
Dom Pedro Conti

Santidade, nada de santidade
Certa vez, por ordem do Papa, São Filipe Neri visitou um mosteiro onde tinha uma religiosa considerada santa. Quando Filipe, que entendia muito bem de santidade, chegou naquele lugar, tirou os sapatos sujos de lama. Com um sorriso, disse para aquela freira que tinha ido ao encontro dele:
– Irmã, por favor, pode limpar estes meus sapatos? A famosa monja foi embora indignada, reclamando. Filipe voltou com o Papa e lhe falou baixinho no ouvido: Santidade, nada de santidade!
Mais uma anedota de um santo conhecido pelo bom humor e a alegria. É bom também lembrar que os papas são chamados de “Santo Padre” ou “Santidade”, só para não confundir um título de respeito ao Papa com a “santidade” que, na Solenidade de Todos os Santos e Santas, queremos celebrar. Apesar de tantas explicações, muitos cristãos e cristãs acham que falar em santidade seja algo que não lhes diz respeito. Isso porque a Igreja continua a nos propor justamente, e com a devida propaganda também, exemplos extraordinários de batizados e batizadas que viveram heroicamente muitas das virtudes propostas a todos os cristãos. Simplesmente, a Igreja nos convida a olhar para os melhores, aqueles e aquelas que sobressaíram pela generosidade, o desprendimento, o serviço ao Evangelho e aos pobres. Aqueles e aquelas que, acreditamos, podem nos aj udar com a maravilhosa e inesgotável riqueza de amor que se chama “comunhão dos santos”. Pois nenhuma santidade verdadeira é simplesmente individual, sempre tem consequências e frutos na comunidade humana, sejam conhecidos ou não esses reflexos luminosos. Deveríamos estar convencidos que se todo mal tem, antes ou depois, consequências nefastas, igualmente o bem produz resultados impensáveis e imprevisíveis. Semente boa, em terra boa sempre produz cem, sessenta, trinta por um (Mt 13,8). Não devemos estranhar, portanto, se nos escritos do Novo Testamento, Paulo e os demais autores, chamam os cristãos de “santos”. Essa é a grande vocação à qual cada batizado é chamado.
O contrário da santidade não é a maldade, mas sim a mediocridade, ou seja, o desistir de sermos melhores, o fato de nos conformarmos com os defeitos e as limitações e achar impossível superar as dificuldades. Temperamento pessoal, educação, circunstâncias especiais, encontros com testemunhas extraordinárias, podem ajudar no caminho da santidade, mas ninguém nasce santo ou santa. Todos e todas, mais ainda os famosos, enfrentaram tentações, lutaram contra as forças do mal, tiveram medo, passaram por momentos intermináveis de escuridão, nos quais tudo parecia inútil e sem sentido. No entanto, eles e elas nunca deixaram de confiar, de pedir misericórdia Àquele que é “O Santo” (três vezes, Ap 4,8) e que nos quer santos (Lc 6,36).
Estou convencido que todos os Santos e Santas, canonizados ou não, tiveram duas qualidades em comum: a humildade e a alegria. A humildade nos ajuda a confiar mais em Deus e na misericórdia dele do que nas nossas capacidades. Quem quiser crescer em santidade deve estar muito consciente das suas fraquezas e, portanto, admitir sem medo os seus pecados. Deve pedir perdão, deve saber reconhecer quando errou, deve preferir o último lugar aos primeiros, simplicidade e o escondimento aos elogios e às honrarias. De outra forma, já teria recebido a sua recompensa (Mt 6,2). Contudo, o segredo mais bonito dos Santos e Santas, foi com certeza a alegria, pela simples razão de viver com plenitude a sua fé e o seu serviço aos pequenos e pobres. Ajudar alguém com impaciência, ou por mera obrigação, não tem alegria nenhuma. Somente se sabemos reconhecer o próprio Jesus nos irm&atild e;os, ca ídos nas estradas da vida, podemos atendê-los com carinho e solicitude. Todos os Santos e as Santas também choraram. Foi porque gostariam de fazer mais ou porque se solidarizaram com os aflitos da vida. Souberam “choraram com quem chora, para se alegrar com quem está alegre” (Rm 12,15). Os que souberam consolar, foram consolados, enxugando lágrimas de irmãos ou limpando sapatos sujos de lama, felizes.

Omissão
Uma jovem se formou na universidade com as melhores notas. Logo, procurou um trabalho que lhe garantisse um bom salário, não exigisse muito esforço e garantisse bastante dias de folga. Com os seus conhecimentos profissionais e algumas amizades dos pais, encontrou o emprego como sonhava. Imediatamente mandou uma mensagem a um seu amigo e partilhou a sua felicidade. O amigo, porém, respondeu-lhe com palavras que talvez ela não esperava. Ele escreveu: “Tu não és somente sortuda, és também omissa”. Ele a questionou afirmando que achava um verdadeiro desperdício gastar as suas capacidades de inteligência e criatividade numa vida tão egoísta. A jovem refletiu e mudou de trabalho. Decidiu comprometer-se mais com a solidariedade; entendeu que devia cuidar melhor de si mesma e dos mais desfavorecidos. Convenceu-se que devia zelar pela natureza e todo ambiente de v ida. Enf im, abraçou projetos de justiça e de paz. Depois de algum tempo, escreveu novamente ao seu amigo e agradeceu. Estava feliz.
