Entrevista

“Proibir o refúgio pode aumentar o contrabando de pessoas no Brasil”

Defensor Público João Chaves avalia medida tomada pelo Ministério da Justiça que passa a valer na semana que vem, inclusive para a fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, através do Amapá, e fala de implicações


 

Cleber Barbosa
Da Redação

 

Qual a sua avaliação dessa medida? Ela é eficiente para combater o tráfico de pessoas, que é o objetivo anunciado pelo Ministério da Justiça?

João Chaves – Não, essa medida não é eficiente e é, na verdade, um retrocesso na política migratória brasileira. É a maior mudança que nós temos na nossa política de refúgio nos últimos 25 anos. Ela é muito problemática, pois restringe o direito de pessoas solicitarem refúgio no Brasil, o que é um direito humano e reconhecido tanto no direito internacional como na lei brasileira. Além disso, essa medida, por impedir todas as solicitações de refúgio, suspender o direito, pode até mesmo aumentar o contrabando de imigrantes, que é o trabalho dos chamados “coiotes”. Ou seja, criando dificuldades, os coiotes podem se utilizar disso para aumentar a cobrança de pessoas migrantes e, além disso, criar novas estratégias ou novos trajetos migratórios. Essa medida é muito preocupante, pois o combate a fraudes e o contrabando de migrantes não pode se dar pela violação de direitos humanos, dentre eles o direito de solicitar proteção no Brasil..

 

Como a gente consegue combater esse contrabando de imigrantes sem violar os direitos humanos, como você acabou de dizer?

João Chaves – O combate ao contrabando de imigrantes – é o trabalho desses coiotes – deve ser feito a partir de investigação e cooperação internacional nos países de origem, tentando entender quais redes têm aliciado e cooptado pessoas para darem todas as suas economias em busca de jornadas tão longas e perigosas. Além disso, deve haver um trabalho de informação e conscientização sobre os riscos da migração irregular. A Defensoria Pública da União, por exemplo, preparou um extenso material de informação com vídeos e áudios para as redes sociais alertando os migrantes sobre os riscos. O mais importante é dizer que, se a pessoa está no território brasileiro, ela tem direito a solicitar refúgio. Não é automático, essa solicitação vai ser analisada pelo Conare, que é o Comitê Nacional para os Refugiados, mas ela tem direito ao menos de ser escutada, ouvida, e não simplesmente devolvida a um país onde ela pode correr riscos.

 

Nesse momento, o Aeroporto de Guarulhos tem 481 imigrantes retidos. Como o poder público tem lidado com essa questão e qual deve ser o destino dessas pessoas?

João Chaves – Essas pessoas ficam retidas não porque a Polícia Federal esteja deportando até o momento, mas porque não há capacidade de processamento das solicitações. O que a Defensoria recomendou foi um procedimento acelerado para diminuir essas retenções. E, além disso, enquanto elas estão na área restrita, que seja fornecida alimentação, um mínimo de dignidade para o acolhimento com cobertores, já que é um local muito frio, e banheiros, já que sequer há condições de manter higiene pessoal. Infelizmente, não temos ainda respostas. Há um compromisso do Ministério da Justiça e da Polícia Federal de aumentar a capacidade de processamento, mas é fundamental pensar que não se trata de uma crise pontual. A migração no mundo aumenta ano após ano, e é um fenômeno natural da vida. A migração irregular também, em especial porque os países, especialmente os países ricos, dos chamados norte-global, Estados Unidos e [da] Europa, criam dificuldades à circulação de imigrantes. Então, o Brasil não é o país desejado, mas é o país possível, onde as pessoas conseguem ter seus direitos reconhecidos.

 

Essa é uma medida que pode aumentar ainda mais o estigma em relação aos imigrantes?

João Chaves – Sim, há uma preocupação muito grande com relação a isso. O Brasil tem uma população relativamente pequena de imigrantes, menos de 1% da nossa população. E temos mais de 100 mil pessoas refugiadas. A forma como a medida foi anunciada foi precipitada, é uma medida, como eu disse, ilegal, bastante questionável e cria um pânico nas comunidades. É muito importante dizer que as pessoas que estão no Brasil têm direitos e serão defendidas pela Defensoria e pelas entidades da sociedade civil. Mas que não se crie a ideia de que o Brasil mudou radicalmente a sua lei de migração. Foi um ato do Ministério da Justiça que certamente será questionado pela Defensoria e outros órgãos e esperamos que haja uma alteração e a normalização dessa política.

 

Pode impactar quem já está vivendo aqui?

João Chaves – Não, não há impacto nas pessoas que vivem no Brasil. Nós sabemos que há toda uma discussão envolvendo a reunião familiar, de pessoas que estão no Brasil e querem que seus familiares venham ou esperam que seus familiares venham. Isso, sim, pode ter um impacto indireto, já que as pessoas não poderão ser sequer escutadas pela Polícia Federal de acordo com essa nova medida adotada.

 

Perfil

Joao Freitas de Castro ChavesPossui graduação em Direito (2003) e Mestrado em Direito (2006) pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é Doutorando em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do ABC.

Breve perfil profissional
-Possui graduação em Direito (2003) e Mestrado em Direito (2006) pela Universidade Federal de Pernambuco.
– Atualmente é Doutorando em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do ABC.
– É Defensor Público Federal desde 2010 com atuação na área de migrações e refúgio da Defensoria Pública da União, com participação missões de campo, redes de assistência jurídica a pessoas migrantes e colaboração com projetos de agências internacionais e instituições de pesquisa.
– Autor de artigos na área de direito migratório e dos refugiados.
– Coautor do curso “O novo direito migratório brasileiro”

Atualidade
– Organizador do Manual de Assistência Jurídica a Migrantes e Refugiados, ambos em parceria da DPU com a OIM – Organização Internacional para as Migrações. Áreas de interesse: infância migrante, migrantes em conflito com a lei, governança migratória e gestão de fronteiras, direito migratório.

 

 


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