Dom Pedro Conti

Alimentos desperdiçados

Notícias da internet: “O Brasil ocupa a 10ª posição no ranking que acompanha os países que mais desperdiçam comida em todo o mundo. A posição mais do que negativa contrasta com os aproximadamente 14,7 milhões de brasileiros (7% da população) que passaram fome em 2020, segundo o Banco Mundial. Ainda segundo a última atualização global da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e da Agricultura (FAO), de 2013, são 26,3 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados por ano. Um outro número surpreendente surge: os milhões de alimentos jogados fora representam 10% de todo o alimento disponível no país. Segundo a EMBRAPA (2018), cada família média brasileira desperdiça cerca de 130 Kg de comida por ano, o que equivale a 41,6 Kg por pessoa.”

No 18º Domingo do Tempo Comum, continuamos a leitura do cap. 6 do evangelho de João. Deixamos Jesus se retirando sozinho após o “sinal” dos pães e dos peixes oferecidos à multidão. Ele se esconde porque não lhe interessa ser proclamado rei. Ele quer ajudar o povo a procurar algo mais do “alimento que se perde”, ele convida a encontrar o “alimento que permanece até a vida eterna” (Jo 6,27). Entendemos que Jesus, aos poucos, quer conduzir aquele povo – e nós juntos – a reconhecer nele mesmo o “novo alimento”, bem diferente do maná do deserto e de qualquer outro alimento perecível. Será o Filho do Homem a dar este alimento e será ele mesmo como diz claramente: “Eu sou o pão da vida” (Jo 6,35). Quem alimentar a sua vida com Jesus “não terá mais fome” e quem crer nele “não terá mais sede”. Temos a impressão de que o povo fique entusiasmado com isso ao ponto de exclamar: “Senhor, dá-nos sempre deste pão”, mas, como veremos, logo começam as discussões e a incredulidade.

Óbvio, não é nada fácil passar de um alimento concreto e visível como o maná e o pão, para um “alimento” que tem, sim, algo concreto e visível, o pão-Eucaristia, mas que, ao mesmo tempo, é o próprio Jesus que sempre nos oferece o seu amor doando-nos a sua própria vida. Para entender, um pouco mais, do “mistério” da Eucaristia, devemos entrar na dinâmica dos sinais e, sobretudo, do “memorial”. Nós, cristãos, acreditamos que a Páscoa de Jesus foi algo que aconteceu historicamente uma vez por todas, mas os frutos daquele evento permanecem para sempre e têm valor para a humanidade e a criação toda. Todos que acreditam e decidem seguir a Jesus podem participar de uma maneira especial daquele evento através do “memorial” que é lembrança daquele momento, mas também é um conjunto de gestos e orações, que chamamos de “liturgia”. Para simplificar, podemos dizer que a narração da vida doada de Jesus, todos os dias e até o fim na cruz, explica o que estamos celebrando. Os gestos, no caso o comer do pão e o beber do vinho que envolvem toda a nossa pessoa, fazem-nos reconhecer a sua presença viva e real (Lc 24,35) e, ao mesmo tempo, nos fortalecem para continuar a mesma missão dele. Entre tantas coisas que Jesus fez e das quais nos deu o exemplo está o fato de ter saciado a fome daquela multidão.

Ainda hoje, são milhões de seres humanos que passam fome, para alguns tão grande que os levam à morte ou a alguma enfermidade, consequência da sua desnutrição endêmica. A nossa civilização tão desenvolvida e orgulhosa de si mesma, ainda não resolveu o escândalo da fome no mundo. É vergonhoso e desumano que nós desperdicemos alimentos quando tantos outros sobreviveriam com o nosso “lixo”. Enchemos as nossas barrigas de indiferença e egoísmo. Faltam-nos, evidentemente, alguns “alimentos” diferentes que se chamam solidariedade, fraternidade e partilha. O “alimento” que nos carece, afinal, é o amor ao próximo. Por isso Jesus – e sua vida doada – se propõe a nós como “alimento” para que, ao conhecê-lo e ao amá-lo, encontremos o sentido pleno da nossa vida fazendo o bem, amando e servindo aos irmãos. Mais um desafio para nós cristãos que participamos de tantas missas e recebemos tantas comunhões.

Um pedaço de pão

Quando o velho pai morreu, os filhos encontraram algumas preciosidades que ele guardava num armário. Havia um colar de pérolas da mãe, uma plantinha de prata que o médico havia ganhado na universidade, um objeto de marfim da África e, por fim, um pedaço de pão duro e seco. Então chamaram a antiga cozinheira e esta contou o seguinte: “Depois da Segunda Guerra Mundial, havia pouca comida na Alemanha. Estando o médico doente, um velho veio visitá-lo e lhe deu aquele pedaço de pão. Porém o médico recusou-se a comê-lo e o mandou para a vizinha, cuja criança também estava doente. A vizinha agradeceu o pão, mas achou que seria mais justo enviá-lo a um idoso pobre. Este também não ficou com o pão. O mandou para a filha que morava com duas crianças num porão ali por perto. Ela, porém, com a intenção de ajudar o bom médico, levou o pedaço de pão até ele. Ao chegar novamente em suas mãos, o médico percebeu que se tratava do mesmo pão. Emocionado disse: “Enquanto permanecer vivo entre nós o amor que reparte seu último pão, não temo pelo nosso futuro. Este pão saciou a fome de muitas pessoas, sem que ninguém tivesse comido dele um pedaço sequer. Vamos guardá-lo bem e, quando o desânimo se abater sobre nós, olhemos para ele!”

