Nota 10

Museu Gertrude Saturnino recebe rico acervo escrito sobre a história do negro, inclusive no Amapá

Dona Rossilda, 80 anos de idade, é a parteira e bezendeira mais conhecida do quilombo do Curiaú. Naquela comunidade o respeito à sabedoria popular ainda é vivo.


Referência em relação à saúde do corpo e da alma, os moradores buscam os cuidados de dona Rossilda antes de ir para postos médicos. Na última contagem que fez eram mais de 115 os filhos do Curiaú nascidos por suas mãos. Nessa contagem não entram os bebês de outras paragens do Amapá. Dona Rossilda é uma entre tantas referências do estado, cuja história vivia na invisibilidade e que, só recentemente, foi revelada por meio do Trabalho de Conclusão do Curso de História, de Isis Tatiane dos Santos. Isis doou, na manhã de quinta-feira, 11, seu trabalho de pesquisa ao Museu do Negro Gertrudes Saturnino.

O museu é vinculado ao Improir, que, junto com representantes sociais, lançou o movimento Nação Marabaixeira, para potencializar e dar visibilidade ao museu e fortalecer, resguardar e salvaguardar a história do negro do estado do Amapá. O museu recebeu doações das primeiras obras escritas que passam a compor o seu acervo de memória e que estão disponíveis ao público para pesquisas. O momento foi mais que simbólico.

O sambista Carlos Piru também doou Professor Alci Jackson“Macapá estava precisando de um espaço para salvaguardar o conhecimento do povo negro. Quando fiz meu trabalho sobre as benzedeiras do Amapá, me deparei com a falta de fonte, de referência bibliográfica, porque não tem história registrada, assim, me pautei na oralidade. O estado é carente de escrita nossa, da nossa historiografia”, comentou Isis, doadora do TCC sobre o tema “A invisibilidade das benzedeiras e rezadeiras quilombolas do estado do Amapá”.
Carlos Augusto Moreira fez a entrega de seu trabalho de pesquisa movido de emoção, porque é a história da mãe dele que está registrada: Obras e Visões de Mãe Dulce. “Fiz meu TCC sobre a minha mãe, a mãe Dulce, a primeira umbandista do Amapá, que abriu o primeiro terreiro de mina do estado. Nossa família sofreu uma grande segregação religiosa, era o ano de 1963, e nós, filhos, ainda garotos, sofremos muita discriminação na escola e em todos os lugares. Esse TCC é para dar visibilidade ao trabalho de mãe Dulce às novas gerações, e o corpo mediúnico do terreiro se sente feliz por ter a história dela registrada e agora sob o domínio público”.
Negro não é só tambor, mas ele usa o tambor para celebrar cada conquista. Quando se fala de negro se deve falar da sua altivez empreendedora, das comunidades tradicionais e quilombolas, da sua cultura e religiões, de toda a diversidade que circundam esse povo. São esses viés que o movimento Nação Marabaixeira busca resgatar. A campanha está chegando longe, mais de 20 trabalhos, entre científicos e livros, já foram doados ao museu e tem gente de todo o Brasil e de outros países querendo doar, contam os coordenadores do movimento.
“Quero parabenizar a iniciativa do Improir e dos movimentos, diante de uma ação que terá uma repercussão grande na ajuda da implementação da Lei 10.639/03. São pesquisas nossas, do nosso povo, que vão mostrar as histórias que a gente não conhecia. Passei sete anos para terminar de escrever meu livro, por conta das informações desencontradas. Nossa educação está permeada de mentiras sobre a população negra. Foram mais de mil anos falando mentiras vindas de autoridades religiosas e políticas – padres, freis, papas, reis. Então, essa iniciativa abalará muito a sociedade intelectualmente, pedagogicamente, culturalmente, didaticamente, para tentar evidenciar a inteligência no negro pelo viés científico, e não macular a sua imagem como maculam nos livros didáticos, como macularam gerações e gerações de professores mal formados. Que seja a semente, que seja o ambrião que crescerá e ganhará mais força”, reforçou o professor pós-graduado no Ensino da Cultura Afro-Brasileira, Alci Jackson. Ele doou o livro de sua autoria “A Cultura Negra no Amapá: histórias, tradição e políticas públicas”.
A gerente do Museu do Negro Gertrudes Saturnino, Christiane Farias, diz que o espaço está aberto para receber mais trabalhos bibliográficos. “Interessados em fazer doação podem enviá-los à sede do Improir/Museu do Negro. O museu também está recebendo doações de livros, roupas, acessórios, artesanatos, tudo que for da cultura negra e que possa enriquecer nossa história. O Improir fica localizado na Av. General Osório, 365, terceiro andar, próximo à Igreja São Benedito, bairro Laguinho; ou ainda entrar em contato pelos fones (96) 99175-9142 ou (96) 99113-8770”.

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