A página do evangelho de Mateus deste 30º Domingo do Tempo Comum nos apresenta mais uma pergunta traiçoeira a Jesus. Os fariseus, rigorosos observantes da Lei, queriam saber dele qual era o maior de todos os mandamentos, ou seja, aquele preceito ao qual todos deviam obedecer. Talvez esperassem que dissesse que era o respeito ao repouso do sábado, para que ficasse clara a absoluta obediência a Deus, que também descansou no sétimo dia. Assim Jesus poderia ser acusado de desobediência porque curava os doentes até no sábado. A luminosidade da resposta de Jesus contrasta com a obsessão cega dos fariseus pela Lei. Ele, simplesmente, lembrou a todos aquilo que já estava escrito na própria Palavra: os dois mandamentos do amor, a Deus (Dt 6,5) e ao próximo (Lv 19,18). O que ninguém esperava era que Jesus dissesse que o segundo mandamento, ou seja, o amor ao próximo fosse seme lhante a o primeiro, aquele de amar a Deus. Se queremos amar a Deus de verdade, o jeito certo, não será aquele de cumprir preceitos mais ou menos religiosos, devotos ou piedosos que sejam, mas devemos praticar a solidariedade e a fraternidade com os irmãos e irmãs necessitados, que encontramos nos caminhos e encruzilhadas da vida. O bem feito ao irmão sofredor é amor ao próprio Cristo (Mt 25,40) e o bem, recusado ao pobre, será considerado desprezo ao Senhor (Mt 25,45).
O mandamento do amor é único. Lembramos o que está escrito na Primeira Carta de João: “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão que vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4,20). Não tem desculpas e nem saídas sorrateiras. Jesus passava as noites em oração ao Pai, mas gastava o dia na pregação e no atendimento aos doentes e pecadores. Toda a sua vida foi uma doação, uma entrega, sempre gasta para o bem dos irmãos, nada guardava para si. O amor a Deus não se mede pelas longas orações ou adorações, porque corremos o perigo de contemplar a nós mesmos, as nossas emoções e imaginar um Deus satisfeito com isso. Do outro lado, um compromisso social sem o coração ardendo do mesmo amor compassivo e misericordioso de Jesus pode ser uma excelente ação assistencial, boa para satisfazer o nosso orgulho, mas sem alcançar a maior de todas as descobertas.
Com efeito, somente quando amamos os nossos irmãos sem julgá-los e sem esperar nada em troca, é possível fazer, ao menos um pouco, a experiência de como Deus é e como ele quis se fazer conhecer em Jesus: pura gratuidade, amor sem limites, amor até a cruz. Deixaremos, então, de rezar? Ao contrário, na oração encontraremos a força e a coragem de tocar nas feridas dos irmãos e irmãs, de carregá-los e de pagar o que falta para que reencontrem vida e esperança. Igualmente, podemos colaborar com tantas obras de solidariedade e justiça, mas nunca para promover a nós mesmos, algum partido, ou até a nossa Igreja. Por isso, Papa Francisco na Exortação Apostólica “Cristo Vive” lembra aos jovens, e a todos nós, as palavras de At 20,35: “Há mais felicidade em dar, do que em receber”. Es te &eacu te; o segredo de Deus, o segredo do amor e da verdadeira alegria.

Os nomes dos burros
O imperador Frederico II e seu irmão Henrique ficaram satisfeitos c om a acolhida recebida num convento. Antes de partir, o rei perguntou ao guardião se tinha algum favor a pedir. O bom frade respondeu que sim:
– Peço que sua Majestade nos conceda colocar o hábito a dois novi&cc edil;os, a cada ano, apesar da lei que ordena o contrário.
– Graça concedida – respondeu o rei. Aliás &ndas h; continuou – eu mesmo enviarei os dois noviços.
Nisso, olhou o irmão e lhe falou numa língua estrangeira par a n&atil de;o ser entendido pelos frades:
– Nós enviaremos dois burros para esses frades! Mas o frei guardi&a tilde;o, que tinha viajado bastante pelo mundo afora, entendeu as palavras do rei. Assim, de olhos baixos, o frei disse novamente ao rei:
– Já que o senhor é tão generoso, peço-lhe mai s um fav or: que possamos colocar aos dois noviços, que o senhor enviará, os nomes do senhor e do seu irmão. O rei e o irmão foram embora calados.
“Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que &e acute; de Deus” (Mt 22,21) talvez seja uma das frases dos evangelhos mais repetidas e mais facilmente adaptadas a tantos interesses e circunstâncias. Mateus coloca essas palavras de Jesus durante uma conversa entre ele e os fariseus, decididos a deixá-lo em apuros. Se Jesus tivesse respondido que não deviam pagar os impostos ao imperador, teria sido denunciado às autoridades como desobediente e subversivo. Se, ao contrário, tivesse respondido que era justo pagar, teria significado subserviência aos opressores romanos e desagradado ao povo que não suportava o peso dos impostos. Jesus não tinha muitas saídas: a arapuca estava bem armada. No entanto, mais uma vez, Jesus respondeu colocando a questão num plano muito diferente. Simplesmente lembrou a todos o lugar de cada um: o de “César” e o de Deus, sem mistura, sobreposição ou confusão. É, justamente, quando algu&ea cute;m quer ocupar o lugar de Deus que as coisas começam a desandar. Nenhum ser humano, nem os “césares”, passageiros de todos os tempos, por grandes e poderosos que sejam, podem fazer isso. Desde o início: todas as vezes que um ser humano quis, ou ainda quer, ser “como Deus” (Gn 3,5) só acontecem desastres.