A partir deste domingo, 17º do tempo Comum, teremos uma pausa na leitura do Evangelho de Marcos. Deixamos Jesus “ensinando” e tendo compaixão da multidão. Em Marcos, também, teríamos aquela que estamos acostumados a chamar de “multiplicação dos pães e dos peixes”. É justamente aqui que a Liturgia Dominical encaixa o capítulo 6 do Evangelho de João que nos acompanhará por alguns domingos. Podemos chamar esta página do evangelho de “milagre do pão”, mas o texto de João prefere usar a palavra “sinal” (Jo 6,14). É um convite para ir além do fato em si e procurar entender o recado.

É fácil perceber que o grande assunto desse capítulo é a Eucaristia. Veremos que existem muitas outras fomes na existência humana e não somente a necessidade do alimento material para sobreviver e trabalhar. Tudo começa, porém, com Jesus que sacia a fome do povo. Os detalhes são importantes. O número de pessoas é muito grande, absolutamente desproporcional com os cinco pães e dois peixes oferecidos por um menino. O lugar é bonito e agradável. Todos são convidados a sentar-se na relva e a comer até ficar saciados. É um verdadeiro banquete sem confusão ou disputas. Os gestos de Jesus são os mesmos dos relatos da Última Ceia. Ele toma os pães em suas mãos, os abençoa e os distribui. Os pedaços que sobraram são recolhidas e enchem doze cestos. É um número simbólico que lembra a alegria e a plenitude das promessas de Deus, como o “sete”, soma dos cinco pães e dois peixes.

Antes de apresentar a Eucaristia como “alimento”, o evangelista João nos ensina que Jesus se preocupa com a fome do povo, ou seja, com a primeira necessidade de qualquer ser vivo. É a maneira mais simples e evangélica de lembrar a todos os cristãos de todos os tempos que satisfazer as urgências materiais das pessoas, como a fome, por exemplo, talvez seja algo absolutamente prioritário para que possa existir uma humanidade feliz e fraterna. Jesus ensina que Deus Pai não quer que nenhum dos seus filhos sofram a fome e deixem assim de reconhecê-lo como bondoso e providente, louvando-o e agradecendo-o por sua bondade. Até quando seres humanos padecem ou morrem de fome, devemos nos questionar sobre uma religiosidade separada da vida, um conjunto de ritos, obrigações e rezas que não transformam em “comunhão e partilha” os bens que Deus colocou a serviço de todos. As escandalosas desigualdades sociais, a fome, o desemprego e as migrações de milhões de pessoas devem incomodar as nossas “Eucaristias”. Se nada muda do nosso egoísmo, ao ponto de anestesiar as nossas consciências e, assim, desistirmos de construir uma sociedade mais justa e solidária, corremos o perigo de fazer das nossas Liturgias meras representações e não mais os “memoriais” do amor de Jesus. Até “um pedaço de pão duro e seco” pode lembrar muito amor e fortalecer a esperança. E as nossas Missas?.

O homem sistemático

Havia um homem que se gabava de ser o mais organizado do mundo. Nunca deixava algo ao acaso. Por exemplo, de manhã, na hora de levantar-se, precisava procurar a roupa que havia espalhado de noite, antes de dormir. Isso o incomodava muito. Uma noite, tomou caneta e papel e anotou onde tinha deixado todas as peças da sua roupa. Ao amanhecer, todo alegre, tomou a folha e leu: a calça está ali, a camisa está no cabide, o paletó está na cadeira… Conseguiu recuperar tudo rapidamente. No entanto, de repente, um pensamento o paralisou: – Tudo bem, mas eu mesmo onde estou? Começou a procurar a si mesmo, mas isso não estava anotado na folha. Assim, o homem não se encontrou.

Continuando a leitura do evangelho de Marcos, a Liturgia da Palavra deste 16º Domingo do Tempo Comum, apresenta-nos a volta dos discípulos que Jesus tinha enviado em missão. Como era de se esperar, a primeira coisa que eles fazem é contar “tudo o que tinham feito e ensinado” (Mc 6,30). A partilha da experiência faz parte da caminhada. É necessária para acertar os passos, corrigir exageros, consolar os que foram rejeitados, mas, sobretudo, não perder o foco e o jeito da própria missão. Nesse momento, Jesus enxerga outros perigos para os doze: o excesso de trabalho e a identificação da Boa Notícia com eles. Para evitar essa confusão, Jesus os chama para uma pausa de descanso, afastados das multidões que os procuram sem trégua. A missão continuará depois e Jesus não se omitirá de atender ao povo para o qual sente grande compaixão. Esse povo se parece com um rebanho espalhado sem rumo, sem uma meta, sem um pastor para mostrar-lhe o caminho certo. Por isso, Jesus começa “a ensinar-lhes muitas coisas”. É o primeiro “alimento” que o Mestre oferece às multidões, depois virá outro, novo e diferente, como veremos nos evangelhos dos próximos domingos.

