STF autoriza, mas restringe aulas de religião a um só credo nas escolas públicas
Votação, apertada, privilegia a religião católica, por causa de acordo celebrado entre o Brasil e o Vaticano. Teólogo do Amapá afirma que haverá espaço para outras religiões no conteúdo da disciplina
Em votação apertada (6 votos a cinco), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (27) o ensino religioso em escolas públicas pode ter caráter confessional, ou seja, que as aulas podem seguir os ensinamentos de uma religião específica. A decisão foi tomada no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) da pela Procuradoria Geral da República (PGR), que queria que as aulas de religião oferecessem uma visão plural sobre as diferentes religiões.
A ADI foi proposta contra o acordo entre o Brasil e o Vaticano e dispositivos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação, que prevêem o ensino religioso nas escolas públicas. O acordo com o Vaticano e o artigo 33 da LDB afirmam que o ensino religioso “constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas”. Enquanto a LDB proíbe “quaisquer formas de proselitismo [doutrinação]”, o acordo com o Vaticano proíbe “qualquer forma de discriminação” e diz garantir “o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil”. A PGE defendia que o ensino de religião nas escolas públicas deve contemplar informações sobre a história e doutrina das diferentes religiões, sem tomar partido entre uma delas.
De acordo com o teólogo amapaense Carlos Eduardo Braule, o ensino religioso é previsto na Constituição Federal, que diz que o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Segundo ele, a decisão do Supremo apenas autoriza a obrigatoriedade do ensino religioso como já acontecia no passado: “A religião é pilar da formação familiar, e no passada constava da grade curricular em todas as escolas públicas, mas as demais religiões nunca foram e não serão desprezadas, havendo sempre um espaço aberto para que todas, todas sem exceção, possam discutir as suas doutrinas e crenças”.
Votaram contra o pedido da Procuradoria, e a favor do ensino confessional, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e a presidente do STF, Cármen Lúcia. Os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello concordaram com a ação da Procuradoria e entenderam que as aulas em escolas públicas não poderiam ter conteúdo de apenas uma religião.
Em seu voto, contrário ao pedido da ação, o ministro Dias Toffoli afirmou que a própria Constituição autoriza que o ensino religioso seja confessional: “Ocorreu, portanto, uma autorização expressa e consciente do constituinte de que o modelo de educação religiosa em sala de aula fosse sim o confessional. O Estado brasileiro não é inimigo da fé. A separação entre Estado brasileiro e a igreja não é uma separação absoluta. A neutralidade diante das religiões encontra ressalvas”, disse Toffoli.
O julgamento começou na sessão de 30 de agosto, com o voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo, contra a possibilidade de que as aulas tenham caráter confessional, ou seja, sejam ministradas com caráter de doutrinação religiosa, como nas aulas da catequese católica, por exemplo. Isso quer dizer, segundo o voto de Barroso, que professores não poderiam atuar em sala de aula como representantes de uma determinada religião. Com voto derrotado, ele afirmou que, apesar de o ensino religioso estar previsto na Constituição, seria preciso interpretar a questão a partir do princípio de que o Estado é laico.
Primeiro a divergir do voto de Barroso, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que, ao prever o ensino religioso, a Constituição quis que as aulas apresentassem a visão de mundo religiosa e não uma espécie de história das diferentes religiões: “O Estado, substituindo os dogmas da fé por algo pasteurizado, algo histórico, algo neutro, na verdade ele está impondo o que ele acha que é ensino religioso, contra o que todas as religiões entendem ser ensino religioso, que são os dogmas da fé”, defendeu o ministro, arrematando: “A ação pretende criar de forma ficta, de forma artificial, uma doutrina religiosa do Estado”.
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