Parece que não aprendemos a lição. Continuamos orgulhosos e arrogantes numa briga sem sentido. Com Deus não adianta disputar o poder, não porque ele é o “Todo Poderoso”, mas porque a ele o “poder” não interessa. Ele já desistiu de se impor. Desde a cruz de Jesus, ele escolheu ser o último, o perdedor, o excluído, para nos ganhar pelo amor e nunca pela força, o medo ou o castigo. Com isso, ele respeita até o fim a nossa liberdade, não nos obriga a acreditar e a obedecer. Deus não quer súditos, mas amigos, colaboradores na construção do seu Reino, “filhos” amados que o sirvam com júbilo e alegria. Pela história e pela experiência, sabemos que os “reinos deste mundo” se baseiam na força das armas, das leis impostas, das intrigas de palácio, ou, como está acontecendo hoje, sobre o poder econômico de quem visa o lucro a qualquer custo, mesmo se milhões de seres humanos morrem de fome ou conduzem uma vida miserável. O curioso na resposta de Jesus é que ele usa uma moeda com a figura e a inscrição de César para explicar o seu entendimento. Mais moedas circulavam, mais negócios eram feitos, mais aquela “figura” se tornava famosa e temida. Hoje os poderosos têm muitas outras maneiras de espalhar os seus retratos, ou, talvez, nem se preocupem mais com isso. Certos nomes de marcas e grifes estão nas praças de todos os países e em todas as línguas. Alguns talvez queiram colocar por lá também o nome de algum “deus” ou de alguma “igreja”, mas o Deus verdadeiro não precisa dessa propaganda porque nos deixou um letreiro que até os analfabetos podem ler: é a natureza, dádiva generosa da sua bondade. Temos também a voz do coração que Deus colocou em nós e que, se soubéssemos escutá-la mais, nos diria sempre para escolher o caminho da bondade e da paz, nunca do ódio e da violência. Talvez sonhemos que os nossos nomes entrem nas listas dos famosos, dos ricos e poderosos. Para quê? Se continuamos sendo “burros”, de cabeça dura e coração fechado.

Círio 2020: com Maria, mãe da Vida, uma explosão de fé e alegria
O Círio de Nossa Senhora de Nazaré, neste ano de pandemia, será diferente. Todos se perguntam: ficando em casa, na janela ou no portão, vendo as imagens passar, será um Círio mais triste? Depende de nós. Todos temos muitas maneiras para manifestar os nossos sentimentos, sobretudo quando nos sentimos bem e, dentro das nossas possibilidades, felizes. Alguns precisam pular, outros abraçar alguém, outros baterem palmas. Alguns podem exagerar na exterioridade, outros ficarão mais contidos. Eu quero falar aqui daquela “alegria” que não pode faltar para ninguém, também se passamos por momentos difíceis e choramos a ausência de pessoas queridas no meio de nós. É a alegria de quem aprendeu a confiar no Senhor, a lembrar sempre do seu amor e a olhar além das circunstâncias imediatas.
Maria nos ensina isso com simplicidade e coragem. Conhecia “as promessas”, sabia que Deus não podia falhar com seu povo escolhido. Todos e todas aguardavam o “Cristo”, o escolhido, o enviado. No entanto, ela não podia saber como tudo isso iria acontecer. Só podemos imaginar, nas palavras da Anunciação, a surpresa daquela jovem mulher, prometida em casamento a José, e chamada, naquele momento, a ser a mãe do Salvador, por ação, humanamente inexplicável, do Divino Espírito Santo. Na sua humildade, ela se sente indigna. Nem sabe nada, ainda, das alegrias e das provações que virão, mas não desiste, não volta atrás, enfrenta o desconhecido porque confia naquele que a chamou. Para que seu Filho fosse verdadeiramente humano – e não só divino – o Pai precisou de uma mãe escolhida, a “bendita entre as mulh eres&rdq uo;. Maria aceitou o desafio e, nunca mais haverá algo semelhante. Por isso, Nossa Senhora canta a sua alegria, dela e de todo pobre e excluído que, apesar de tudo, acredita que é amado por Aquele que está acima de tudo e de todos, Aquele que poderá não só reverter a seu favor situações injustas, mas, muito mais, com a sua presença fiel, o fará colaborador de um mundo novo, sem opressores e oprimidos, sem tronos a serem derrubados porque tudo será comunhão de paz e fraternidade. Quando? Como?
O caminho é longo, passa pela cruz do próprio Jesus, por todas as vidas doadas pela causa do Reino, mas os sinais da vitória já são visíveis e possíveis a serem realizados. A alegria do cristão nasce da certeza de que a “esperança” não pode ser um aguardar paciente, mas é sempre participação na construção de algo novo e melhor, mais humano e solidário. Por isso podemos chamar Maria, também mãe da Esperança, mãe da Vida Nova que o Cristo iniciou com a sua ressurreição. É esta a Vida prometida, a Vida que não morre mais para aqueles que acreditarem e seguirem a Jesus.