Por que ir num lugar deserto para descansar “um pouco”? A missão não devia ser prioridade absoluta? “Descansar” não é um luxo para poucos ou um perder tempo quando têm coisas mais importantes para fazer? Cada um pode procurar as respostas, eu, simplesmente, levanto algumas questões. Do ponto de vista do nosso corpo, nós todos temos limitações. Não somos máquinas com peças de reposição. Em geral, quem trabalha demais corre o perigo de se esgotar, de ser obrigado a parar vez por outra, para não findar uma vez por todas. No entanto, o outro perigo – perder o foco da missão – é muito mais grave. A empolgação e a responsabilidade com o anúncio do Evangelho não devem ser confundidas com o fato de chegar a pensar que somos indispensáveis para a missão, ou seja, que sem nós, nada mais vai para frente. No fundo, a questão é trocar a própria Boa Notícia, que depois é Jesus e o seu exemplo, com as nossas pessoas e o cargo que, temporariamente, ocupamos. Significa nos identificar tanto com o trabalho missionário de pensar que o Reino (de Deus) dependa de nós. Esquecer que somos “servidores da Palavra” e não donos. Pode acontecer a qualquer um: aos bispos, aos padres, a algum animador e animadora. Quantas vezes escutamos pessoas dizer: “Se eu sair da frente, desmorona tudo, a Comunidade desaparece…”. Pensar e dizer isso é, no mínimo, falta de fé. O fato de nos considerarmos indispensáveis nos enche de orgulho e, muito provavelmente, impede a outros irmãos e irmãs de participar e colaborar.

Estar cheios de entusiasmo com a missão é um grande dom, mas saber dar espaço e oportunidade para os outros é, mais ainda, sinal de maturidade, de humildade e de confiança nos projetos de Deus, porque é ele o Bom Pastor que conduz o seu povo. “Descansar” não é, portanto, simples folga ou preguiça, é algo necessário para saber quem somos, para onde vamos e, sobretudo, para conhecer cada vez mais e melhor aquele Jesus que devemos anunciar. Para isso, servem a oração pessoal, a meditação da Palavra, momentos e dias de Retiro. Ficar a sós com Jesus, e olhar dentro de nós com sinceridade, é indispensável para sermos verdadeiros missionários do Evangelho de Jesus. Antes de fazer a lista das tarefas a serem cumpridas – a roupa espalhada – precisamos saber quem somos e porque fazemos aquilo.

O galo

O galo acordava bem cedo todas as manhãs e dizia para a bicharada do galinheiro: “Vou cantar para fazer o sol nascer…”. Ato contínuo subia até o alto do telhado, estufava o peito, olhava o horizonte e cantava. Em poucos minutos, a bola vermelha começava a aparecer e se mostrava toda acima das montanhas, iluminando a paisagem. Todos ficavam boquiabertos e respeitosos ante o poder extraordinário conferido ao galo. Aconteceu, entretanto, que o galo, certo dia, perdeu a hora e, quando acordou, o sol já estava lá, brilhando no meio do céu, sem necessidade do seu canto. O galo ficou triste e caiu em depressão, mas os bichos ficaram alegres por saberem que não precisavam da ordem do galo para o sol nascer.

 

A leitura do evangelho de Marcos continua neste 15º Domingo do Tempo Comum. Jesus deu exemplo de coragem indo para “a outra margem” e mostrou como encontrar as pessoas em suas situações de exclusão e sofrimento. Ele fez também a experiência das críticas e da recusa, primeiro longe, na região de Gerasa e, depois, em Nazaré, a sua terra. É neste momento, de acolhida e de repúdio, que ele envolve os doze e os envia em missão “dois a dois”. Eles devem pregar a todos a conversão, expulsar os demônios e curar os doentes, ou seja, na prática, fazer o mesmo que Jesus estava fazendo. As portas de algumas casas se abrirão, mas outras permanecerão fechadas. Alguns ficarão escutando, outros não. Sempre será assim, nem todos acolherão o anúncio do Reino. Nem por isso a missão deve parar ou se limitar a amigos e simpatizantes. Para os do “contra” ficará a poeira dos pés como testemunho de um dom desprezado.

 

Nesta página do evangelho de Marcos aparecem também algumas condições para que a missão avance com a chegada dos discípulos. Eles são enviados “dois a dois”. O primeiro fruto da alegria do Evangelho é a comunidade, porque o fato de ser “dois” é o início de qualquer fraternidade. Desse jeito Jesus, numericamente falando, diminui as possibilidades, mas aumenta a força do exemplo. A Boa Notícia deve ser anunciada junto à vivência da amizade, da solidariedade, da comunhão e da partilha. Sem o exemplo de tudo isso, a pregação deles ficaria um discurso de palavras belas, talvez, mas vazias. “Dois” significa também aprendizagem, diálogo, correção fraterna. O contrário do individualismo e das disputas para ser, ou aparecer, um melhor do que o outro.

