Nota 10

Nilson Montoril é sepultado, mas entre os vivos fica a imortalidade de suas obras

Intelectual amapaense, fulminado por ataque cardíaco, deixa grande legado no rádio, jornalismo, cultura, educação, música e literatura


 

Douglas Lima
Editor

 

Às 17h desta quarta-feira, 29, no cemitério Nossa Senhora da Conceição, na área central de Macapá, foi sepultado o professor Nilson Montoril de Araújo, que aos 78 anos de idade deixou todo um legado em vários setores da vida amapaense, principalmente na cultura, radialismo e jornalismo

Professor Montoril, como era mais conhecido, tinha na História uma das maiores paixões de sua vida. Era um homem atualizado do presente, do passado e do futuro. Conhecia a História amapaense como ninguém, mas também discorria com facilidade sobre qualquer país.

Thony Vasconcelos, que operou durante os últimos oito anos no programa de rádio ‘Coisas Nossas’, apresentado por Montoril, mas que o conhecia há mais de três décadas, diz que ficou impressionado, certa vez, em 1990, logo que conheceu o professor que, falando na rádio sobre as profecias de Nostradamus, disse que eclodiria uma Guerra no Golfo Pérsico. “Na mesma semana foi iniciada a Guerra do Kuwait”, relembra o operador de áudio.

Nilson Montoril pertencia à Academia Amapaense de Letras, que neste ano de 2023 completa 70 anos de existência. Ele era o decano da entidade e escolhido por unanimidade, recentemente, como presidente de honra.

“Infelizmente, quando estamos nos preparando para a festa dos 70 anos de fundação da Academia, programando eventos, inclusive com entrega de placa de homenagem especial ao professor Nilson Montoril, ele nos deixa. Seu legado de trabalho, firme caráter, sua inteligência brilhante e talento para contar histórias hão de ficar em nossa memória. Nós da Academia Amapaense de Letras temos essa referência acadêmica na figura austera, dinâmica e muito competente do professor Montoril”, escreve o escritor Paulo Tarso.

 

Acompanhe, a seguir, depoimentos sobre Nilson Montoril de Araújo.

 


Padre Paulo –
O Nilson Montoril foi um Mestre. Poucos escreveram sobre o Amapá como ele.  O professor Nilson Montoril não só escreveu e pesquisou a História do Amapá, mas dela foi protagonista. A cultura, a educação, o rádio, a literatura e todos nós perdemos um baluarte. Crescemos ouvindo os seus contos, causos e prosas, seja do meio do povo, como do meio politico. O Nilson conheceu e foi amigo de todas as autoridades do Território Federal do Amapá e depois do Estado. Deixa uma enorme lacuna para a sociedade amapaense

 


Escritor Fernando Canto (presidente da Academia Amapaense de Letras) –
Eu diria que por trás daquela cara sisuda, do olhar austero e nem sempre amigável, existia um homem inquieto em seu gênio de pesquisador sério e comprometido com a verdade histórica. Nilson Montoril de Araújo exerceu plenamente sua missão intelectual, que foi trazer a público a melhor compreensão das instituições que trabalhou, criou e conduziu, com a maestria de um administrador que de fato foi. De escoteiro a radialista esportivo, de compositor de marchinhas de carnaval a exímio tocador de harmônica, sem contar com seus préstimos de professor, simpatizante do Carnaval, articulista, dramaturgo e escritor, entre tantos atributos intelectuais. O intelectual Nilson Montoril deixa o legado de homem que ousou fazer e construir, além de proporcionar nos seus escritos a memória e a identidade amapaense, tão importantes para a formação do nosso povo.

 


Professor Paulo Tarso Barros –
A infância do professor Nilson Montoril em Macapá foi rica em brincadeiras e amizades que se estenderam para o resto da vida e que lhe possibilitaram ser testemunha de muitos eventos que posteriormente serviram de inspiração para os seus trabalhos de pesquisador que ele incansavelmente foi divulgando ao longo dos anos, tendo sempre grande receptividade do público carente de informações sobre esta terra. Foi uma testemunha da vida social e cultural do Território Federal do Amapá e de sua transformação em Estado.

 


Thony Vasconcelos, operador de áudio –
Lembro do professor Nilson Montoril pelo conhecimento e cultura que ele mostrava nos programas que apresentava. Certa vez, em 1990, tratando das profecias de Nostradamus, ele falou de um conflito que aconteceria no Golfo Pérsico; na mesma semana eclodiu a Guerra do Kuwait. Fiquei impressionado com aquilo e me tornei admirador do professor Nilson. Anos depois, passei a operar continuamente o programa dele, ‘Coisas Nossas’.

 

Sábado, 25 de março, professor Nilson Montoril escreveu o seu último artigo para publicação no Diário do Amapá. Ele era articulista que escrevia todos os domingos para o jornal. ‘Ajuricaba’, o último talento literário do professor Nilson Montoril de Araújo, foi publicado domingo passado, 26 de março. Leia.

