População carcerária feminina cresce oito vezes em 17 anos no Brasil. Amapá tem a mesma média nacional
De acordo com o Ministério de Justiça, as penitenciárias femininas registravam o total de 5.601 mulheres presas. Esse número saltou para 44.721 no final de 2016.
Os dados mais recentes não são públicos, pois foram informados pelo Ministério da Justiça ao Supremo Tribunal Federal (STF) em resposta a uma requisição feita em um Habeas Corpus (HC 143.641) impetrado pelo Coletivo de Advogados de Direitos Humanos. O grupo defende a conversão da prisão preventiva em domiciliar de todas as mulheres grávidas ou com filhos de até 12 anos sob sua responsabilidade. De acordo com o levantamento, as penitenciárias femininas registravam o total de 5.601 mulheres presas. Esse número saltou para 44.721 no final de 2016.
A reportagem não teve acesso ao número de mulheres presas no Amapá, mas informações extra-oficiais dão conta que no presídio feminino do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen) a população carcerária tem crescido muito nos últimos anos, sendo a maioria por tráfico de drogas.
“É um fenômeno que ocorre naturalmente, porque as mulheres acabam substituindo os companheiros no tráfico. Infelizmente a falta de políticas públicas e o desemprego acabam empurrando essas mulheres para o tráfico. O problema social ainda é mais grave porque está sendo levado em conta apenas o contingente preso, esquecendo o número de mulheres que, para garantir a sobrevivência da família acaba na prostituição”, observa o psicólogo Carlos Drummond, que está concluindo um livro abordando as questões sociais do cárcere brasileiro.
Trecho do pedido de habeas corpus coletivo impetrado pelo Coletivo de Advogados de Direitos Humanos, cujo relator no STF é o ministro Ricardo Lewandowski destaca a ilegalidade do tratamento dispensado às mulheres nos presídios: “A determinação da prisão preventiva a estas mulheres, ou seja, a sua sujeição, antes de transitada em julgado uma condenação criminal, ao confinamento em estabelecimentos de privação de liberdade, por subtrair-lhes o acesso a programas de saúde pré-natais, a assistência regular ao parto e pós-parto, condições razoáveis de higiene e autocuidado e privar suas crianças de condições adequadas de desenvolvimento, constitui ato ilegal praticado de forma reiterada pelo Poder Judiciário brasileiro”.
Dados do Infopen (levantamento nacional de informações penitenciárias), do Ministério da Justiça, divulgados em 2014 revelam que 64% das 33.793 mulheres presas naquele ano cumpriam penas por tráfico de drogas. Roubos e furtos vinham em seguida. De acordo com o Infopen o aumento no número de mulheres detidas fica evidente a partir de 2006. Naquele ano foi aprovada a Lei 11.343, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e ampliou o leque de medidas repressoras contra pessoas flagradas com drogas.
O Brasil ocupa a quinta posição no ranking mundial de mulheres presas, atrás somente dos Estados Unidos (205,4 mil), China (103,8 mil), Rússia (53,3 mil) e Tailândia (44,7 mil). E o que é pior: segundo o Depen (Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça), 43% das presas que cumprem pena no Brasil não tiveram seus casos julgados definitivamente. O principal motivo do encarceramento (60%) é o tráfico de drogas. O órgão, porém, ressalta no documento que a maior parte dessas mulheres “não possuem vinculação com grandes redes de organizações criminosas, tampouco ocupam posições de gerência ou alto nível e costumam ocupar posições coadjuvantes nestes tipos de crime”.
O documento revela, ainda, que 80% das presas são mães e responsáveis principais, quando não únicas, pelos filhos. Ao requisitar as informações, o ministro Lewandowski também solicitou que fosse identificado o número de detentas grávidas ou mães de crianças, especificamente, no cárcere. Apenas 10 estados enviaram esses dados, totalizando 113 mulheres gestantes ou com filhos que estão com elas atrás das grades. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), contudo, divulgou em junho um estudo em que foram entrevistadas, ao menos, 241 mulheres nessa situação.
Coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, a Irmã Petra Sílvia também critica a situação em que as mulheres vivem nos presídios: “A vulnerabilidade delas é muito maior do que para os homens. Na hora que conversamos com as mulheres, vemos que elas são muito mais afetadas. São mais abandonadas, recebem menos visitas. Imagine as avós, tias que cuidam dos filhos delas, por exemplo, que têm dificuldade de visita. Muitos presídios femininos são regionais, elas têm de viajar de longe muitas vezes”.
‘Presídios sem Muros’
O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) possui um programa, o ‘Justiça sem Muros’, que estuda e avalia a questão da prisão feminina no país. A entidade afirma que a situação das prisões femininas não é diferente das masculinas. “A gente avalia que [os presídios] são péssimos. Eles foram construídos numa ótica masculina. Há quem defenda uma lógica feminina, mas é impossível que aconteça porque são locais em que torturas se repetem’, diz Nina Cappello Marcondes, pesquisadora do programa.