 

Outras condições da missão, sem dúvida alguma, são: a pobreza e a escassez de recursos. Os “dois” devem confiar na providência de Deus e na acolhida nas casas. A falta de certos bens, a princípio necessários, não somente tornará os viajantes mais ágeis e leves, porque não terão muita coisa para carregar, mas também não serão vítimas da inveja ou da cobiça de interesseiros e assaltantes. Sendo pobres, darão testemunho de desprendimento e liberdade, mas, muito mais, provarão ter encontrado na Boa Notícia do Reino o verdadeiro tesouro, para o qual vale a pena vender tudo para comprá-lo (Mt 13,44-45). Mais uma vez, Jesus nos ensina a não confundir o Evangelho com os meios úteis e necessários para anunciá-lo. Planos e projetos ajudam a não trabalhar à toa ou sem rumo, mas podem transformar os discípulos em funcionários que cumprem metas de produção. A preocupação do dinheiro pode nos tornar eternos pedintes, sempre insatisfeitos, ou administradores superatarefados em gerir fundos verdadeiros ou imaginários. Os discípulos, agora também missionários, não anunciam a si mesmos, mas a novidade do Reino que está começando, visivelmente, com Jesus. Devem dizer a todos que Deus é Pai, que tem misericórdia e quer ser amigo dos homens. Não anunciam novas normas para serem obedecidas, mas o único mandamento do amor. Com suas vidas doadas, eles devem despertar os distraídos e anunciar-lhes que o Reino é dom de Deus, oferecido a todos. Essa é a nova luz que desponta e resplandece. Que alegria serem alcançados por ela e poder comunicá-la a outros! Afinal o galo era, e ainda é, somente “o mensageiro” do sol, nunca o seu dono.

Sinodalidade, o que é?

Vez por outra, aproveito deste espaço ou de alguma circunstância para explicar algo “novo” que está acontecendo ou está a caminho de acontecer. Achei bom falar do tema da “sinodalidade”, justamente, por ocasião da solenidade de São Pedro e São Paulo porque, neste domingo, celebramos mais do que uma festa de santos, é a festa da Igreja toda, alicerçada sobre a vida e o testemunho dos apóstolos. Nós, católicos, acreditamos que a nossa Igreja vem de longe, do próprio Senhor Jesus Cristo. Ele prometeu estar sempre conosco e firmou a sua presença com o dom do Espírito Santo. São três as principais imagens que o Concilio Vaticano II usou para explicar a Igreja: Povo de Deus, Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo. Dessa maneira toda a Santíssima Trindade está envolvida na realidade humano-divina que somos nós, os batizados, discípulos-missionários do Senhor Jesus. Ao longo dos séculos, a Igreja enfrentou muitas tempestades e sempre aparecerão novos perigos e desafios. Desde o início, ela se entende como “santa e pecadora” ao mesmo tempo. É santa porque tem dons santos para oferecer e é formada por pessoas chamadas à santidade. Mas é também pecadora, porque as “coisas santas” foram entregues aos vasos de barro que somos nós, frágeis, fracos e limitados. A Igreja singra os mares da história, consciente de tudo isso: do seu medo e da sua falta de fé, mas também da sua coragem e da sua responsabilidade de ser “germe e sinal” do Reino de Deus. Por isso, é costume dizer que a Igreja está sempre num caminho de conversão ou de reforma para se tornar melhor (Ecclesia semper reformanda!).

Uma das maiores dificuldades da Igreja é a própria organização ou, se preferem, o seu funcionamento. Por ser real e visível, a Comunidade eclesial partilha das situações pela quais passa a humanidade toda. Ela sabe que não pode se basear em simples critérios humanos, mas, ao mesmo tempo, experimenta, inevitavelmente, a influência das diversas maneiras históricas de pensar e de agir, ou seja, das novas culturas que vão surgindo. De certa maneira, podemos falar também para a Igreja de “evolução” no sentido melhor da palavra. Por exemplo, como combinar, hoje, o fato de ser uma Igreja “hierárquica” – que, afinal, significa ter serviços e responsabilidades diferentes – com o anseio geral de participação nas decisões e de partilha nas diversas tarefas? Não é mais possível imaginar uma Igreja onde muito poucos ensinam e mandam e a grande maioria só aprende e obedece. Isso não significa renunciar a qualquer autoridade, mas a exercê-la de uma forma nova e diferente. O Concílio Vaticano II abriu o caminho para os “Sínodos” de bispos juntos com o papa como uma expressão maior de colaboração. “Sínodo” e “sinodalidade” significam “caminhar juntos”.

Nesses últimos anos, por ocasião dos Sínodos que o Papa Francisco convocou (Família, Juventude, Amazônia) ele pediu algo anterior que podemos chamar de “escuta” do Povo de Deus. Famílias e jovens do mundo inteiro e os povos da Amazônia puderam se manifestar antes dos sínodos. Em outubro de 2023, acontecerá um sínodo, justamente, sobre a “sinodalidade” ou seja: porque e como tornar esta sinodalidade o jeito efetivo e eficiente de participação de todo o Povo de Deus na vida da Igreja. Não estamos acostumados a isso. É tudo novo e muito ainda deve ser experimentado e testado. No entanto já é possível dar os primeiros passos. Um “ensaio” de sinodalidade pode acontecer já, nestes meses, em preparação à Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe (novembro 2021). Graças às redes sociais e aos computadores, qualquer pessoa poderá expressar a sua opinião entrando no site preparado para isso. Também grupos podem enviar as suas considerações. No site é possível encontrar algumas sugestões de escolha de temas e desafios, mas tem a possibilidade de dizer algo diferente. E quem não tiver internet ou não sabe usá-la? Peça ajuda aos jovens que, pelo jeito, parecem já nascer com essas novas habilidades. Colaboração entre as gerações é experiência de sinodalidade.

