Juíza federal citada em áudio por Bode Queiroga repele acusação
Lívia Cristina lamenta que a sociedade, “degredada moralmente”, é capaz de “achincalhar o probo, o honesto, com uma naturalidade assustadora”
Através de nota esclarecimento, a Juíza Federal Lívia Cristina Marques Peres, que é Diretora do Foro da Seção Seção Judiciária do Amapá, repele acusações feitas em áudio gravado pelo advogado de Bode Queiroga (PDT), em que o prefeito de Laranjal do Jarí cita dois juízes como teriam os votos comprados durante julgamento de processo eleitoral em que o prefeito eleito, Zeca Madeireiro foi cassado no ano de 2013.
A seguir, na íntegra, a nota:
“Juíza Federal há cerca de 10 anos e findando a jurisdição eleitoral, mandato que se encerra em 7/11/2015, vi minha honra e imagem enlameadas por oportunistas de plantão que, no bojo de uma negociação de valores, de origem incerta, mas supostamente voltados à remuneração de serviços advocatícios, externaram a necessidade de redução da quantia para pagamento de juízes eleitorais, dentre os quais foi mencionada a “juíza federal”, a qual seria beneficiada com a quantia de R$ 25.000,00.
O trabalho do juiz é devidamente remunerado pelos cofres públicos e a percepção de qualquer quantia para cumprir os atos inerentes à judicatura configura crime, mas também crime tipifica a falsa alegação de se destinar vantagem qualquer a juiz, no que se inclui o dinheiro, para obtenção de um julgamento favorável. A justiça das decisões depende da imparcialidade do juiz, o qual deve resolver o conflito das partes, atribuição dada pela Constituição Federal, a partir da prova constante nos autos judiciais, com base nas regras vigentes e válidas no nosso sistema e afastando-se o máximo possível de qualquer elemento capaz de tornar tendencioso o julgamento. Todos que já suportaram os efeitos das minhas decisões sabem do meu compromisso com a técnica e do extremo zelo com que resguardo o interesse público. A imparcialidade que sempre tive no decidir, aliás, é reflexo da forma isonômica com que trato meus semelhantes. Entretanto, minha forma reservada restringe meu núcleo de convívio.
Bem oportuno explicar que minhas funções na Justiça Federal, por opção, pois na sistemática vigente o juiz se candidata à vara onde pretende exercer seu ofício, estão voltadas às causas de pequeno valor monetário, mas de elevado valor social, como são as causas previdenciárias e assistenciais, as demandas de saúde, do FGTS, por exemplo. Atuo em vara de Juizado Especial Federal desde 2006, dedicando-me ao reconhecimento de direitos de hipossuficientes, ribeirinhos, rurícolas, idosos, deficientes, nem que para isso tenha que percorrer alguns quilômetros, suportando horas de estrada de chão ou de navegação fluvial – aliás, a justiça federal também é itinerante -, despindo-me do conforto e do comodismo do dia-a-dia, mas me regozijando com cada acesso à jurisdição garantido e cidadania efetivada.
Exercer a judicatura, para mim, é ato de amor, não passível de ser comprado, fosse pelos malsinados R$25.000,00, fosse por R$ 25.000.000,00.
Infelizmente, nossa sociedade, degredada moralmente, assim como é capaz de cometer dos pequenos aos enormes atos de corrupção, pode também achincalhar o probo, o honesto, com uma naturalidade assustadora, simplesmente citando seu nome em conversa particular, gravada e depois divulgada com a velocidade que as redes sociais permitem.
Só mesmo os desconhecedores de minha índole e do procedimento de julgamento da Corte Eleitoral do Amapá podem dar algum crédito à alegação infamante daquele que se diz prefeito de um dos municípios amapaenses. O julgamento, ao qual se busca embutir vícios, não foi concluído numa única assentada, foi iniciado em 10/3/2014 e, findado em 7/4/2014, eis a densidade do material probatório e a presença de questões processuais, ambos a merecer análise detalhada. Compõem o Tribunal Regional Eleitoral sete Juízes, assim, totalmente despropositado imaginar que a influência no voto de dois julgadores definiria o resultado do julgamento.
Na hipótese, divergi do voto do juiz relator, quer quando reconheceu, de ofício, a nulidade da sentença do juízo eleitoral de primeiro grau, quer quando, superado esse ponto, reformou integralmente a referida sentença, restabelecendo o mandato de Zeca Madeireiro e Nazilda Rodrigues Fernandes. O entendimento que esposei neste feito, originário de uma ação movida pelo Ministério Público Eleitoral, foi acompanhado pelos julgadores que me seguiram, restando vencido apenas o juiz relator.
A declaração de voto de um dos julgadores demonstra a forma séria como o julgamento vinha-se desenrolando: “antes de declarar meu voto, quero ressaltar a importância do trabalho dos nossos servidores na digitalização dos autos e encaminhamento que por meio eletrônico para nós, o que propiciou a todos nós formarmos nossas convicções e o conhecimento prévio desses autos para que nós pudéssemos chegar aqui e resolver tão relevante questão para o Município de Laranjal do Jari e para todos os cidadãos daquela localidade”.
Aos desacostumados a trabalhar com seriedade e honestidade, é fácil enxergar no outro o reflexo de sua conduta desviada, banalizando o desrespeito às instituições e à coisa pública e maltratando o destinatário final de qualquer atividade pública, o povo.
Felizmente, recebi formação moral e ética suficiente para abominar as ilicitudes convalidadas por alguns; dirijo e educo não mediante ordens, mas fundada em exemplos; julgo, fundada sempre na imparcialidade, colocando-me no lugar da parte e buscando a melhor solução para o caso; à noite, depois de exaustivo dia de trabalho, tenho sempre a sensação de dever cumprido.
E finalizo manifestando minha indignação por terem misturado, a mim e a minha instituição, ao que tanto repudiamos e combatemos”.
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