Como as eleições municipais afetam os serviços públicos no Brasil
Tese de doutorado defendida no Instituto de Tecnologia de Massachusetts identifica potencial uso político de cargos públicos e piora na oferta de saúde durante o pleito
O acesso à saúde pública piora – e fica ainda mais precário caso o candidato à reeleição perca a disputa -, incumbentes tentam contornar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei das Eleições para empregar possíveis aliados, e demissões e contratações em massa provocam caos na prestação de serviços, além de servirem para “ajustar” as contas dos municípios.
Essas foram algumas das descobertas apresentadas pelo pesquisador Guillermo Toral em sua tese de doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, na qual o acadêmico espanhol analisou, entre outros temas, como políticas dinâmicas em quatro eleições municipais afetaram serviços públicos, em especial a saúde, entre 2002 e 2016.
“Estamos acostumados com a dinâmica de que na campanha o político fica mais responsável. Então, a minha premissa era de que antes e durante a eleição a prestação de serviços de saúde melhoraria. Na verdade, os dados mostram que ela piora”, diz à BBC News Brasil Toral, atualmente professor assistente na Universidade Vanderbilt (EUA).
Pela Constituição de 1988, compete aos municípios oferecer (com a ajuda dos Estados e da União) saúde básica e educação a seus habitantes. As prefeituras devem gastar no mínimo 40% de seus recursos nestes dois setores (15% para saúde e 25% na educação), que costumam figurar entre os mais importantes para a população nas eleições municipais.
Ainda assim, o pesquisador identificou que durante o período eleitoral o número de consultas de pré-natal diminuiu, em média, 2,6% em setembro e 10% em dezembro, por exemplo.
Quando o prefeito perdeu, a situação piorou: consultas de pré-natal caíram 13,7% no último trimestre do mandato (e seguiram em queda de 14,7% no primeiro trimestre da nova administração); exames de pré-natal diminuíram 13,7% no período; e consultas médicas com bebês e crianças despencaram 19,3% e 23,3%, respectivamente, assim como visitas de enfermeiros (queda de 24,9%) e médicos (-39%). Essas baixas não foram compensadas no início da gestão seguinte.
Toral optou por dados de saúde materna e da criança porque eles envolvem consultas não eletivas, sendo assim mais simples estabelecer uma relação entre oferta e acesso a serviços. O Ministério da Saúde recomenda ao menos sete consultas de rotina no primeiro ano de vida da criança – e outras duas no segundo ano – para avaliar o seu desenvolvimento.
Caso o número de consultas caia, argumenta Toral, não se trata de as crianças estarem “mais saudáveis ou porque os pais resolveram não levá-las à Unidade Básica de Saúde” (UBS). “Há um calendário de consultas para acompanhá-las. Essas quedas falam sim de um efeito negativo na prestação de serviço de saúde.”
Para chegar a essas conclusões, Toral analisou dados do Sistema Único de Saúde (SUS), do Sistema de Informação da Atenção Básica à Saúde (SIAB) entre 2004 e 2015, e informações anuais sobre contratações/demissões de milhões de funcionários públicos municipais (apenas em 2016, por exemplo, foram quase 6 milhões de contratos) em 4.909 municípios (661 foram descartados por falta de dados) pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério da Economia.
Empregadores de todo o país, incluindo governos municipais, precisam inserir os dados de seus funcionários nesta plataforma, como o tipo de contrato e nível de educação.
O pesquisador ainda se baseou em mais de 120 entrevistas em profundidade com promotores, juízes, secretários municipais de Educação, Saúde, Assistência Social, gestores de UBS, entre outros atores, em sete Estados durante 18 meses de trabalho de campo.
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