Vamos aprender a “caminhar juntos”. Pedimos que São Pedro e São Paulo nos ajudem nesta nova etapa da Igreja. Naquele tempo, não tinha como mandar cartas pelo e-mail ou no celular, mas hoje sim. Novas tecnologias, nova participação, novo jeito de caminhar juntos. Mas sempre a mesma fé e o mesmo entusiasmo apostólico, porque a missão da Igreja não acabou.

A pedra fundamental

Um padre antigo, muito santo, disse:

– É impossível construir uma casa de cima para baixo; ela precisa ser erigida a partir do fundamento.
Perguntaram-lhe:

– Qual é o sentido dessa palavra? Ele lhes respondeu:

– A pedra fundamental é o próximo, a fim de que o ganhes. Isso precisa estar no início, pois desse fato dependem todas as demais prescrições do Senhor.
No evangelho de Marcos deste 13º Domingo do Tempo Comum, encontramos Jesus “curando” uma mulher doente e uma criança considerada já morta. Logo pensamos em milagres, mas ao evangelista não interessam tanto o maravilhoso e o extraordinário. No final do trecho, o próprio Jesus pede que ninguém saiba do fato da menina. Bem diferente foi o caso da mulher, curada no meio da multidão que o comprimia. Para o evangelista Marcos, Jesus “ensina” mais com os gestos do que com as palavras. Cabe aos ouvintes da Boa Notícia reconhecer a mensagem e, mais uma vez, deixar-se envolver.

A primeira constatação é que Jesus não faz acepção de pessoas. Ele se solidariza com os sofredores e não escolhe a quem dar atenção e a quem não dar. Vale para Jairo, chefe da sinagoga. É um pai desesperado com uma filhinha gravemente enferma. Por causa das hemorragias, a mulher que o toca seria “impura” e, portanto, não devia tocar em ninguém e nem ser tocada. Mas ela confia e arrisca a reprovação de todos, até alcançar a roupa de Jesus. Assim, fica curada. No entanto, algo diferente aconteceu. Aquele não foi um empurrão qualquer ou um aperto casual. Foi uma decisão, uma escolha, uma expressão de fé nele, que Jesus reconhece e louva. A segunda consideração diz respeito àquela que hoje chamaríamos “propaganda”. Jesus prefere ser caçoado que fazer uma demonstração pública de poder. O que ele quer ensinar é o amor às pessoas, o cuidado, a aproximação. No quarto da menina, ficam somente os pais e os três discípulos de sempre, testemunhas privilegiadas do novo que estava acontecendo.

Podemos dizer, simplesmente, que Jesus, na sua maneira de agir, é coerente com o que ensina, em palavras, em outros evangelhos. Por exemplo, em Mateus, sabemos que seremos julgados pelo bem feito aos necessitados, sem preferências ou discriminações. O amor verdadeiro é para todos os que precisarem, porque em todos os sofredores está chorando Jesus, mesmo que não o reconheçamos (Mt 25,31-46). Quando praticamos a esmola, a oração e o jejum, não devemos fazê-lo nas praças, nem mandar tocar a trombeta. A mão esquerda não deve saber o que faz a mão direita e nosso rosto deve manifestar a alegria de praticar o bem (Mt 6, 1-18).

Na dinâmica do evangelho de Marcos, tem, porém, algo mais: a fé e a esperança do pai Jairo e da mulher doente. Ambos procuram Jesus, o primeiro pedindo abertamente; a segunda, em silêncio, envergonhada pela sua situação. Não há como não pensar nas nossas orações e nos nossos pedidos. Alguns deles, sabemos, são estrondosos e fazem barulho, também nas nossas igrejas. Outros não, ficam escondidos no coração das pessoas. Acontece um diálogo secreto, na frente do Sacrário ou, talvez, de uma imagem, mas o pensamento é no Senhor, para que tenha misericórdia e venha nos socorrer. O que não pode faltar nas nossas orações é a fé, porque sabemos que estamos falando com Alguém que nos escuta, Alguém que, com certeza, de uma maneira ou de outra, vai nos socorrer. Por isso, Jesus diz ao pai Jairo: “Não tenhas medo. Basta ter fé” (Mc 5,36). E à mulher que estava tremendo: “Filha, a tua fé te curou” (Mc 5,34). Como Deus faz isso? Através das pessoas de bom coração que não pensam somente nos seus interesses, no seu lucro ou na sua tranquilidade. São homens e mulheres que colocaram mesmo como pedra fundamental da própria vida o amor ao próximo. Escutam palavras semelhantes àquelas que disseram a Jairo: “Tua filha morreu. Por que ainda incomodar o mestre?” (Mc 5,35). Não, eles e elas não desistem. Sempre se deixam incomodar pelo sofrimento alheio, como Jesus.

Nenhuma esperança

Opiloto comunica aos passageiros durante o voo:

– Aqui é o comandante. Sinto muito, mas estamos com um terrível problema. Somente Deus pode nos salvar.

Um dos passageiros pergunta ao padre que estava sentado ao seu lado:

– O que ele falou que eu não entendi? E o padre responde:

– O piloto falou que não tem mais nenhuma esperança!

