“Na época do Forte Cumaú o Amapá era milionário”, diz historiador
Conversamos com o geógrafo e historiador Marlus Carvalho, que acaba de lançar o livro Santana da Amazônia, em que revela o papel estratégico da região onde hoje está Santana na colonização da região amazônica

Cleber Barbosa
Da Redação
Diário do Amapá – Primeiro parabéns pelo lançamento do livro professor, o senhor se aprofundou num período de que se tem poucos registros e fontes, um intervalo entre o famoso descobrimento do Brasil em 1500 até a fundação da cidade de Macapá?
Marlus Carvalho – O Santana da Amazônia, inicialmente, ele veio para suprir um hiato da história colonial do Amapá, especificamente do município de Santana. Todos sabem que você tem pouco material acadêmico de fontes originais tratando sobre o município. No decorrer da pesquisa, deu pra perceber que a região, que nós chamamos de sertão tucujus, ele acabou sendo um epicentro de uma disputa internacional das cinco maiores potências do mundo, da época, foi decisivo pra geopolítica mundial na época, e acabou resultante das disputas, sobretudo sobre Forte-Cumaú, que foi o último baluarte, era uma espécie de sede deles, definindo toda a configuração territorial dessa parte de cima da América do Sul, da Amazônia pra cima. Os derrotados criaram as Guianas, os três povos que foram vencidos pelos luso-brasileiros criaram as Guianas, houve a separação de Portugal e Espanha, definindo também as fronteiras amazônicas entre a parte espanhola e brasileira, então o livro revela um pouco isso, a contribuição de Santana e do Amapá para configuração territorial da própria América do Sul.
Diário – As cinco potências, então, Portugal e Espanha, que acabaram predominando aqui pra América do Sul, as três Guianas, Holanda, Inglaterra, e qual foi a outra?
Marlus – A França. O livro começa em 1498, mas é feito um remake um pouco anterior, lá pra 1200, 1300, porque ele explica como é que se deu a conjuntura europeia, a geopolítica europeia, que vai dando desdobramento nos acontecimentos a partir de 1498, para se entender porque que o Amapá surgiu. A gente sempre fala assim, ah, o pessoal veio e chegou. Não, houve tratados, houve acordos, houve guerras, houve avanços e recorros das potências e o local foi ocupado porque, em um período de guerra, era um local tático, né, e para alguns estratégicos dentro de uma estratégia mundial de dominação da época. Então, eu acho que esse é o grande complemento do livro. Ele cria um primeiro desenho, um primeiro esboço de uma explicação técnica, científica de como foi que surgiu o Amapá.
Diário – O Forte Cumaú, ele é anterior à Fortaleza de São José de Macapá em 130 anos, então dá pra concluir que Santana é mais antigo que Macapá?
Marlus – Sim, e pensar que na época os territórios eram também distintos, né, Santana fazia parte do que chamavam de Brecht e nós chamávamos de Sertão Tucujus, então a territorialidade da época abrangia Santana e Mazagão, esse era o epicentro, houve outras tentativas em Oiapoque, mas eles não conseguiram se consolidar lá, ficavam três, quatro meses e os índios iam e conquistavam, teve uma mais insistente lá, mas o grosso foi nessa região, sim, essa região é pelo menos um século e meio mais antiga que Macapá.
Diário – As duas etnias indígenas que atuavam na região faziam trocas comerciais ali que se fossem números atuais, era na ordem de milhões de reais, professor? .
Marlus – Na época que eu fiz o livro, cada navio despachado de 60 toneladas, um patacho, movimentava R$ 68 milhões [valor hoje], como a base de troca deles era ouro, você pareando pelo padrão ouro de hoje, que subiu desde quando eu finalizei o livro, chega a R$ 80 milhões, então você tinha cinco feitorias aqui, somente aqui, fora as que existiam no Mazagão, o Amapá era milionário, tanto que o fundador do Forte Cumaú escreveu um documento, um artigo publicado, que ainda está conservado hoje na Inglaterra, em que ele dizia o seguinte: só tem dois locais no mundo em que estamos ganhando dinheiro, nas 13 colônias, antigo Estados Unidos, e no Amapá, mas no Amapá é melhor!
Diário – E eles se referiam assim? Não era assim que chamava à época, não é? Ainda não era Amapá?.
Marlus – Não, não, o Amapá ele foi constituído dessas primeiras feitorias pela iniciativa privada, então cada um fazia a defesa, a propaganda, a divulgação da sua feitoria, ele estava fazendo essa feitoria do Forte Cumaú, mas aí veio outros, do Patacu, Forte Filipe, por isso que chamam de Forte Filipe, né? É de Rio Filipe, é a frente da cidade, que está no nosso hino [de Santana], inclusive? E existia um local, até mais próspero, e quando a gente fala Mazagão, é o litoral de Mazagão, não o Mazagão atual. Pois é, então tem essa contribuição. O litoral do Mazagão era bem próspero também.
