
Dom Pedro Conti

O que será?
Os discípulos procuravam a iluminação, mas não sabiam o que era e como consegui-la. Disse o mestre:
– Não se pode consegui-la e nem agarrá-la.
Vendo, porém, o olhar desanimado dos discípulos o mestre continuou:
– Não fiquem tristes, não é possível também perdê-la.
A partir daquele dia, os discípulos estão em busca daquilo que não se pode perder, mas nem agarrar. O que será?
Parece uma brincadeira, mas não é. Só uma pergunta para despertar a nossa curiosidade e sem a pretensão de saber mais do que os outros. A resposta em si pode ser simples, mas o que tem a ver isso com o domingo de Pentecostes que estamos celebrando? Uma coisa por vez. Talvez o que não podemos agarrar e ao mesmo tempo perder é o amor de Deus. Esse amor sempre será um “dom” oferecido e dado e, portanto, só pode ser reconhecido e acolhido. Esse amor não pode ser perdido, porque Deus nos ama sempre, também quando achamos não o merecer ou que ele se esqueceu de nós.
Agora chegamos ao Divino Espírito Santo. Neste domingo, concluímos o Tempo Pascal e volta para nós, na liturgia, o evangelho de João do anoitecer daquele dia de Páscoa. A leitura dos Atos dos Apóstolos, com o vento e o fogo, é uma grande apresentação com imagens bíblicas da presença e da força de Deus. O importante é perceber o valor e a extraordinariedade do “dom” do Espírito Santo. Por esse “dom” os apóstolos, a Comunidade-Igreja, os cristãos, afinal, são chamados a continuar a missão do próprio Jesus. Será essa, em primeiro lugar, uma grande ação de perdão e reconciliação. O pecado de sempre e que deve ser perdoado, uma vez por todas, é o afastamento de Deus, o não reconhecimento do seu amor e da sua bondade.
Qualquer pecado, na Bíblia, é sempre idolatria: de nós mesmos, de outros, do poder, do dinheiro, de alguma “ideologia” transformada em absoluto. A conversão é difícil porque sempre seremos tentados a ter medo de Deus, a fugir dele, em lugar de nos deixar amar por ele, ou trocá-lo com algo, ou alguém, que nos atrai porque imediatamente visível e, pensamos, compensatório. Não tem como competir. As coisas, os bens, as pessoas estão à nossa frente. Deus parece estar longe, muito acima de nós pobres mortais peregrinos neste mundo, ele todo-poderoso, exigente, cobrador…Melhor nos virar aqui embaixo. Depois… sabe-se lá.
Perdoem a banalidade, mas aqui entra o papel único e “santificador” do Divino Espírito Santo, aquele que Jesus, no evangelho de João, chama de “defensor” – consolador, aquele que nos conduzirá no conhecimento da verdade (Jo 14-15). Por que “defensor”? O Espírito Santo vai nos ajudar a desmascarar os enganos dos que não são “deuses”, mas que se apresentam com todo o brilho possível, com todas as promessas de poder e felicidade. Do outro lado, o Espírito Santo nos ajuda a reconhecer como é o verdadeiro Deus, desfaz as falsas e distorcidas imagens dele e nos conduz a contemplar aquela beleza que só pode ser do único Deus verdadeiro. Aos poucos, nos caminhos da vida, o Espírito Santo abre os nossos olhos e o nosso coração para que, superando os enganos, encontremos a Verdade que, já sabemos, não é um conjunto de doutrinas, mas uma pessoa: Jesus, Caminho, Verdade e Vida. É o Pai que nos atrai para que nos aproximemos de Jesus (Jo 6,44). Ele quer que “ninguém se perca” (Jo 6,39). O Espírito Santo nos faz compreender a Deus como o Amor que nos ama sempre porque é bondoso e misericordioso. Ainda é o Espírito Santo que nos confirma na fé para que digamos, sem medo ou vergonha, que “Jesus é o Senhor” (1Cor 12,3b).