Peço desculpa pela brincadeira, mas, às vezes, é isso mesmo que acontece: confiar em Deus e não ter mais nenhuma esperança são a mesma coisa. Se
enxergássemos ainda alguma possibilidade, provavelmente, nem pensaríamos nele. Será, então, que a fé em Deus serve somente nas horas difíceis da vida ou, na prática, não serve mesmo para nada? Qual lugar, tempo ou espaço Deus ocupa nos dias “normais”? O evangelho de Marcos deste 12º Domingo do Tempo Comum nos fala de uma tempestade que o barco, com Jesus e os discípulos, enfrenta durante a travessia do mar da Galileia. Todos ficam apavorados com medo que a barca afunde e os leve para o abismo. Todos não, porque Jesus dorme tranquilamente, como se nada estivesse acontecendo. Os discípulos o acordam com uma pergunta dramática que é pedido e provocação ao mesmo tempo: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” (Mc 4, 38). Jesus atende ao pedido e manda a tempestade se acalmar. À provocação – se lhe importava ou não a vida dos seus amigos – responde com uma pergunta: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé? (v.39). Como sempre, Jesus surpreende pelo poder, porque o vento e o mar lhe obedecem, mas também por colocar em questão a fé dos discípulos. Primeiro, Jesus responde ao pavor deles e manda calar as forças da natureza. Com isso, deixa entender que se importa muito com as suas vidas. Estava dormindo sim, mas não zomba da fraqueza daqueles homens, conhecia bem as fragilidades deles que são também as nossas. Dessa vez, ele mesmo resolveu a situação. Foi suficiente acordá-lo.

O nosso Deus, não é um ser caprichoso e imprevisível, ou, pior, vingativo, alguém que goste de fazer sofrer os seres humanos. Ele está conosco, nos ama muito e quer que todos tenhamos vida e vida em abundância (Jo 10,10).

No entanto, quantas outras vezes rezamos e imploramos a Deus para que nos ajude numa determinada circunstância e ele parece não responder, parece ausente, ele estando na sua divina tranquilidade e nós no pior desespero. É nesse momento que Jesus reclama da falta de fé dos discípulos. Porque ter fé significa, justamente, continuar a acreditar e a confiar em Deus, também nas horas difíceis, quando ele parece nos ter abandonado. Alguns acham que ter fé seja dizer a Deus o que ele deve fazer e que ele tenha mesmo que estar sempre pronto a obedecer às nossas ordens. Caso contrário, seria um Deus mau e se tornaria inútil acreditar nele. É verdade que Jesus disse: “Tudo o que, na oração, pedirdes com fé, vós o recebereis” (Mt 21,22), mas será que isso vale para “tudo” mesmo? Com certeza, nós pedimos saúde, dinheiro, sorte, felicidade e vida cômoda. Ninguém pede sofrimentos e provações. Contudo de uma forma ou de outra, antes ou depois, todos experimentamos enfermidades e aflições corporais e espirituais ao longo de nossa vida. Por fim, passaremos pela morte. Maldade de Deus e destino cruel? Se fosse assim, só nos restaria baixar a cabeça e resmungar sem esperar resposta alguma.

Com a luz da fé, porém, as coisas tomam outras cores e podemos enxergar além das coisas materiais e das circunstâncias imediatas. É possível descobrir riquezas onde parece existir só miséria. É possível ver plenitude de vida também em poucos dias de existência. É possível reconhecer a liberdade e a gratuidade do amor, também onde e quando as deficiências humanas parecem gritar o oposto. A fé cresce com a compaixão e a solidariedade, ensina-nos a sermos companheiros de viagem. Deus não deixa faltar as suas consolações, ele está mais perto de nós do que pensamos, sobretudo quando estamos atravessando as tempestades da vida. A nossa esperança nele nos impede de desistir do amor. A única força mais forte do que a morte, porque “o amor jamais acabará” (1Cor 13,8).

A tarefa mais difícil

Estava acontecendo entre os discípulos uma grande discussão. Queriam saber qual era a tarefa mais difícil de todas: colocar por escrito aquilo que Deus revelava através das Escrituras, compreender o que Deus tinha revelado nas Escrituras ou explicar as Escrituras aos outros depois de tê-las entendido.

Quando perguntaram ao mestre o seu parecer ele disse:
– Conheço uma tarefa mais difícil ainda.
– Qual é? – perguntaram os discípulos.
– Mostrar a vocês, cabeças duras, a realidade como ela é.
“De novo, Jesus começou a ensinar” (Mc 4,1), assim se inicia o cap. 4 de Marcos, do qual são tiradas as duas parábolas que encontramos no evangelho deste domingo. Uma, a da semente que cresce na terra “por si mesma”, a encontramos somente em Marcos, a outra, aquela do grão de mostarda, está também nos evangelhos de Mateus e Lucas. As parábola foram a maneira de Jesus explicar, através de comparações, aquela realidade complexa e ao, mesmo tempo, maravilhosa que é o Reino de Deus. Tudo começa com um semeador que espalha a semente. No entanto no tempo em que o semeador “dorme e acorda, noite e dia” (Mc 4,27), a semente vai germinando e crescendo e ele não sabe como isso acontece.

Hoje, nós podemos explicar como advém a transformação da semente em plantinha e depois como esta vai crescendo. Conhecemos os segredos das reações químicas entre os componentes que alimentam as plantas, a força da energia luminosa, a necessidade da água e a sucessão dos demais processos de desenvolvimento delas. Sabemos que a intervenção humana pode acelerar ou modificar algumas condições no crescimento das plantas, mas nada pode mudar a sucessão dos momentos que parecem já estar programados na própria natureza. “Primeiro aparecem as folhas, depois vem a espiga e, por fim, os grãos que enchem a espiga” (Mc 4,28), passam os séculos, mas, pelo jeito, esses passos continuam os mesmos.