Com Papa Francisco, chamamos Maria “mãe de todas as criaturas” (Querida Amazônia 111) porque estamos vendo a Vida do nosso planeta, a nossa Casa Comum, sendo ameaçada. Junto com a floresta queimada, desaparecem plantas e animais, biomas inteiros destruídos pelo fogo, pela poluição, pela ganância de poucos. Os gritos de desespero e de alerta dos nossos irmãos, dos povos nativos da Amazônia, não são ouvidos. Se acreditamos na Vida, se acreditamos que toda a Criação é uma dádiva de Deus a toda a humanidade, não podemos ficar indiferentes, pensar só em interesses e resultados imediatos. Não somos os donos da Vida, somo administradores e disso teremos que prestar conta, um dia. Ou, talvez, esta conta já chegou e logo pagaremos as consequências. Tudo isso nos deixa tristes, mas Maria é também a Mãe da Alegria, que b rota do coração sincero de quem confia mais em Deus do que nas suas próprias forças. Nele está a fonte inesgotável da nossa fé, da esperança, do amor e de toda a alegria. Sabemos em quem acreditamos (2 Tim 1,12).

Por que tantas imagens?
Está chegando o dia do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Muitas das formas costumeiras de celebrar o Círio estão sendo mudadas, devido à situação ainda perigosa da pandemia que assola o mundo inteiro, sem poupar o Brasil, Amapá incluso. Não teremos a grande procissão. Nada de multidões. Em compensação, optamos por ter mais e mais “imagens” de Nossa Senhora de Nazaré ou de outras “Marias”, com diferentes nomes, expostas em repartições, lojas, comércios e casas de família. Muitos prepararam pequenos enfeites para que os devotos, em algum momento do dia, pudessem rezar juntos e manifestar assim a sua fé. Em lugar de ter uma multidão atrás da berlinda com uma única imagem da Santa, pensamos em ter quatro imagens dela visitando as paróquias dos Vicariatos de Macapá. Dissemos: “se o povo não pode ir à Santa, a Santa vai ao povo!”.
Com isso, pretendemos não só não deixar esfriar o nosso carinho com Maria, a mãe do nosso Salvador Jesus Cristo, mas permitir uma possível e adequada “descentralização” do Círio. Esperamos que o nosso povo católico entenda, não se envergonhe da sua fé e participe com entusiasmo e alegria dos momentos de oração que todas as paróquias, conforme as suas programações e possibilidades, irão lhe proporcionar.
Cabem, talvez, aqui, umas breves considerações sobre o uso das “imagens” pela nossa Igreja. Em matéria de “religião”, ninguém é obrigado a gostar e concordar com aquilo que outros fazem, na maioria das vezes porque, sobretudo, desconhecemos aquilo que os demais acreditam e praticam. Repetidamente escutamos dizer, às vezes com visível deboche, que os católicos adoram as imagens e vão atrás delas. Não adianta responder que não é verdade e nem procurar explicar o desfecho doutrinal dado pela Igreja católica a esta questão bem antiga. Direi simplesmente que, desde a encarnação do Filho de Deus, nós acreditamos que o próprio Deus se tornou visível e “palpável” em carne humana (1João 1,1-4). Portanto a primeira imagem que nós guardamos com respeito e devoção a do Crucificado. A maioria das cruzes das nossa Igrejas são “crucifixos”, apresentam o corpo martirizado de Jesus. “Fostes comprados por alto preço!” ensina São Paulo em 1 Cor 7,23. Não é bom separar a cruz daquele que nela foi “crucificado”. Com efeito, somente assim a cruz vergonhosa (Dt 21,23) se tornou instrumento de salvação (Jo 19,37: “Olharão para aquele a quem transpassaram”). Por consequência as imagens que a Igreja católica usa publicamente não são “bezerros de ouro” (Dt 27,15) para serem adorados. Nada disso. São a simples lembrança de pessoas, Santos, Santas e Mártires, que procuraram seguir Jesus mais de perto e que a Igreja propõe como modelos de vida cristã.
Evidentemente Nossa Senhora, Maria de tantos nomes, ocupa um lugar privilegiado na multidão dos Santos e Santas, conhecidos e desconhecidos, porque somente ela teve a missão de acolher e gerar o Verbo que se fez carne, quando se completou o tempo previsto (Gl 4,4).
Peço aos católicos de não ter receio ou vergonha para colocar uma singela e simples imagem de Maria em lugar de destaque nestes dias. Será um sinal de gratidão pelo seu sim generoso, pela sua pureza exemplar, pela sua silenciosa e humilde doação.
Nós também queremos ser uma das gerações que cantam a glória de Maria, “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque se cumprirá o que foi dito por parte do Senhor” (Lc 1,45). Não tenhamos medo de manifestar a nossa devoção à Maria. Não a uma imagem, mas àquela Santa mulher que aos pés da cruz recebeu o discípulo amado como filho (Jo 19,25-27), aquela que perseverou em oração com os apóstolos (At 1,14) na espera do dia de Pentecostes. Maria, que nestes dias chamamos de Nossa Senhora de Nazaré, intercede por nós, como só ela sabe com o seu coração de mãe. Todos temos muito para aprender com ela porque nunca podemos perder a confiança em Deus Pai, no seu Filho Jesus e no Divino Espírito Santo que “ora conosco” (Rm 8,26) quando o fazemos com fé, amor e…inteligência. Sem confusões. Sabemos em quem acreditamos (2 Tim 1,12). ■

A decisão
Um agricultor contratou um homem para uma diária de trabalho e lhe entregou um monte de tocos de madeira para cortar em pedaços e arrumar. Em poucas horas, os tocos estavam todos cortados e empilhados. No dia seguinte, o camponês disse ao homem para separar as batatas:
– Coloque as grandes num canto, as médias num outro e as pequenas também separadas.
