Política

Em texto de próprio punho, Sarney relembra bastidores para a redemocratização

Ex-presidente e senador pelo Amapá, descreve com riqueza de detalhes travessia do regime militar para a volta das eleições presidenciais


 

Cleber Barbosa
Da Redação

 

O ex-presidente do Brasil, José Sarney, escreveu um texto – algo entre artigo e reportagem – em que conta a sua visão a respeito de uma madrugada longa em que dormiu vice e acordou titular do Palácio do Planalto, no dia 15 de março de 1985. Ele quebrou o silêncio dos últimos anos em que tem ficado mais recluso, cuidando da esposa Marly e de sua própria, aposentado da política e prestes a completar 95 anos de idade.

 

 

Confira a íntegra do texto de José Sarney

Governei num tempo difícil depois de um regime autoritário. A Democracia — e quem diz Democracia diz Liberdade — tinha que ser implantada como fundamento da vida republicana.

 

A tragédia da morte de Tancredo pairava no coração de todos os brasileiros. Substituí-lo, tarefa quase impossível. A ameaça da deposição e do retrocesso não deixaram de rondar o meu mandato.

 

Deixei o governo, em 1990, com o País pacificado, sem nenhuma prontidão militar, com os militares voltando aos quartéis, os partidos clandestinos, à legalidade, com anistia para os sindicatos.

 

Deixamos uma Constituição aprovada, com o avanço democrático de assegurar em sua plenitude a Cidadania. Tendo convocado a Constituinte, implantamos, com a Constituição de 1988, um conjunto de direitos individuais e coletivos.

 

No meu governo, com o “Tudo pelo Social”, universalizamos a saúde e foram criados o SUS, o seguro-desemprego, o vale-transporte, o vale-alimentação e iniciamos a distribuição diária de mais de 8 milhões de litros de leite às crianças do Brasil — programa considerado pela UNESCO como o melhor programa de alimentação feito para crianças, em nível mundial.

 

Na área internacional, acabamos com a divergência histórica do Brasil com a Argentina buscando a criação, na América Latina, de um mercado comum, como o Mercado Comum Europeu. E assim criamos o Mercosul, com Raúl Alfonsín. E o fato mais importante: conseguimos o fim da corrida nuclear Brasil-Argentina, fazendo do nosso continente o único do mundo livre de armas atômicas: um serviço prestado à Humanidade.

 

A nossa Transição Democrática foi considerada pelo brasilianista Ronald M. Schneider como a melhor e mais exitosa do continente, sem hipotecas militares — uma Democracia que é a terceira maior do mundo ocidental.

 

Deixei o País com instituições fortes, capazes de resistir a dois impeachments e aos vergonhosos episódios de 8 de Janeiro.

 

O Brasil, para utilizar a expressão de Stefan Zweig, não é somente o País do futuro, mas o País do Presente: a sétima economia do mundo.

 

Tenho orgulho de dizer que a Democracia não morreu em minhas mãos; ao contrário, floresceu.

 

Autor

José Sarney, advogado e escritor, foi presidente da República entre 1985 e 1990, exerceu mandatos de deputado federal, senador e governador e desde 1980 é membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).

 


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