Essa é a realidade e nós deveríamos ficar encantados e agradecidos com isso. A natureza toda, com as suas regras e os seus ritmos, é uma dádiva maravilhosa que já encontramos quando chegamos neste mundo. Este é o sentido mais importante da parábola: como a natureza, assim o Reino de Deus tem uma força própria que o faz crescer, porque o Reino é, em primeiro lugar, obra e dom de Deus. Isso não significa, de jeito nenhum, que nós cristãos tenhamos que ficar só aguardando, de braços cruzados, as coisas acontecerem. Jesus nos envia como “sal da terra e luz do mundo”, mas sempre como colaboradores de uma obra extraordinária que é dele e, portanto, vai acontecer mesmo e apesar dos obstáculos que nós, infelizmente, colocamos. Não é humilhante sermos “colaboradores” da obra de Deus, sobretudo quando somos chamados de “amigos” e não mais de servos ou simples ajudantes que seja (Jo 15,15). Deveríamos ficar felizes e agradecidos por tanta confiança e paciência. Para sermos cristãos de verdade, não basta declararmos que temos muita fé, ou insistirmos num moralismo que só enxerga os erros dos outros. O segredo da alegria e do sofrimento da vida cristã é nos deixarmos envolver na semeadura e no testemunho dos valores do Reino. Poderemos ver o Reino crescer e se expandir como, também, poderemos ser perseguidos por causa do Filho do Homem (Lc 6,22). O Reino, portanto, será sempre um “dom” que deve ser pedido ( Pai Nosso!) e buscado para que todos os outros bens que Deus quer nos dar “por acréscimo” cheguem até nós (Mt 6,33).

A parábola da semente de mostarda, a menor de todas as sementes da terra, confirma, por contraposição, a grandeza do Reino. Pode parecer pequeno conforme os critérios dos poderosos deste mundo, insignificante talvez, mas crescerá, porque o bem e a vida vencerão o mal e a morte. Que alegria podermos nos abrigar, confiantes, à sombra da árvore frondosa do Reino! No entanto, continuamos com as nossas cabeças duras, porque julgamos o Reino com as nossas medidas humanas de poder e grandeza, e esquecemos a “força” invencível, mas escondida e interior, do amor de Deus.

Um pedaço de verdade

Certa vez, o Diabo saiu para passear com um amigo. Na frente deles, viram um homem que se baixava e recolhia alguma coisa do chão.
– O que aquele homem encontrou? – perguntou o amigo.
– Um pedaço de verdade – respondeu o Diabo.
– E você não está triste por causa disso?
– Não – respondeu o Diabo – vou deixar que, com aquilo que ele encontrou, invente uma nova religião.
Já estamos novamente no Tempo Comum da Liturgia e voltamos a ler trechos do evangelho de Marcos. Na página deste domingo, aparecem muitos personagens, além de Jesus e dos discípulos, alguns visíveis e outros, digamos, “invisíveis”, mas não menos importantes: Belzebu e o Espírito Santo. Ao redor de Jesus se reúne a multidão e ele fica tão ocupado que nem tem tempo para comer. Assim, preocupados, ou talvez interessados, chegam os parentes e os mestres da Lei. São esses últimos que espalham a acusação de que Jesus está agindo pelo poder de Belzebu, o príncipe dos demônios. Jesus responde com uma parábola que apresenta um raciocínio óbvio. Se os membros de um reino, ou de uma família, dividem-se uns contra os outros, aquele reino, ou aquela família, não sobreviverá. Qualquer divisão é sinal de fraqueza, nunca de força. Nesta altura, Jesus contrapõe-se ao “espírito mau”, pelo qual diziam que ele estava possuído, o “espírito bom”: o Espírito Santo. O pecado que não pode ser perdoado é, portanto, a incapacidade de reconhecer o bem que estava acontecendo, o amor de Deus Pai que Jesus tornava visível, e sustentar o contrário, como se o bem fosse um mal. Quem afirma que Deus é mau, ou que é causa do mal, está blasfemando. No final do trecho, reaparecem os familiares de Jesus, aqueles que queriam agarrá-lo. Não sabemos se era mesmo para protegê-lo da multidão e dos mestres da Lei ou, quem sabe, para tirar algum proveito daquele inesperado sucesso. Por isso, Jesus corta logo qualquer interesse escuso. Ele está começando a formar uma nova família, não mais unida pelos laços do sangue, mas pelo compromisso a cumprir “a vontade de Deus”, vontade essa que não é de divisão, lucro ou poder, mas de comunhão, fraternidade e serviço.
Volto a refletir sobre o pecado que, disse Jesus, não pode ser perdoado. Com certeza, nós não blasfemamos diretamente contra Deus, nem pensamos nisso. No entanto, tem uma maneira mais sutil, não sei se menos grave, de cair neste pecado: falar mal do bem que os outros fazem. Ou seja: pensar que o bem mesmo seja somente e exclusivamente aquele que é feito pelos nossos, os que pensam como nós, que são do mesmo partido, da mesma religião, do mesmo grupo. Todos os outros nunca fazem nada de bom, sempre fazem tudo errado.

