Polícia

PF e MPF liberam novos detalhes sobre Operação ‘Minamata’

“Depois da ‘Mãos Limpas’, esta é a segunda maior e mais complexa operação no Amapá”, diz superintendente da Polícia Federal no estado.


A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) divulgaram durante entrevista coletiva na tarde dessa sexta-feira, 1, na Superintendência da corporação, em Macapá, novos detalhes da ‘Operação Minamata’, deflagrada quinta-feira, 30 de novembro, nos estados do Amapá, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, e que resultou na prisão de políticos, empresários, servidores públicos e no bloqueio de contas bancárias e sequestro de bens móveis e imóveis no valor de R$ 113 milhões.

Ainda na quinta-feira, uma força tarefa da operação foi ao garimpo do Lourenço, no município de Calçoene, considerado ponto de partida das investigações que buscam desarticular uma organização criminosa responsável pela exploração depredatória de ouro e outros recursos naturais, utilizando-se de mão de obra submetida a condições de trabalho análogas à de escravo. Dentre as empresas investigadas estão distribuidoras de títulos e valores mobiliários que atuam como intermediárias nos mercados financeiro e de capitais em todo o país.

Dinâmica da operação
Segundo o superintendente da Polícia Federal no Amapá, delegado Raimundo Freitas, a Operação Minamata é complexa e já é considerada a segunda maior operação deflagrada no Amapá, depois da Operação Mãos Limpas.

O representante do Ministério Público do Trabalho (MPT) Ulisses Carvalho, disse que foram verificadas uma série de irregularidades no garimpo do Lourenço durante a vistoria in loco.

“Em 2007 foi instaurado o Inquérito Civil 265 para apurar as condições de trabalho naquela área. Já em 2015 houve um mapeamento que culminou com essa operação em 2017. É uma investigação complexa. Já apuramos fraudes nas relações trabalhistas, fraudes na formação da própria cooperativa, enfim, uma série de crimes. Mas, todos os órgãos envolvidos já pactuaram que vão instalar uma base de operações permanente no Lourenço para garantir que políticas públicas sejam efetivadas para evitar que esses crimes voltem a ocorrer”, disse.

O procurador da República e representante do Ministério Público Federal (MPF), Antônio Diniz, declarou ter constatado que a cooperativa do Lourenço funcionava como intermediária no esquema criminoso.

“Além da área criminal também estaremos atuando na área cível para apurar uma série de irregularidades. A cooperativa servia como intermediária para os interesses escusos dos grandes empresários que mantém negócios em outros estados, e que usavam pessoas locais como laranjas. Está comprovado de que a riqueza extraída da mina, de forma criminosa, era levada para fora do Amapá por rotas alternativas e a comunidade ficava apenas com o ônus. É impressionante o estado de pobreza encontrado em cima da mina de ouro. É controverso, mas é a realidade”, disse o procurador.

Segundo o delegado da Polícia Federal, Victor Arruda, a exploração ilegal de ouro no Lourenço resultou na morte de 24 pessoas na última década, em sua maioria por soterramento, decorrentes de condições precárias de trabalho.

“Somente este ano já foram confirmadas as mortes de dois garimpeiros que eram mantidos em regime de escravidão. Cada uma dessas mortes também será apurada com rigor para se apontar responsabilidades. O crime de trabalho análogo à escravidão fica evidente naquela área. Durante a operação foram resgatadas 16 pessoas nessa condição de escravidão”, disse o delegado.

Segundo Adriana Scordamaglia, do Ministério Público Federal, a degradação ambiental é outro fator que gerou uma série de prejuízos ao meio ambiente e às pessoas que trabalhavam diretamente com o manuseio de produtos químicos. Muitas pessoas também que mora na região foram contaminadas pelos produtos despejados no rio.

“As investigações, ainda em curso, detectaram ainda a ocorrência de crime ambienta – como uso de mercúrio, de artefatos explosivos sem autorização, e poluição de rios –, usurpação de patrimônio da União, lavagem de capitais, crimes contra a Administração Pública, entre outros”, disse.

Vereador
Sobre a prisão do vereador de Calçoene, Raimundo Nonato Martil, o ‘Piaba’, Adriana Scordamaglia revelou que ele usava tráfico de influência para conseguir liberação de licenças para exploração mineral e agia em consórcio com outras pessoas para adquirir vantagens em benefício da organização criminosa.

Ex prefeito
As investigações também revelam que o ex prefeito de Oiapoque, Miguel de Almeida Caetano, o ‘Miguel do Posto’, também preso na operação, explora uma área substancial em Oiapoque, integra o quadro de cooperados da cooperativa, mas entrou no esquema com capital elevado, submetendo outros cooperados ao trabalho escravo, deixando de garantir a eles direitos trabalhistas e de segurança no trabalho. Com isso, lucrava valores acima do comum com a exploração do ouro.

