A grande novidade nas Letras amapaenses é a publicação de cinco poemas de Joãozinho Gomes, na Revista Brasileira – publicação trimestral da Academia Brasileira de Letras – editada por Marco Luchesi, quem faz diretamente o convite a que Joãozinho revele naquela revista seus textos. Publicação importante para a confirmação de talentos literários, mas, sobretudo pelo caráter de lançamento de novos escritores, em gêneros como ensaio, narrativa (ficção) e poesia, esta edição da Revista Brasileira, por exemplo – fundada em 14 de julho de 1855 e ainda na ativa, coisa raríssima entre revistas literárias –, apresenta ao leitor nomes consagrados como os de Celso Lafer, Ana Maria Machado, Alfredo Bosi e Evaldo Cabral de Mello. Na seção de poesia, Joãozinho Gomes aparece editado ao lado de Age de Carvalho, Antonio Fabiano e Marcelo Benini. No caso de Joãozinho Gomes, trata-se de sua primeira publicação em revista de circulação nacional, e logo uma secular e aristocrática, que potencializa a arte do poeta de A Flecha Passa (seu primeiro livro de poemas, que saiu em 2014) e o apresenta solenemente para o grande público.
A despeito de ser canônica e até protocolar, como sua própria história conta – revista na sua oitava fase, que já lançou as Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, O diário de Lázaro, de Fagundes Varela, além de anunciar ao público importantes nomes da crítica literária como Silvio Romero, com sua Introdução à história da literatura brasileira, o germe do que seria mais tarde sua História da literatura brasileira –, a Revista Brasileira da Academia Brasileira de Letras tem também a preocupação de lançar novos nomes e obras nacionalmente, assim como os poemas publicados de Joãozinho Gomes, que são inéditos e fazem parte de seu novo livro de poemas: Sendas de Ápacam. E esse talvez seja o grande condão da Revista Brasileira, que não é outro senão mostrar o que de novo se está produzindo no campo literário.
Cinco são os poemas de Joãozinho Gomes presentes nesta edição da Revista Brasileira: “As Torres Do Teu Último Castelo”, “Dérame e Midera”, “É Difícil”, “Seteiros de Outubro” – que acompanha uma versão manuscrita e autografada do poeta [1]– e “Eito de Heitor”. Nesses poemas, ainda ecoam as vozes mitoeróticas evocadas em A Libido de Érato – outro inédito de Joãozinho Gomes, com ilustrações de Paulo Flores e, por mim, prefaciado – e em boa parte da obra poético musical deste artista que somente agora, depois de carreira consolidada na área musical, como importante letrista da música brasileira, avança para alcançar o reconhecimento (ao mesmo tempo tardio e merecido) com sua lavra literária.
Já o poema “O Banho de Ápacam” – que não está na Revista Brasileira, mas certamente orienta os caminhos do livro inédito (Sendas de Ápacam) –é vencedor do premio literário do 50° FEMUP, Festival de Música e Poesia de Paranavaí, no Paraná, em 2015. Tal poema tem uma epígrafe do próprio Joãozinho Gomes, que demonstra a necessidade do novo e da ousadia que esta novidade encerra: “o que o meu olhar nunca viu/ eu acho (deveras) pai d’égua…” O que o leitor ainda não viu – pelo menos pra ficarmos restritos à obra poética de Joãozinho Gomes – certamente vai achar muito pai d’égua. Mas não estamos de todo cegos, graças à Revista Brasileira, que nos brinda com cinco gotas do que será “O Banho de Ápacam”. E o mundo ainda não está todo perdido, com suas cidades todas arrasadas por conta da poesia e do poeta, este sempre um Buda messiânico.
O nome “Ápacam” é um neologismo que também funciona como palíndromo de Macapá, lido de trás para frente. Na verdade, trata-se de um banho curativo e sedutor cujo corpo é a cidade, seus espaços e sua gente, todos faltos dessa imersão que salva o mundo e renova os ciclos; mundo, aliás, sintetizado na cidade de Macapá, única capital brasileira banhada pelo rio Amazonas. A propósito, o banho, o rio e a cidade estão sempre presentes no longo poema, inclusive no início genesíaco (“Agora Deus ergue/ o rio amazonas/ em sua cuia de prata/ e derrama-o/ sobre a cidade”) e no fim apocalíptico (“A cidade/ em sua gente! Não vielas/ sujas, encrostadas,/ a cidade em sua gente/ reformando-se… banhada!”). Mas, como se sabe, tanto um palíndromo quanto um livro sagrado não se encerram no fim, mas oportunizam a transformação do Verbo em carne, o que no caso do poema de Joãozinho Gomes é operado pelo grande rio, fluente em todas as línguas, em todos os verbos, em todas as carnes.
Reportagem: Yurgel Caldas
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