Passou um bom tempo, e o trabalhador só ficava olhando as batatas e não iniciava o trabalho. O agricultor foi lá para pedir uma explicação. O homem, confuso, respondeu:
– É tomar a decisão que me faz perder a cabeça.
Para entender a curta parábola dos dois filhos, que encontramos no Evangelho deste domingo, precisamos lembrar o que está em jogo. Depois da entrada de Jesus em Jerusalém, o evangelista Mateus nos apresenta um gesto dele muito forte: a expulsão dos vendilhões do Templo (Mt 21,12-13). Com seus gestos e palavras, Jesus, polemiza com aquelas autoridades religiosas que se achavam donas da verdade. Chega a chamá-los de “hipócritas”! (Mt 23,13ss). Daí para frente, as discussões com os seus adversários se tornam mais acirradas.
Os sumos sacerdotes e os anciãos querem saber com qual autoridade Jesus fez o que fez. Para responder ele coloca uma condição: antes sejam eles a dizer se o batismo com o qual João batizava vinha de Deus ou dos homens. Eles dizem:
– Não sabemos. Assim também Jesus não responde à pergunta deles, mas não deixa cair o assunto, ao contrário, alimenta a polêmica. Conta um caso, como ele sabia magistralmente fazer. Os dois filhos da parábola são um exemplo claro daquelas pessoas que falam de um jeito, mas depois agem de outro. Ao pedido do pai para ir trabalhar na vinha o primeiro filho responde que não queria ir, mas depois muda de opinião e foi. O segundo filho parece tão obediente na resposta, mas depois não foi trabalhar. Jesus pergunta: “Qual dos dois fez a vontade do pai?” (Mt 21,31). Os ouvintes não podem negar: foi o primeiro, apesar da inicial resposta negativa. Após isso, Jesus faz uma afirmação extremamente escandalosa para os gostos daqueles questionadores: “Em verdade vos digo que os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus”.
A explicação é simples: os pecadores acreditaram em João e fizeram penitência, mas eles, as autoridades, os chefes, não. É evidente, também se indiretamente, que Jesus está falando dele mesmo, do jeito dele de agir. Com efeito, ele é continuamente acusado de dar atenção e acolher pessoas mal-afamadas. Não adiantou repetir, desde o início da sua pregação, que ele veio para aqueles que se consideram doentes e, portanto, precisam do médico (Mt 9,11-13). Aqueles que se achavam perfeitos continuavam a recusar qualquer convite à conversão. Assim não deram ouvido à pregação do Batista e, agora, criticam o perdão que Jesus oferece aos pecadores revelando a misericórdia do Pai. Para os que se consideram “justos” e só vê erros nos outros, o único remédio é a punição e a exclusão, nunca o perdão e a reconciliação. Jesus nos ensina o contrário.
Mais uma vez somos convidados a sermos coerentes com a nossa fé. “Trabalhar na vinha do Senhor” é testemunhar o seu Reino com a nossa vida. Discursos bonitos não adiantam, só enganam ou disfarçam a nossa hipocrisia. Podemos ser mestres nas palavras, mas, afinal, o que vale é a decisão de seguir o Senhor com alegria e perseverança. Todos podem fazer isso, também se depois de uma vida, talvez, errada ou sem rumo. Nunca é tarde para mudar. Jesus não veio para “julgar” e separar os bons dos maus, neste mundo (Jo 3,17), mas para “salvar”, ou seja, dar uma nova chance a quem se considera ou está sendo considerado perdido. Nenhum filho ou filha deve pensar desmerecer a misericórdia do Pai. Jesus pagou com a sua vida o seu choque com os intolerantes que usavam o nome de Deus para condenar e não para corrigir fraternalmente e perdoar.
A grande decisão, para cada um de nós que queira seguir o Mestre, é a de aprendermos a ser mais humildes, a nos considerarmos todos e sempre num caminho de conversão. O primeiro “trabalho” na vinha do Senhor para produzir bons frutos é conosco mesmo.

Os fuxiqueiros
Todo ser humano, que viva no meio de fuxiqueiros, qualquer coisa ele faça é destinado a perder. Se é pobre, é porque não soube administrar. Se é rico, é porque trambicou ou teve muita sorte. Se se ocupa de política, o faz só por interesse. Se foge da política, não é suficientemente experto para se meter nessa. Se não ajuda ninguém é mão de vaca. Se faz caridade, o faz para aparecer. Se ajuda na Igreja, com certeza deve ganhar alguma coisa. Se não frequenta nenhuma comunidade, coitado, está perdido. Se manifesta afeto, é um sentimental. Se não o manifesta é um ser frio e insensível. E assim por adiante… Ninguém escapa das murmurações. Só que antes o fuxico acabava na rua ou no bairro, hoje se espalha pelo mundo inteiro. A tecnologia inventou um nome novo, em inglês: fake news, mas nad a mudou. Gostamos de falar da vida dos outros.