A pesquisadora lembra ainda que existem muitas mulheres em presídios destinados aos dois sexos, o que torna ainda mais difícil, por exemplo, o acesso a serviços de cidadania: “Mesmo nos presídios que são específicos, elas ficam dentro de celas de castigo, ainda dão à luz dentro da prisão. As crianças que vão visitar passam por revistas constrangedoras. Além da Justiça e dos filhos, tem o estigma muito maior por serem mulheres”. Segundo Nina, o ITTC defende o pedido de habeas corpus coletivo e diz que o fim da prisão preventiva para esses casos seria uma solução para reduzir a superlotação em presídios femininos: “Defendemos totalmente que a mulher responda ao processo em liberdade”.
Levantamento feito pelo UOL com base no sistema Geopresídios, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) feito nos presídios exclusivos para mulheres entre os dias 24 de novembro e 6 de dezembro traz em tempo real o número de detidas. Os dados apurados mostram que 41 presídios femininos de 20 Estados possuem mais presas do que a lotação máxima. Em cinco deles, a quantidade de presidiárias é mais que o dobro da capacidade máxima. De acordo com o Infopen, em 2014 havia mulheres presas em 238 estabelecimentos mistos e 103 estabelecimentos femininos. Procurado, o Ministério da Justiça não soube informar dados anteriores de quantidade de estabelecimentos penais para mulheres.
Governo diz buscar redução do cárcere feminino
O Ministério da Justiça afirma que tem “operado fortemente visando o desencarceramento de mulheres privadas de liberdade [condenadas ou provisórias], gestantes e/ou com filhos na primeira infância, e a inclusão social das mesmas, em todo o país, através do Projeto Mulheres Livres” e explica que o projeto tem quatro etapas e já teve a primeira delas – de levantamento de dados junto às Unidades da Federação – concluída, sendo que estão sendo implementadas outras duas fases: de assistência jurídica e proteção social. A outra etapa é o encaminhamento dos processos ao Poder Judiciário, “visando o desencarceramento dessas mulheres, por meio de decisões, de prisão domiciliar, indulto da pena ou penas alternativas”.
Ainda segundo o Ministério da Justiça, o Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, lançado em 2011, repassou aos Estados R$ 119 milhões para construção e ampliação, com geração de vagas para o público prisional feminino, com previsão de 4.350 vagas. “As referidas obras ainda estão em andamento, sendo geridas pelos órgãos estaduais de administração prisional”. A Pasta ainda esclareceu que o Departamento Penitenciário Nacional possui uma Coordenação de Políticas para Mulheres e Promoção das Diversidades, que empreende “esforços para a melhoria das condições das mulheres em situação de privação de liberdade no Brasil.
Também procurado pela reportagem o Depen (Departamento Penitenciário) afirma que está articulando junto aos órgãos de administração prisional a produção de “planos estaduais de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional”, com validade a partir de janeiro de 2018 até janeiro de 2020, que deverão ser entregues ainda neste mês de dezembro.
Habeas Corpus coletivo
Impetrado em maio de 2017 por membros do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), com sede em São Paulo, o HC 143.641 pede para que STF conceda prisão domiciliar a todas as mulheres grávidas ou que são mães de crianças com menos de 12 anos de idade, que se encontram presas preventivamente.
Sem prazo pré-definido, a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou da ação penal, desde que haja prova da existência do crime e indícios que liguem o suspeito ao delito. Além disso, é necessário que o réu apresente pelo menos um dos requisitos: atrapalhe a condução das investigações, tenha possibilidade de fugir ou represente riscos à manutenção da ordem pública. Ocorre que desde 2016 o Código de Processo Penal (CPP) prevê, em seu artigo 318, que a prisão preventiva pode ser substituída pela domiciliar se a acusada for gestante ou mãe de filho de até 12 anos incompletos.
Na ação, os advogados argumentam que o tratamento recebido por essas mulheres nas prisões seria desumano, cruel e degradante, pois as instalações prisionais brasileiras não estariam adaptadas às necessidades femininas. Os membros do CADHu também alegam que a política criminal responsável pelo encarceramento feminino expressivo seria discriminatória e seletiva, impactando de forma desproporcional as mulheres pobres e suas famílias.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) opinou pelo não conhecimento do habeas corpus. A entidade alega ser incabível o habeas corpus coletivo, genérico, porque seus beneficiários deveriam ser individualizados. A PGR também entende que não cabe ao STF julgar a ação, uma vez que os coatores – quem pratica ou ordena a violência – específicos não foram indicados no HC.
Já o ministro Lewandowski afirmou que, de plano, não é possível descartar a existência do habeas corpus coletivo no ordenamento jurídico brasileiro. O assunto, inclusive, será discutido com mais profundidade no julgamento do Recurso Extraordinário 855.810, que tem Dias Toffoli como relator. De qualquer forma, Lewandowski ordenou que o Depen identificasse todas as mulheres que estão na situação narrada pelos autores do habeas corpus. Para o jurista, as informações são imprescindíveis para decidir se a ação é ou não de competência do STF.
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