do que 6 horas por noite. Realizamos um estudo em São Paulo com mais de 2.000 pessoas, no qual monitorizamos de forma objetiva a duração do sono (estudo ELSA-Brasil) e encontramos dados semelhantes: aproximadamente 27% estava tendo um sono com menos de 6 horas. A pandemia piorou a qualidade do sono de uma maneira geral e isto inclui, obviamente, a privação do sono, além de outros importantes distúrbios: insônia, bruxismo, pesadelos, etc.
Mas é importante destacar que esta piora não foi verificada para todos: pessoas que tinham privação do sono antes da pandemia, isto é, dormiam menos do que a necessidade para ter um sono reparador, tiveram oportunidade de adequar a quantidade e horário de sono com o trabalho remoto. Essa situação também foi observada nos adolescentes que tiveram a oportunidade de dormir um pouco mais pela manhã e driblar a situação fisiológica da idade, que é a tendência de atrasar o horário de sono com dificuldade para despertar pela manhã.

 

Diário – Quais são as principais causas dessa falta de sono suficiente ou de boa qualidade?
Luciano – Maus hábitos de sono, presenças de algumas doenças crônicas, como ansiedade e depressão, problemas familiares/financeiros, uso de álcool, uso excessivo de estímulos visuais e conectividade.

 

Diário – É verdade que o Brasil é um dos países com maior número de usuários de medicamentos para dormir?
Luciano – O Brasil certamente ocupa uma posição de destaque no uso de medicamentos com o intuito de melhorar o sono. Dois aspectos, aqui, precisam ser destacados: vários pacientes fazem uso de substâncias ou medicamentos não aprovados ou que não mostraram eficácia para a insônia e, com isso, existe um atraso na busca de tratamentos eficazes; ainda existe um uso excessivo de medicações que induzem uma dependência importante, além de não serem indicados para a maioria dos casos de insônia. Efeitos colaterais importantes também são uma preocupação. Estas medicações, chamadas de benzodiazepínicos, acabam sendo prescritas por anos aos pacientes sem uma avaliação adequada.

 

Diário – Muita gente se animou com a recente aprovação da melatonina pela Anvisa.
Luciano – A A melatonina é um hormônio produzido naturalmente pelo corpo humano. Ela está relacionada com a regulação do metabolismo ao longo do dia, o que inclui os períodos em que a pessoa está dormindo ou acordada. A indústria já sintetiza esse hormônio há muitos anos e, nos EUA, ela é encontrada de fato à disposição para compras sem receita.

 

Perfil

Luciano Ferreira Drager – Atualmente é Professor-Doutor do Departamento de Clínica Médica da FMUSP, Médico Assistente da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração InCor-HC-FMUSP.

 

Formação Acadêmica
– Graduado em Medicina (1998) pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Doutorado (2007) em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da USP, Pós-Doutorado (2009-2011) pela Johns Hopkins University, USA
Experiência e atuação no setor.
– Pós-Doutorado pela Johns Hopkins University, USA (2009-2011).
– Doutor em Ciências pela FMUSP (2007).
– Orientador permanente da Pós-graduação da Cardiologia e da Nefrologia da FMUSP.
– Médico Assistente da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração (InCor), HCFMUSP.
– Desenvolve desde 2003 pesquisas na área das consequências cardiovasculares dos distúrbios de sono.

Premiações
– Recebeu diversos prêmios entre eles o prêmio de Jovem Investigador pela American Thoracic Society (James B Skatrud New Investigator Award, 2011) InterAcademy Medical Panel Young Physician Leader (2012).
– É membro do Programa Jovens Lideranças Médicas da Academia Nacional de Medicina (2015-2020).

 


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