No evangelho de Mateus deste domingo, encontramos a parábola dos trabalhadores da última hora. No final dela, Jesus diz palavras surpreendentes: “Os últimos serão primeiros; e os primeiros, últimos” (Mt 20,16). Injustiça ou novidade do Reino dos céus? Para entender basta ler o versículo 30 do capítulo anterior. Lá, Jesus disse algo parecido como conclusão da resposta que ele deu à pergunta de Pedro: “Olha! Nós deixamos tudo e te seguimos. Que havemos de receber?” (Mt 19,27). Naquela ocasião, Jesus havia prometido que, no “mundo renovado”, todos aqueles que tivessem deixado “casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos”, iriam receber “cem vezes mais” e “como herança a vida eterna” (Mt 19,29).
Aparentemente um “super” prêmio para os fiéis seguidores. Contudo “muitos” dos primeiros ficarão por últimos. Haverá farta recompensa, sem dúvida alguma, mas com uma prioridade diferente daquela que podia ser entendida como uma ordem de chegada. A parábola dos trabalhadores da vinha é, portanto, a exemplificação de uma “justiça” nova ou, melhor, da própria bondade de Deus.
Jesus apresenta uma situação comum naquele tempo, mas com uma sucessão de fatos e uma conclusão inéditas. Os donos das vinhas contratavam de manhã cedo os trabalhadores. A jornada era de sol a sol e a paga era de uma moeda de prata. O patrão da parábola, porém, continuou contratando ao longo do dia, até faltar só uma hora para o término do dia. De fato, alguns operários trabalharam bem pouco. Mais do que justo seria que ganhassem menos ou em proporção às horas trabalhadas. Mas não foi isso que aconteceu: todos receberam a mesma moeda. Injustiça ou generosidade do patrão?
Obviamente teve murmuração e a resposta do dono da vinha não deixou dúvidas: por que invejar a sua bondade? Ele não podia dispor livremente do seu dinheiro? É fácil entender que, por trás da parábola, está a polêmica de Jesus com os escribas e fariseu que se achavam “os primeiros” chamados e, portanto, os mais dignos herdeiros das promessas. Essa, podia ser também a tentação dos discípulos que sonhavam com um tratamento privilegiado. Jesus não nega a precedência do povo da Antiga Aliança, mas deixa entender que no Reino dos Céus a recompensa será para todos, também para os que chegarem depois ou bem na última hora. O relógio da bondade de Deus funciona de maneira diferente.
Continuamos o fuxico: se for assim, podemos ser tentados a ficar aguardando a última chamada. Se ao final a recompensa é a mesma, por que ficar suando o dia inteiro? Vamos aproveitar da bondade do patrão e ficar à toa por aí. Quantos “cristãos” deixam sempre para depois as coisas de Deus. Outros não, se engajam nas obras do Reino desde a juventude e labutam a vida inteira. É muito bonito quando esses irmãos e irmãs “da primeira hora” fazem isso sem pensar na recompensa. Estão sempre prontos a ajudar, não medem esforço na busca da verdade, da justiça e da paz. Basta-lhes saber que estão colaborando com o Reino dos Céus. Deve ser a alegria desses irmãos e irmãs a atrair outros para o trabalho na vinha do Senhor. Porém, se são eles e elas os “primeiros” fuxiqueiros da Comunidade, é porque não são felizes. Afastam em lugar de cativar.

Não faltava nem um centavo
Ezequiel era um rapazinho de 10 anos. Vez por outra, ele roubava. A professora descobriu tudo, mas não o repreendeu e nem disse aos demais alunos da turma que ele era perigoso e dava mau exemplo. Em vez disso, entregou para ele a carteira dela e lhe pediu o favor de ir ao mercado para fazer umas compras porque ela estava muito ocupada.
Ezequiel foi à feira e voltou com duas sacolas cheias de mercadorias. Devolveu a carteira à professora. A conta do dinheiro estava certa, não faltava nem um centavo. A professora tinha demostrado confiança ao jovem e ele tinha correspondido honestamente.
Existem muitas maneiras de corrigir e, sobretudo, perdoar. Talvez continuar a confiar, apesar dos deslizes, seja uma dessas.
No evangelho de Mateus deste domingo encontramos a famosa pergunta de Pedro: “Quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” Como sempre, Jesus responde, mas, ao mesmo tempo, abre novas perspectivas, mudando o foco da questão. Não basta perdoar um número grande de vezes ou de qualquer jeito. O que vale é entender por que devemos fazê-lo sempre e, sobretudo, com o coração muito agradecido. Por isso, Jesus conta a parábola dos dois devedores. Não o faz para fixar um limite ao perdão, como se, depois de algumas vezes, pudéssemos deixar de perdoar, mas para transformar o nosso gesto de perdão em louvor a Deus, Pai bondoso e sempre misericordioso. É com este Pai que devemos aprender como e porque perdoar. Conforme a parábola, ambos os devedores suplicaram os respectivos credores com as mesmas atitudes e palavras: prostrados, inv ocaram m ais um prazo prometendo pagar a dívida. No entanto, a quantia devida era absurdamente diferente: o primeiro devia “uma enorme fortuna”, o outro cem moedas. A “enorme fortuna” é a tradução para a versão litúrgica do Evangelho dos “dez mil talentos” correspondentes a 50 ou 60 milhões de “denários” que era a paga diária de um trabalhador. Enfim: uma quantia absolutamente impagável. Exagero por parte de Jesus? Sem dúvida, mas, justamente, para que entendamos a diferença entre as duas dívidas. O segundo devedor somente devia cem moedas, cem “denários”, ou seja, cem dias de trabalho: uma dívida razoável, mas pagável e insignificante a respeito da “enorme fortuna” devida pelo outro. O “rei”, generoso demais, perdoou a dívida gigantesca do primeiro servo, mas o agraciado n&ati lde;o qu is perdoar a pequena dívida do seu colega. Os demais companheiros ficaram “muito tristes” e foram contar tudo ao rei-patrão. Foi fofoca? Pode ser, mas, talvez, foi, simplesmente, uma justa indignação com quem tinha sido tão favorecido e não soube partilhar a bênção recebida.