 

 

Ajuricaba

Nilson Montoril

Em área onde surgiria, em maio de 1728, o povoado de Barcelos, residiam os índios Manaós, chefiados pelo cacique Huiubeue, cuja sede era uma ilha. Tinha como braço forte o filho Ajuricaba e ambos eram peritos no uso dos arcos e das flechas.

 

Tudo transcorria normalmente, quando chegaram à aldeia dois aventureiros, que se encontraram com o cacique e foram tratados amistosamente. Entretanto, os exploradores eram portadores de uma proposta que feriu o orgulho de Ajuricaba e outros maiorais da tribo. Simplesmente, queriam recrutar índios para vendê-los como escravos.

 

Um ritual sagrado foi colocado em prática, ingestão da bebida ‘caxiri da paz’, usada apenas para encontro com amigos. O jovem indígena censurou seu genitor com rispidez e abandonou a tribo, indo para o seu reduto confabular com seus liderados. O cacique Huiubeue ralhou feio com Ajuricaba e lhe retirou todas as suas prerrogativas no seio da comunidade onde era líder.

 

A partir de 1720, à frente de um forte grupo de numerosos indígenas de sua etnia e de outras vertentes, valendo-se de emboscadas, os militantes de Ajuricaba passaram a atacar os portugueses estabelecidos em seus domínios. Os colonizadores lusitanos decidiram recorrer ao governador do Estado do Maranhão e do Grão Pará, general José Maria Gama, requerendo autorização para moverem lutas contra os indígenas rebeldes.

 

A Carta Régia foi expedida em nome de Belchior Mendes de Moraes, à frente de tropas legais. De Belém, seguiu com reforço militar João Pais do Amaral, em barcos artilhados. Durante oito anos, Ajuricaba espalhou terror na região. Chegou a contar com apoio de contingentes proveniente do Suriname.

 

Em 1727, Ajuricaba sentiu o travor da derrota. Foi derrotado, acorrentado e embarcado em um navio que o conduziria a Belém, para ser julgado. Estima-se que seu contingente bélico contasse com cerca de 1.300 guerreiros. Diante do poder de fogo dos portugueses, isso nada representava.

 

Ajuricaba ainda tentou uma sublevação a bordo, mas logo foi dominado. Acabrunhado, resolveu manter-se relativamente quieto e aguardar uma oportunidade para fugir a nado. A ideia de suicídio já dominava sua mente. Numa noite de violento temporal, que fustigava o trecho onde o Solimões e o Rio Negro se encontram, lançou-se às águas revoltas e desapareceu.

 

Ele sabia que um índio autêntico não teme a morte para lavar a sua honra. Havia passado a maior parte do trecho da viagem com os braços presos a correntes de ferro, para impedir que nadasse. Ele nasceu na aldeia Mariuá, numa área denominada Barcele, palavra proveniente do latim, que identifica um local baixo e sujeito a alagamentos; de Barcele, no rio Solimões até ao Rio Negro, a distância equivale a 450 quilômetros.

 

Nesta parte da História surge a lenda, e ela nos diz que os pulsos de Ajuricaba, atados com correntes, foram liberados para que ele participasse das faxinas. Isso permitiu que ele alcançasse o convés. Neste momento chovia torrencialmente e as águas dos rios estavam encrespadas.

 

Em pé sobre o convés, as águas da chuva e dos dois rios atingiam em cheio o corpo de Ajuricaba. Empreendendo uma veloz carreira, atirou-se no trecho onde o Solimões e o Rio Negro se encontram, mas suas águas não se misturam. Alguns instantes após o mergulho do índio, surgiu no meio do encontro das águas a figura fantástica de um Mauari, também conhecido com Socó Grande,  tendo sobre suas asas poderosas o corpo do herói indígena, exibindo a prova da sua morte.

 

Os portugueses acusaram Ajuricaba de ter sido colaborador dos ingleses, que também vagavam na região. A versão é contestada pelo escritor lusitano Joaquim Nabuco, no livro ‘O Direito do Brasil’. As terras da Amazônia, nesta época, pertenciam a Espanha. O Encontro das Águas, conforme a lenda, deve ser entendido como a sinalização da morte de Ajuricaba.

 

Ele nascera em Mariuá (Barcele/Barcellos), cujo significado é ‘Grande Braço’ e morreu afogado no rio Amazonas. Serenados os ânimos, o cacique Camandri foi autorizado a erguer nova aldeia em Mariuá, onde surgiu a Capitania de São José de Rio Negro, origem do Estado do Amazonas. Manaó, origem de Manaus, passou a viger quando a capital do Amazonas foi transferida para o local onde se encontra a capital amazonense, hoje.

 

 


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