Nota 10

Quarenta anos sem a Miss Amapá Fátima Diniz

Jovem universitária aos 18 anos de idade representou a beleza amapaense no Concurso Miss Brasil; dois anos depois era morta por asfixia, vítima de feminicídio


 

Douglas Lima
Editor

 

Neste domingo, 23, transcorrem 40 anos da morte da que foi Miss Amapá e que fez bonito desfile no Concurso Miss Brasil, Fátima Diniz, vítima de feminicídio num tempo em que esse termo ainda não tinha sido introduzido no mundo jurídico do país.

 

 

Hoje, a bela Fátima ainda é lembrada pela sua postura de jovem social e de como a vida dela foi cruelmente tirada por asfixia, pelo marido que, beneficiado pela Justiça, passou pouco tempo preso, mas que decerto carrega na memória o mal que praticou.

 

 

Os familiares de Fátima Diniz, pelo que ela representou e representa na sociedade e na história da beleza feminina amapaenses, recebeu da Assembleia Legislativa do Amapá, semana que passou, Moção de Solidariedade “pelos 40 anos de seu falecimento, vítima de feminicídio ocorrido em 23 de fevereiro de 1985”.

 

Na solenidade, a presidente da Assembleia, deputada Alinny Serrão, disse que a Casa de Leis trabalha arduamente para fortalecer as políticas de enfrentamento ao feminicídio. Ela disse acreditar que uma política firme e com punições efetivas pode inibir a prática no Amapá.

 

 

A família, no recebimento da Moção de Solidariedade, foi representada pelo irmão de Fátima, advogado João Américo Nunes Diniz, sobrinha Julyana Martins Diniz e a cunhada Márcia Marques Martins Diniz. Receberam o diploma das mãos da deputada Dayse Marques, que representou Telma Nery, a parlamentar autora da medida.

 

Márcia Diniz, em discurso, agradeceu a homenagem, dizendo, entre outros pontos: “Nós, mulheres, devemos sempre levantar essa causa. O feminicídio não é algo do passado. Atualmente, muitas mulheres são vítimas dessa violência. Devemos lembrar dos familiares que ficam sofrendo com a dor e a saudade que não diminuem com o passar dos anos”.

 

 

Fátima Diniz foi morta dois anos depois de ter vencido o concurso e disputado o Miss Brasil, aos 18 anos de idade. Ela, nos dois certames de beleza, era chamada, entre outros adjetivos carinhosos, de a sucessora da mãe, dona Dalva, que em 1958 fora a Miss Amapá.

 

O Abrigo Fátima Diniz, criado em 2016, acolhe, provisoriamente, por até 90 dias, mulheres e filhos de 0 a 12 anos em situação de violência doméstica e familiar, com risco de morte. O local resgata a autoestima, o fortalecimento emocional e a garantia de direitos às vítimas.

 

 

O irmão Américo era quem acompanhava a Miss nos compromissos sociais para os quais ela era chamada. Eram muito apegados. Fátima, a caçula. Além deles, há o irmão Francisco José. Américo registra que vários órgãos estão em campanha contra o feminicídio, pedindo para o caso de Fátima Diniz não cair no esquecimento, por ter tido repercussão nacional, um emblema marcante da violência à mulher no estado do Amapá.

 

 

 

 

RUBEN BEMERGUY
ADVOGADO E MEMBRO DA ACADEMIA AMAPAENSE DE LETRAS

 

BELLA CIAU

 

(ADEUS, QUERIDA)

HOMENAGEM PÓSTUMA À FÁTIMA DINIZ.

 

O Sábado é um dia sagrado para os que, como eu, professam a convicção religiosa do judaísmo. O Shabat, sétimo dia da semana, inicia seu canto ao pôr-do-sol de sexta-feira e termina ao pôr-do-sol de sábado.

Éramos – e ainda somos – raros os judeus nessa linha equatorial. Nossa Sinagoga era nômade, como nômade foi o povo judeu por longa quadra.

Um tempo o templo – sinagoga – era na casa do vô Naftali, pai do papai. Em outro tempo, na casa de Seu Jayminho, e, em outro, na casa do tio Moysés Zagury, irmão da mãe do papai, minha vó.

Com maior ou menor rigor, os judeus obsequiam os sábados, quando menos com uma oração que pode adivinhar o silencio das noites e os psius do dia, e Macapá, por isso, em minha memória, sempre foi um pedaço de Israel.

Mas, em 23 de fevereiro de 1985, exatamente um sábado, a vida de Macapá foi covarde e impiedosamente obstruída por imprevistas e indeterminadas dores, todas sinceramente dilacerantes, ladras de nossas mais sagradas energias.

Desde lá, atônitos, penteamos permanentemente os cabelos do tempo, aplicamos um leve laquê no vento, e deixamos as frutas em estado de vez.

Lá, naquele tempo, depois do que aconteceu, não havia apetite ou oração.  Então, soldamos o sol ao meio dia. A lua, soldamos a meia noite. Nos sobrou a dor. Impossível não ter sido assim.

 Foi por isso que agendamos, naquele sábado e em todos os sábados do mundo, sem tréguas, nossa identidade em Fátima Diniz, morta em covardia solenemente conspirada por um idiota qualquer.

Esse drama me fez desejar Macapá – e nunca imaginei desejar isso, mas, sim, desejei – feito uma serpente a inocular nossa ira nos olhos do algoz.

Ou, uma misteriosa navalha, navalha cega, pronta para proibir os mesmos idiotas olhos, carrascos de nós e de Macapá. A ausência de luz, pensei, seria o castigo próprio, se é que existe castigo próprio para tão atroz indignidade. Macapá pôde estranhar meu desejo naquele dia, mas não há serenidade diante do abismo da cólera.

Fátima, para nós, não foi só uma miss.

Se o Amapá pudesse responder essa pergunta, diria, sem ridicularidade sentimental: “Fátima organizou a autoestima de nosso Território físico – o próprio Amapá – e subjetivo”.

Amapá, antes de Fátima, era um pedaço de céu deslembrado de Brasil. Passou, depois de Fátima, a um distintivo de beleza que atraiam exóticas curiosidades.

Olha, Fátima pegou o Amapá pelo braço e o exibiu ao pais inteiro. Talvez aquela tenha sido a primeira vez que vi o Amapá sorrir e atar sua própria rede na embarcação das imensas desigualdades regionais. Foi Fátima quem desemcabulou o Amapá e subtraiu preconceitos. 

A erudição de Fátima era o sorriso. Ouvíamos o sorriso de Fátima e gargalhávamos de alegria. Só em saber que Fátima era nossa, ríamos. Ríamos muito. Fátima e a cidade eram cúmplices. Isso nos bastava.

É um privilégio ter nascido aqui. Ter conhecido a Fátima, vê-la entre nós, conversar com ela e assistir seus passos aqui e na televisão.

Agora, quase quarenta anos depois, Macapá e o Amapá, permanecem exaustos. A dor não se exaure assim, com o tempo. A dor, embora respeite a finitude da vida, não se contenta quando os idiotas as fabricam.  

Faço esse breve testemunho em homenagem ao seu João, D. Dalva, in memoriam, ao Américo e ao Chico.

 


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