O ensinamento de Jesus é claro: somos todos pecadores e, portanto, todos devemos muito para os nossos irmãos que ofendemos ou deixamos de amar, que é o famoso pecado, raramente confessado, da omissão. É mais fácil lembrar e cobrar satisfação pelas ofensas dos outros a nosso respeito que reconhecer as nossas próprias faltas. E com Deus? Quem pode cobrar dele? Quem está devendo a quem? Bastaria parar um pouco para refletir e chegar à simples conclusão de que tudo o que somos e temos foi quase que um “empréstimo” do qual teremos que prestar conta. Em lugar de fazer comparações e questionar a generosidade do Pai celeste, deveríamos aprender com ele a sermos mais compassivos e misericordiosos entre nós. Para a nossa vantagem exigimos ser julgados com largueza, mas medimos os nossos irmãos com insensibilidade e mesquinhez (Mt 7,1-2). Mais aind a, devem os fazer isso porque somos discípulos daquele Jesus que, sem pecado, do alto da cruz, pediu ao Pai que perdoasse aos que o estavam matando. Por ocasião do Ano Santo da Misericórdia, Papa Francisco escreveu: “Chegou de novo para a Igreja, o tempo de assumir o anúncio jubiloso do perdão…O perdão é uma força que ressuscita para uma nova vida e infunde a coragem para olhar o futuro com esperança”.
Junto com a correção fraterna, o perdão é o risco que corremos para voltar a confiar uns nos outros. Como fez a professora com Ezequiel. ■

Lição de música
O famoso músico Franz Liszt era uma pessoa gentil por natureza, mas, em algumas ocasiões, sabia ser extremamente severo. Certa vez, um jovem músico lhe trouxe uma composição para ter a aprovação do maestro. Liszt apontou algumas notas erradas e lhe disse:
– Isto não se pode fazer numa composição musical! Mas o jovem compositor, para vangloriar-se, respondeu:
– Mas eu fiz! Liszt foi à escrivaninha, pegou uma caneta molhada na tinta e jogou o líquido na veste do jovem dizendo:
– Também isto se pode fazer, mas não deve ser feito. Depois que saíram, Liszt comprou uma roupa nova para aquele jovem.
Não sei se essa foi mesmo uma correção fraterna ou um puxão de orelha. De qualquer maneira, o jovem ganhou uma roupa nova e tomara que tenha aprendido a lição. Com isso, quero dizer que a correção de quem está errado deve ser feita, é uma obrigação amorosa. Silenciar seria deixar o irmão sozinho, trilhando caminhos perigosos. Os frutos da correção, porém, dependem somente da pessoa que está sendo corrigida. Sem a colaboraç ã o de quem está errado e a disposição dele para mudar o seu comportamento, nada de melhor acontece.
Com o evangelho deste 23º Domingo do Tempo Comum, entramos de cheio na leitura do “Sermão da Comunidade”. Quando Mateus escreveu o seu evangelho tinha à sua frente uma comunidade bem precisa, feita de homens e mulheres reais com todas as qualidades e defeitos semelhantes àqueles que todos nós carregamos. Sem dúvida alguma, o batismo que recebemos, a fé em Jesus Cristo e o esforço para segui-lo deveriam nos unir mais de outros projetos de conquista, de sucesso e de lucro que tê ;m os se us inúmeros adeptos e seguidores. No entanto, caminhamos neste mundo carregando as consequências do pecado, também se acreditamos na misericórdia de Deus e na vitória final do amor e da vida sobre o mal e a morte. A “santidade” – ou a perfeição, se isso ajuda a entender melhor – é uma meta a ser alcançada, um dom que deve ser pedido e almejado durante toda a nossa existência. Ninguém se torna “santo” de um dia para o outro, milagrosamente. Para todos é “estreita a porta e apertado o caminho que conduz à vida” (Mt 7,14). Talvez seja essa “a cruz” que somos chamados a carregar cada dia: a carga pesada das nossas limitações e dos nossos defeitos, do mal que fazemos, tantas vezes sabendo, muito bem, que estamos errados. Evidentemente, esta é uma angústia que experimentam os que buscam a “santidade&r dquo;, p ouco ou nada importa de tudo isso aos medíocres e aos indiferentes. Muitos de nós se conformam com o próprio jeito, exigem que sejam os outros a mudar para aceitá-los como eles são, mas dificilmente eles mesmos se esforçam para serem melhores e mais humanos.
