Entrevista

“Queremos que o Amapá possa exportar sua produção para a Guian

O Amapá assiste a muito debates sobre a Comissão Transfronteiriça Brasil/Guiana Francesa, visando entre outras metas, a abertura da ponte binacional sobre o rio Oiapoque, uma ferramenta valiosa para o lento mas progressivo trabalho de aproximação das autoridades francesas e brasileiras, pois as populações dos territórios amapaenses e guianenses há muito se relacionam. Uma dessas autoridades é a embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis, do Ministério das Relações Exteriores. Ela se tornou uma aguerrida defensora dos interesses nacionais e amapaenses em toda essa discussão sobre como a ponte poderá ser melhor utilizada, seja para o turismo, seja para as trocas comerciais que o Brasil e o Amapá querem fazer a partir da proximidade com a Guiana Francesa. Mais que isso, é o Mercosul fazendo fronteira com a União Europeia.


 


 

Diário do Amapá – Quando que o Amapá passou a fazer parte de sua agenda de trabalho, embaixadora?
Edileuza Fontenele – Quando eu fui nomeada diretora do Departamento da Europa do Ministério das Relações Exteriores, em janeiro de 2006. As nossas relações com a Europa envolvem certamente essa maior fronteira que a França tem, que é com o Amapá. A Guiana Francesa é um território do tamanho de Portugal e é, portanto, a maior fronteira que a França tem com qualquer outro país do mundo.

Diário – É uma situação que a senhora diria surpreendente ou inusitada, exatamente com o Amapá, um estado tão distante dos grandes centros brasileiros?
Edileuza – Isso é motivo de muito equívoco por parte dos europeus que quando indagados sobre a maior fronteira com a França eles sempre dizem a Alemanha ou outro país europeu, pois ninguém pode imaginar que essa maior fronteira seja de fato com o Brasil.

Diário – E sua primeira missão envolvendo o Amapá foi exatamente qual?
Edileuza – Desde 2006 eu venho trabalhando nesse projeto muito importante da relação da construção da ponte sobre o rio Oiapoque. Constituímos dois acordos, um deles sobre a construção da ponte, em 2005, e muito graças ao empenho do então senador José Sarney. O acordo foi aprovado no Congresso Nacional em tempo recorde e já em janeiro de 2006 eu iniciei os trabalhos com a comissão técnica constituída por representantes do Ministério dos Transportes, do Dnit, por representantes do Ibama, da Secretaria da Receita Federal, da Polícia Federal para trabalhar nos diferentes aspectos da construção da ponte e seus postos de fronteira.

Diário – Além dessa situação até surpreendente para os europeus de que a maior fronteira da França é mesmo com o Brasil a construção dessa ponte representa de fato a possibilidade do Mercosul fazer negócios com a União Européia através da fronteira comum que têm o Amapá com a Guiana Francesa?
Edileuza – Olha, as nossas exportações para a França estão dentro do sistema de comércio do Brasil com a União Europeia de modo que não há a menor dificuldade. Quanto ao Mercosul nós precisamos ainda trabalhar e é o que estamos fazendo no momento para avançar nas negociações de associação do Mercosul à União Europeia. Essas negociações se iniciaram em 1999, depois foram interrompidas em 2006, justamente por causa de outras negociações mais amplas que eram as negociações da Rodada de Doha, que acabaram não sendo, pois estão paralisadas, o que fez com que o Brasil, o Mercosul e a União Europeia decidiram avançar nas negociações.

Diário – Mas e com relação à fronteira propriamente dita, ou seja, Amapá e Guiana Francesa, Oiapoque e São Jorge, o que se pode esperar em termos dessa relação?
Edileuza – Isso foi tratado também no contexto dessa comissão intergovernamental transfronteiriça Brasil-França, sobre as possibilidades de ampliação do comércio. Com a ponte, nós vamos ter um veículo extraordinário, ou seja, um mecanismo de integração física entre o Amapá e a Guiana Francesa e, portanto entre o Brasil e a França. Nós discutimos com o lado francês essa possibilidade e eu sempre insisto nessa relação com eles que essa circunstância especial de um país europeu, membro da União Europeia ter uma fronteira com um país da América do Sul é uma circunstância muito especial e no momento em que nós temos problemas e dificuldades naquela região temos que encontrar soluções especiais.

