STJ acata recurso do Ministério Público e valida provas de celulares apreendidos dentro do Iapen
No Amapá, o Tribunal de Justiça havia considerado ilícito o uso das provas por ausência de prévia autorização judicial para acessar dados armazenados nos aparelhos

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial do Ministério Público do Amapá (MP-AP) e validou provas extraídas de aparelhos celulares apreendidos dentro do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen), mesmo sem autorização judicial prévia. A decisão, proferida pelo ministro Messod Azulay Neto, reformou entendimento anterior do Tribunal de Justiça do Amapá (Tjap), que havia anulado as provas por suposta violação ao sigilo das comunicações.
O caso tem origem na apelação criminal movida por Dorielson Santos Picanço, ex-policial penal; a nutricionista Letícia Kenya Kemmer Sraut Ferreira e o corréu Rafael Mendonça Góes (morto dentro da penitenciária), acusados por crimes como tráfico de drogas, posse de armas de uso restrito e favorecimento real. Durante as investigações, celulares foram encontrados com os réus dentro do presídio e seus conteúdos, incluindo mensagens de WhatsApp, foram utilizados como provas pela acusação.
O Tribunal amapaense havia considerado ilícito o uso das provas por ausência de prévia autorização judicial para acessar dados armazenados nos aparelhos, argumentando que, mesmo em ambiente prisional, os detentos estariam protegidos pelo direito constitucional ao sigilo das comunicações.
O MP-AP, no entanto, recorreu ao STJ argumentando que a posse de celulares em unidades prisionais já é, por si só, um ato ilegal e que, nesses casos, o acesso ao conteúdo dos dispositivos não se caracteriza como interceptação de comunicações — mas sim como apreensão de instrumento de crime em contexto de flagrante delito.
A tese foi acolhida pelo relator do caso, ministro Messod Azulay Neto, que destacou em sua decisão que “a própria posse do meio utilizado para comunicação é proibida por lei, não havendo falar em proteção aos dados nele contidos”. O magistrado reforçou que o entendimento do TJAP contrariava jurisprudência consolidada do STJ, especialmente o precedente firmado no Habeas Corpus 546.830/PR.
Ao reconhecer a licitude das provas, o ministro Messod Azulay fez duras críticas à tentativa de extensão das garantias constitucionais para situações que, segundo ele, representam afronta direta à ordem jurídica e à segurança do sistema prisional. “Os direitos fundamentais não podem ser utilizados para a salvaguarda de práticas ilícitas. Não é razoável pretender proteger aquele que age em notória desconformidade com as normas de regência”, afirmou.
Ainda segundo o relator, os dados extraídos dos celulares não foram obtidos por meio de interceptação em tempo real — como previsto na Lei 9.296/96 — mas sim mediante análise de dados já armazenados em dispositivos cuja posse, naquele contexto, configura crime.
Com isso, o STJ determinou o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Amapá para que prossiga no julgamento do mérito da apelação criminal, desta vez considerando válidas as provas anteriormente anuladas.
Lembre do caso
O fato que originou a discussão sobre a legalidade das provas começou com uma das mais impactantes operações realizadas dentro do sistema prisional do Amapá nos últimos anos. Em fevereiro de 2022, a Justiça condenou a nutricionista Letícia Kenya Kemmer Staut Ferreira e o policial penal Dorielson Santos Picanço por facilitarem a entrada de itens proibidos no Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen).
Entre os materiais contrabandeados estavam 11 quilos de drogas, 48 celulares, um revólver e 66 munições, todos escondidos dentro de uma caixa de papelão que foi deixada no depósito da cozinha da penitenciária.
As investigações revelaram que a nutricionista Letícia mantinha um relacionamento próximo com o detento Rafael Mendonça Góes, identificado como o mentor do esquema. Ela teria recebido e transportado a caixa até o local onde os materiais foram escondidos. Já o policial penal Dorielson foi acusado de ter abandonado seu posto de vigilância, supostamente para facilitar a entrada do carregamento ilegal.
As ações ocorreram no âmbito da Operação Queda da Bastilha, deflagrada pela Polícia Federal com apoio do Ministério Público do Amapá, que passou a monitorar a movimentação de internos e funcionários suspeitos de envolvimento com o crime organizado dentro da prisão.
Rafael Mendonça Góes, de 33 anos, apontado como o principal articulador da entrada dos ilícitos, foi encontrado morto por esganadura dentro do Iapen, poucas horas após o cumprimento do mandado de prisão preventiva. O detento teria sido morto minutos antes de prestar depoimento em audiência sobre o caso.
Câmeras de segurança internas, mensagens de celular e relatos de testemunhas foram fundamentais para compor o material probatório que embasou a condenação dos envolvidos — justamente o tipo de prova que motivou a disputa jurídica posteriormente levada ao STJ.
A operação e a condenação tiveram grande repercussão local e nacional, evidenciando o desafio enfrentado pelas autoridades amapaenses no combate à corrupção dentro do sistema prisional e o papel decisivo do Ministério Público na articulação investigativa.
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