Jesus ensina a correção fraterna para a comunidade dos seus amigos porque ele nos deseja unidos, “um só coração e uma só alma” (At 4,32), vivendo uma comunhão exemplar, cheia de misericórdia e compaixão. Isso significa a superação de todo ódio, inveja e divisão. A esperança da “santidade” pessoal se torna assim a esperança da comunidade reunida, de maneira especial quando ela escuta a Palavra do Senhor, celebra a sua memória na Eucaristia e pratica a caridade. A correção fraterna não interessa a quem orgulhosamente se acha sempre certo e somente enxerga os defeitos dos demais. Ao contrário, ela é muito preciosa para quem busca crescer na vida cristã. Sei que é muito difícil sermos agradecidos a quem aponta algum erro nosso. Logo pensamos na maldade dessa pessoa. No entanto, Jesus diz que quem faz a correção e quem a acolhe dele se tornam irmãos de verdade, amigos, unidos pela cumplicidade do bem. Precisa, porém, ser discretos, manter o segredo, nunca expor o irmão, ou a irmã, a um público que, talvez, nada sabe da situação e que vai julgar somente por conversas superficiais. A correção fraterna e comunitária são provas de amor e de cuidado para que ninguém se perca (Mt 18,14). Bem diferente de um certo uso das redes sociais…s. ■

Todas as respostas
Se Jesus fizesse a cada cristão, ou melhor, a cada batizado, a mesma pergunta que fez aos apóstolos naquele tempo: – E tu, quem dizes que eu sou? – qual seria a nossa resposta? Com certeza a grande maioria de nós responderia imediatamente como Pedro: – Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo! Mas, depois disso, poderia ser que Jesus nos dissesse algo diferente daquilo que disse a Pedro naquele dia. Talvez, diria: – Resposta acertada; mas, meu filho, falta alguma coisa. Tudo o que sabes aprendeste com os homens. Ainda não te foi revelado pelo meu Pai Celeste. E, talvez, nós teríamos que reconhecer: – É verdade, Senhor. Alguém me deu todas as respostas antes que o teu Pai Celeste pudesse falar ao meu coração. Fico admirado contigo, Senhor, porque soubeste aguardar em silêncio na frente de Simão para que fosse teu Pai a falar por primeiro!
No 21º Domingo do Tempo Comum, continuamos a leitura do evangelho de Mateus e encontramos um trecho muito famoso, conhecido como “a confissão de Pedro”. As perguntas de Jesus não foram uma simples pesquisa de opinião ou uma curiosidade sobre as ideias dos seus seguidores. Esta página marca algo novo no evangelho de Mateus: depois disso, Jesus começa a falar abertamente da sua paixão e morte de cruz. Aparentemente é para preparar os discípulos ao escândalo da cruz – como veremos no próximo domingo – na realidade o recado é para nós que já sabemos o desfecho da sua vida terrena. Ainda hoje, continua a ser paradoxal acreditar que o Filho de Deus tenha sofrido tudo aquilo. Se acabamos aceitando a cruz é porque sabemos que depois virá o final feliz da ressurreição. Precisava mesmo que o “Filho de Deus”, ele também Deus, se tornasse um de nós e passasse por tudo aquilo que passou? O que significa e o que representa tudo isso para nós, que afirmamos “acreditar” nele como “nosso” Salvador?
As palavras de Jesus que declarou Simão Pedro “feliz” porque foi o Divino Pai a lhe revelar o “mistério” daquele homem que estava à sua frente questionando-os, lembram-nos que a fé em Deus é muito mais que uma declaração expressa com palavras. Não basta saber as respostas exatas e ter decorado uma profissão de fé para sermos “cristãos”. Aquela que muitos chamam de “religião cristã” não passa de tradições, orações decoradas e devoções. Tudo isso servia quando a sociedade, mais ou menos, se conclamava cristã. Era o suficiente, porque a maioria acompanhava tudo isso.
Hoje, estamos numa sociedade na qual sobrou muito pouco de cristão; usa-se o nome de Deus, mas a “religião” mesmo é aquela do poder, do lucro, dos privilégios e da prosperidade. N&a tilde;o esqueçamos que foram as autoridades religiosas daquele tempo a condenar Jesus. Foi trocado por Barrabás e entregue aos romanos que o crucificaram como um perigoso malfeitor. É este Jesus aí que Pedro declara ser o Messias e o Filho do Deus vivo! Pais, avós, catequistas, comunidades, tantas pessoas de boa vontade nos ensinam todas as respostas sobre os questionamentos da fé, mas isso não basta mais. Temos um monte de informações, mas não sabemos o que fazer com tudo aquilo que aprendemos! Talvez tenhamos muitos conhecimentos, mas isso ainda não é ter fé. Quando nos parece fácil demais acreditar, talvez estejamos enganando a nós mesmos, satisfeitos com uma ideia de Deus que nos faz sentir bem, em paz, porque este “deus” pensa exatamente como nós. Condena quem nós condenamos e premia quem nos agrada. Seria melhor desconfiar de uma fé fácil, que não custa nada e que fica satisfeita com bênçãos e devoções, contanto que tudo funcione dentro do nosso esquema e que não precisamos mudar nada do que pensamos.
A fé “verdadeira” nunca é uma resposta decorada. Ela é um questionamento em constante disputa com os ídolos deste mundo, com os nossos ajustes de conduta que nós mesmos ajeitamos. É demais urgente que deixemos que seja Deus Pai a nos ensinar a verdade e o Espírito Santo a nos dar a coragem de acreditar. A fé “verdadeira” é sempre a descoberta de um novo horizonte, de uma nova meta, que nos desinstala do nosso comodismo, acorda-nos do nosso torpor. Não pode ser uma anestesia a mais, deve abrir nossos olhos e nosso coração, deve nos acordar. ■