Diário – Nessa hora os interesses particulares falam mais alto, a senhora diria isso?
Edileuza – Nós não podemos ficar nesse jogo de que quando interessa à França ela é um país amazônico e quando não interessa ela é um país da União Europeia. Nós discutimos isso. Nós podemos exportar carnes e vários outros produtos para a França então por que o Amapá não pode exportar para a Guiana Francesa? Os produtos brasileiros chegam na Guiana Francesa via França. Eles saem daqui, vão para a França e voltam para a Guiana Francesa, então há certamente o encarecimento considerável dos produtos.

Diário – E qual a solução que se tem em vista?
Edileuza – O que ocorre é que a carne brasileira quando entra na França é submetida a um novo regime de inspeção sanitária e era essa a razão alegada para a não exportação pela Guiana Francesa. Só que no contexto da construção da ponte nós já estávamos estabelecendo postos de fiscalização sanitária, fitossanitária, com a Anvisa do nosso lado e com o órgão correspondente do lado francês.

Diário – Ou seja, uma luz no fim do túnel já é possível se observar no quesito trocas comerciais?
Edileuza – À luz dessa minha ponderação, ficamos de verificar a possibilidade de instalação do lado francês, na Guiana, de um posto de fiscalização sanitária nos mesmos moldes daquele da França que faz a análise dos produtos agropecuários brasileiros que são exportados para a França. Com isso, abre-se uma porta, uma nova passagem de entrada para a França e também para a União Europeia.

Diário – Para uma diplomata de carreira como a senhora, como é atuar e certamente trocar informações com colegas a respeito de um caso tão emblemático quanto esse do Amapá e a Guiana Francesa, afinal para a construção da ponte foram necessários muitos outros trabalhos diante dos desdobramentos de legislações diferentes e tantas outras peculiaridades?
Edileuza – Esse aspecto que você mencionou da relação do Brasil com a França é apenas um item da nossa relação com a França, que vai da mosca da carambola à questão de marcos de fronteira, além de questões de saúde, educação, de segurança, isso só para falar no dossiê transfronteiriço. Com a França continental temos relações antigas, consolidadas, mas que passam por constantes revisões, pelo desenvolvimento dos dois países. O Brasil hoje para a França é um parceiro de extraordinária importância, pois a economia brasileira já é praticamente do mesmo tamanho da economia francesa, sendo que o Brasil tem um espaço de crescimento ainda extraordinário enquanto que a França já cresceu praticamente tudo o que podia crescer e para manter taxas de crescimento terá que fazer muitos esforços.

Diário – Os problemas registrados com brasileiros que teriam sofrido maus tratos em território francês deram que contribuição para que se chegue a um termo e que fatos dessa natureza, de violações dos direitos humanos nunca mais se repitam?
Edileuza – A proteção aos brasileiros no exterior é uma prioridade da política externa brasileira e nesse sentido nós ampliamos consideravelmente a nossa rede de repartições consulares no exterior. No caso específico da Guiana Francesa, nós já temos uma repartição consular e designamos para ela um agente policial para trabalhar em estreita cooperação com o lado francês na solução de problemas envolvendo brasileiros. Estamos negociando com a França um acordo de cooperação na área de imigração onde nós vamos instituir um grupo de trabalho entre autoridades do Brasil e da França para discutir os problemas específicos de brasileiros com dificuldades em situação irregular na França e também no território da Guiana Francesa. Estamos avançando consideravelmente no encaminhamento de todas essas soluções sempre tendo presente que a proteção dos direitos dos brasileiros e a assistência a eles no exterior são uma prioridade absoluta da política externa brasileira.

Perfil…
Entrevistado. A embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis, do Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty, é natural de Fortaleza (CE), decidiu ingressar na diplomacia ao completar o curso de Jornalismo, daí inscrever-se no Instituto Rio Branco, único no país na formação de diplomatas. A carreira é sua maior realização profissional. É autora de um tratado importante sobre os brasileiros no Japão, publicado em edição trilíngue (Português, Inglês, Japonês), que condensa o que se sabe sobre os nossos patrícios que vão ganhar a vida no país asiático, obra referência internacional. Casada com o colega Fernando Reis, formam o primeiro casal de embaixadores na história do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.    


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