Esportes

Das ruas ao tatame: Rafaela, um diamante lapidado com pés no chão

Campeã mundial supera infância humilde na Cidade de Deus e desponta como melhor (e pior) exemplo para crianças da comunidade carioca


Naquele tempo ter chinelos era luxo. Para quem tinha um par, abrir mão dele para poder brincar descalça representava o risco real de voltar para casa com os pés no chão. Rafaela, moradora nova, virou vítima das circunstâncias. Passou um mês chorando para o pai, pedindo outras sandálias. A culpa não era dela! Os meninos da rua que a tinham roubado! Quando finalmente venceu Seu Luiz Carlos pelo cansaço, mal teve chance de aproveitar. Ficou de novo sem calçado. Apanhou em casa. E aprendeu na marra uma lição que moldaria sua personalidade.

– Eu gostava de soltar pipa, jogar bola… e eles roubavam minha linha, meu chinelo… Eu fiquei um mês inteiro chorando. Meu pai falou que era caro e não podia me dar. Fui chorando, chorando, ele deixou de comprar coisas para a casa, foi e me deu o chinelo novo. No mesmo dia fui brincar de pique-esconde e o levaram. Cheguei em casa, tomei uma surra. Aí aprendi a ser esperta aqui na rua também para sobreviver.

A necessidade de se impor fez de Rafaela Silva uma lutadora ainda criança. A agressividade aflorada nas brigas pela vizinhança foi disciplinada através do judô, e a menina que superou a pobreza em uma das comunidades mais violentas do Rio de Janeiro tornou-se campeã mundial. Das ruas para o tatame, da Cidade de Deus para o mundo, um talento natural tão latente que resiste mesmo diante de uma postura considerada um tanto displicente para um atleta de elite.

Vai do pior ao melhor exemplo para os aprendizes do polo de Jacarepaguá do Projeto Reação, onde foi revelada – sendo descuidada com a alimentação e preguiçosa em relação aos treinos, mas tida como maior símbolo de sucesso de uma população marcada pela falta de perspectivas e estigmatizada pelas telas de cinema.


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