Diário – E tem essa contribuição do Forte Cumaú, dos indígenas que atuavam que esse jeito que o indígena recebia o visitante, não é?
Marlus – Em todo o Brasil, como a etnicidade é Tupi Guarani, e ela é uma etnia que tem, por primazia, a guerra, e são antropófagos [que come carne humana], para o português chegar e transformar de forma produtiva qualquer espaço no Brasil – por isso que a maioria das capitanias hereditárias fracassaram – teria que primeiro haver guerra e subjugação, defesa, proteção, para depois você começar a tentar produzir. Então, era um custo elevado para conseguir fazer isso. Aqui não éramos Tupis. Tudo indica que nós todos eram nações aruaques. E os aruaques são relacionais, eles gostam de comerciar. Tem documento de 1604 que diz: “olha, quando nós chegamos eles até queriam fazer trocas, mas primeiro querem levar a gente para comer, para almoçar. A gente quer negociar com eles, eles querem brincar com a gente, mas também não gostam que a gente se meta na vida deles”. E eu achei curioso, porque é muito próximo com a característica, com o ‘ethus’ [costumes e hábitos] amapaense de hoje, que acolhe todo mundo, que é muito aberto para o mundo, mas que a gente não gosta quando começam a falar mal do Amapá, né? [risos]
Diário – Essa etnia que o senhor falou, aruaques?
Marlus – Aruaques. Comedores de farinha, significava esse nome. [mais risos]
Diário – E o tucujú?
Marlus – O tucujú, vamos pensar assim, o aruaques é como a gente falasse América Latina, é o conjunto. Dentro da América Latina tem vários povos que falam o espanhol, o argentino, o paraguaio. Então dentro de todos os aruaques você tinha vários governos falando a mesma língua, tendo a mesma cultura, mas sendo governos diferentes. O tucujú era um, o aruás eram outros. Os maruanuns, que era a nação indígena mais dominante na região de Macapá, entre 1500 e 1600, todos eram aruaques.
Diário – E o olhinho puxado dessas etnias forjaram o jeito amazônica até hoje? Isso é derivação desses povos, eles terem vindo migrando, passaram lá por cima, estreito de Bering, foi assim que eles chegaram no continente americano?
Marlus – Sim, e isso é uma outra coisa que nós temos que nos orgulhar. Então você imagina que as migrações que de fato ocuparam a América do Sul, elas sempre vinham do norte para o sul. Se discute como elas faziam esse movimento, mas a direção ninguém contesta. Então os primeiros povos a ocupar o Brasil, passaram pelo Amapá. Por quê? Porque quando você atravessa o eixo do Panamá, você vai dar de cara com cordilheira dos Andes, aí você tem que contorná-la. Ou você contorna para a direita ao sul e segue em direção à Argentina e Chile, ou você contorna para a esquerda, né? Em direção a oeste e você vai bater Colômbia, Venezuela, Guianas e Amapá.
Diário – Já teve achados arqueológicos mostrando que esses povos originários dominavam a tecnologia, inclusive, para construir embarcações e conseguiram navegar literalmente para chegar aqui, né?
Marlus – Sim, é comum você vê, inclusive, material arqueológico caribenho no Amapá, porque eles faziam essas relações de trocas. Era um povo que era, eles caminhavam, com certeza, para um nível de complexação, de construção de uma construção civilizatória. Eles seriam uma nação como os Incas e outros, com certeza.
Diário – Tem uma coisa que está dando o que falar e o senhor precisa fazer uma visita lá, viu? Nesse projeto turístico e cultural de revitalizar a residência governamental, tem achados arqueológicos ali impressionantes. O senhor já deve ter ouvido falar também, né, professor?
Marlus – Sim, eu já estive três vezes, porque esse material de pesquisa acaba, de certa forma, ajudando os colegas coirmãos da arqueologia, porque ele aponta alguns caminhos. Acho que ainda tem mais três fortificações inéditas, ainda não alcançadas, que, por conta desses estudos, apontam aproximadamente uma direção. E aí, como marcaram o seu ponto. Muito bem. É interessante esse material dentro da residência do governador, que ele dá alguns ineditismos, pelo que o Kleber me falou, né, que é o arqueólogo que está lá.
Diário – Ele já está disponível? Como é que as pessoas podem acessar?
Marlus – Entrando no Google, clica no Santana da Amazônia, tem um link que segue direto para lá. Físico, você compra digital, chega na sua casa a R$ 12 e eu sei que tem muita gente que não tem dinheiro para comprar livro. Um pouco abaixo tem um link para você baixar ele em PDF gratuitamente, foi minha condição, para poder espalhar o máximo possível.
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