Nesse caso, conscientemente ou não, alimentamos as divisões, os preconceitos, as exclusões. Cresce o desprezo, a não escuta do outro, o não querer ver. Como é difícil reconhecer o bem que os outros fazem ou que fazem de maneira diferente da nossa! Quanto bem, talvez, deixa de ser feito, de acontecer, porque não sabemos unir as forças, recusamos colaborar com quem tem outra crença ou mesmo nenhuma!

Hoje, a humanidade e o planeta vivem momentos dramáticos. Nunca iremos resolver, ou ao menos amenizar, a questão da fome de milhões de seres humanos se não juntarmos as forças e todos os países fazerem algo em prol disso. Igualmente a questão ecológica exige a disposição de todos para diminuir os consumos, a poluição, a produção de lixo, o uso indiscriminado da água potável. Neste momento, o bem importante é a sobrevivência de todos e não somente de alguns, é a responsabilidade com as futuras gerações a longo prazo e não a busca de uma saída temporária, superficial e insustentável. A maneira de agir e de falar de Jesus não se encaixava naquela dos mestres da Lei. Por consequência, eles julgaram que o que ele fazia só podia ser algo mau, errado, obra de satanás. Isso em nome da religião deles. Ainda hoje fanatismos, fundamentalismos e intolerâncias nos cegam. Assim, vida digna para todos, vida de paz e alegria, ficam para depois. O diabo agradece.

Promessas

Certa vez, após uma sangrenta batalha, Alfred, o rei da Inglaterra teve medo e fugiu. Se embrenhou numa floresta desconhecida até que encontrou uma casa humilde e uma mulher aceitou acolhê-lo. Para ela, o rei era simplesmente um soldado inglês cansado e faminto. A mulher lhe disse:

– Vou sair para buscar um pouco de leite das minhas cabras. Você promete que ficará reparando o pão que estou assando no forno, para que não queime? Alfred prometeu. No entanto, preocupado com as sortes do seu exército e do reino, se esqueceu de ficar olhando o pão. Ficou todo carbonizado e a cozinha cheia de fumaça. Quando a mulher voltou, deu-lhe um forte tapa na cara, reclamando pela desatenção. Alfred disse:

– Como se atreve a bater no seu rei! Mas a mulher replicou:
– O senhor tinha-me dado a sua palavra que ficaria olhando no forno. Devia tê-la mantida!
Conta a lenda que foi neste momento que o rei Alfred se lembrou do juramento feito quando subiu ao trono. Tinha prometido que iria defender o seu povo até ao custo de sua vida. Envergonhou-se de ter abandonado a batalha. Voltou, reorganizou as suas forças e ganhou a guerra.

Lenda é lenda, acredite quem quiser, no entanto, lembra-nos que as promessas que fazemos não podem ser meras palavras jogadas ao vento. De maneira especial quando envolvem a vida de outras pessoas. Pensamos a tantos juramentos profissionais, quando alguém assume um cargo público, as promessas matrimoniais, da vida religiosa e consagrada e nos graus do sacramento da ordem. Antigamente, dizem, que bastava a palavra dada para selar alianças entre reinos e nos contratos comerciais. Talvez precisasse de algumas testemunhas, mas a palavra dada era fundamental. Hoje, assinamos papéis e mais papéis, mas a fidelidade às promessas parece ter ficado nos costumes do passado. Sem falar dos crimes praticados todo dia pela internet com a promessa de lucros extraordinários e com comprovantes que, depois, revelam-se inexistentes. Claro que estou generalizando muito e que tudo isso não vale para todos. Contudo estamos nos acostumando até com as declarações públicas de pessoas famosas que depois são regularmente desmentidas ou reviradas com explicações opostas. A prudência é uma virtude, assim como a sinceridade e a honestidade, mas o medo de sermos enganados cria, infelizmente, um clima de desconfiança e dúvida.

No evangelho de Mateus, deste domingo da Santíssima Trindade, Jesus envia os seus apóstolos a todos os povos, sem discriminação, para que, através do batismo, eles também se tornem seus discípulos. Uma missão sem limites, mas com uma promessa decisiva: “Eis que eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20). Se não compreendemos bem essas palavras e esquecemos de outras, podemos chegar a duvidar até das promessas de Jesus. Por exemplo, se entendemos que a presença de Jesus seja garantia de sucesso – no sentido mundano da palavra -, de multidões ou de poder, estamos redondamente enganados. É mais provável que a Comunidade dos discípulos tenha que passar por críticas e perseguições. Juntos com os bons frutos aparecem, também, as nossas fraquezas e falhas. O caminho do Evangelho será sempre o caminho da cruz, ou seja, do sofrimento, do sacrifício, da vida doada. Se for por amor, porém, antes ou depois, a bondade vencerá. Outro detalhe que não devemos esquecer: ser discípulos de Jesus não significa ter a exclusividade do bem. Com certeza, outros podem fazer melhor do que nós. A presença de Jesus vivo e ressuscitado não será medida simplesmente pelos resultados de uma ou de outra obra, mas pela capacidade de recomeçar sempre de novo. Porque é assim que acontece. Todos cansamos de sermos “bons”, tem hora que dá vontade de esquecer os pobres e tirar satisfação de quem nos ofendeu. Manter viva a esperança da força invencível do amor, essa é a nossa missão. Jesus não está entre nós para ganharmos sempre e de qualquer jeito. Ele está conosco para que nunca desanimemos e para que lembremos que o Reino é dele, não o nosso. “…E o seu reino não terá fim” (Lc 1,33).