Promotor
A representante do Ministério Público Federal também afirmou que o promotor aposentado Moisés Rivaldo, preso preventivamente, tem envolvimento criminoso em várias frentes de atuação da organização. “Ele [Rivaldo] tem uma mina pessoal cuja operação já foi confirmada pelo DNPM. O investigado mantém investimentos permanentes de capital e ainda se valia da prática de condição análoga à escravidão”, asseverou

Ex funcionário do DNPM
Também preso na Operação Minamata, o ex diretor do DNPM no Amapá, Romero Cézar Cruz Peixoto, segundo a Polícia Federal, valeu-se do cargo para conceder licenças e usar tráfico de influência em benefício próprio. “É alguém que estava no topo dessa pirâmide criminosa, e que se valeu disso para benefício próprio. É bom lembrar que todos os investigados tiveram bens móveis e imóveis apreendidos para possível sequestro financeiro e reparo do erário. As contas também foram bloqueadas e estamos estimando neste momento um bloqueio de cerca de R$ 113 milhões para acautelar essa reparação”, concluiu o delegado federal Victor Arruda.

Os integrantes da força-tarefa não deram maiores detalhes sobre os outros presos e investigados na operação.

O caso
A Polícia Federal, em conjunto com o Ministério Público Federal, deflagrou na manhã dessa quinta-feira, 30, a ‘Operação Minamata’ com o objetivo de desarticular organização criminosa formada por empresários, políticos e agentes públicos responsáveis pela exploração depredatória de ouro e outros recursos naturais, utilizando-se de mão de obra submetida a condições de trabalho análogas à de escravo. Dentre as empresas investigadas estão Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários que atuam como intermediárias nos mercados financeiro e de capitais em todo o país.

Cerca de 180 policiais federais cumpriram seis mandados de prisão preventiva, cinco de prisão temporária, oito conduções coercitivas e 30 mandados de busca e apreensão, além do bloqueio de mais de R$ 113 milhões em bens móveis e imóveis nos estados do Amapá, Rio de Janeiro e São Paulo.

Os empresários utilizaram uma cooperativa de garimpeiros que se instalou na área do Lourenço, em Calçoene, o mais velho garimpo em atividade do País. A organização criminosa aproveitava-se das políticas públicas que fomentavam a inclusão social dessas comunidades de trabalhadores para atuar de forma clandestina na extração de ouro, encobrindo propósitos de exploração em larga escala sob o argumento da pesquisa mineral e lavra artesanal de pequena monta. Os danos ambientais são incalculáveis.

Os investigadores suspeitam que o grupo criminoso, com a finalidade de aumentar a exploração de ouro, tenha incentivado o uso em escala indiscriminada de substâncias tóxicas e metais pesados, como mercúrio e, até mesmo, cianeto, uma substância cujo contato pode ocasionar a morte de uma pessoa. Segundo os policiais pode ter havido, pelo menos, 24 mortes, em sua maioria por soterramento, decorrentes de condições precárias de trabalho.

A Operação, iniciada em 2016, conta com a colaboração do Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego, Ibama, Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Defensoria Pública da União e da Polícia Rodoviária Federal. A atuação conjunta dos órgãos tem por objetivo reprimir a ação criminosa de grupos contra o meio ambiente, impedindo que trabalhadores da região sejam explorados em condições subumanas.

Os investigados responderão pelos crimes de redução à condição análoga a de escravo, corrupção passiva, prevaricação, usurpação de matéria prima da União, extração ilegal de substâncias minerais, lavra ou extração não autorizada, uso ilícito de mercúrio, crime contra a fauna aquática, posse de artefato explosivo, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

Advogado nega envolvimento na Operação Minamata

“Não fui preso nem conduzido coercitivamente; cheguei em meu próprio carro na sede da Polícia Federal”, garante Agord Pinto.

O advogado Agord Pinto, a título de esclarecimento, informou na manhã desta sexta-feira, 1 de dezembro, que não tem implicação alguma na Operação Minamata, tendo comparecido na Polícia Federal apenas para prestar esclarecimentos.
Agord informou que é advogado da Coogal, a cooperativa de garimpeiros do Lourenço, e que foi por causa dessa condição que ele acabou sendo chamado para esclarecimentos na Polícia Federal. “Não fui preso nem conduzido coercitivamente; cheguei em meu próprio carro na sede da Polícia Federal”, garantiu.
O causídico considerou inconstitucional a sua audição na PF, e antecipou que tomará providências, quanto a isso, junto ao Conselho Nacional dos Ministérios Públicos e Conselho Nacional de Justiça

*O nome da operação é uma referência ao envenenamento de centenas de pessoas por mercúrio ocorrido na cidade de Minamata, no Japão, nas décadas dos anos 1950 e 1960.

Elden Carlos
Rodrigo Silva
Da Redação


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