Tudo, portanto, a alegria da fé, do amor, da confiança, do perdão, tudo é “dom” de Deus. Não podemos perder o que nos é oferecido, cabe a nós acolher e agradecer. Que bom que seja assim, porque talvez a “fé” à qual, às vezes, nos agarramos tanto pode ser mais fruto das nossas ideias sobre Deus, do nosso orgulho, das simpatias com santos e santas, que, mesmo, do Divino Espírito Santo. Os “catecúmenos” que eram batizados (e crismados) na noite de Páscoa, depois do batismo eram chamados de “iluminados”. Assim deveríamos ser todos nós.

O aniversário
Era o dia do aniversário de Bete. Ela acordou radiante. Vestiu sua melhor roupa e foi tomar seu café da manhã, imaginando que, quando seu marido e filhos acordassem, iam todos dar-lhe os parabéns. Mas não foi o que aconteceu. Sua família acordou e todos estavam apressados. Mal lhe deram o bom-dia e saíram cada um para os seus afazeres. Bete ainda pensou que a surpresa viria a meio-dia, na hora do almoço, porém nada aconteceu. O marido ligou que ficaria no trabalho. Os filhos…só chegariam de tardezinha. Bete não perdeu a esperança. Tinha certeza de que a surpresa viria na hora do jantar. Então haveria bolo, flores, cartões e abraços. O dia terminou como tantos outros e nada aconteceu. Bete foi para a cama sentindo-se esquecida. Naquele momento, ao analisar o que havia acontecido, ela percebeu que as coisas podiam ter sido diferentes se ela mesma tivesse providenciad o seu bo lo, flores e convidados ao invés de ficar esperando que os outros fizessem isso por ela.
Neste domingo, celebramos a Ascensão do Senhor. A apresentação deste evento, como o encontramos no livro dos Atos dos Apóstolos, é aquela que mais chama a nossa atenção. No entanto, além da nossa imaginação e das diversas formas com as quais o Novo Testamento se expressa, o que devemos entender é a grande verdade da nossa fé. “Ascensão” significa elevação, alguém que “subiu” e/ou foi enaltecido. Quem? Jesus, o crucificado, o desprezado, o mesmo que morreu e “desceu” à mansão dos mortos. “A esse Jesus Deus ressuscitou…e agora, exaltado à direita de Deus… o constituiu Senhor e Cristo” (Atos 2,32-36). No evangelho de João, Jesus ressuscitado diz a Maria Madalena: “Não me segures! Eu ainda não subi para junto do Pai, mas vai dizer aos meus irmãos, que eu subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (Jo 20,17). Na carta aos Filipenses, encontramos isso com outras palavras ainda: “Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu um Nome que está acima de todo nome…e toda língua confesse: Jesus Cristo é o Senhor” (Fil 2, 9-11). Tudo isso nós declaramos no Credo: “ressuscitou ao terceiro dia; subiu ao céu; está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso”. Por causa da nossa fé nós olhamos para “o céu”, não para ver ou estudar os planetas, mas para expressar, apesar das limitações da nossa linguagem, que esperamos estar um dia participando da própria vida divina, como Jesus prometeu. Estar “no céu”, portanto, é sinônimo de estar “com Deus”. Essa “vida plena” sempre será um presente exclusivo do Pai, um dom da sua misericórdia. E ntão, vamos aguardar passar o tempo da nossa vida para ver se depois, de alguma forma, seremos agraciados com a festa do céu?
Nada disso, a nossa espera pela “volta do Senhor” – que virá a julgar os vivos e os mortos – deve ser ativa, participativa, um testemunho luminoso da nossa fé na bondade de Deus. Sobre isso os “dois homens vestidos de branco” questionam os apóstolos: “Homens da Galileia, por que ficais aqui parados, olhando para o céu? (Atos 1,11). “Então os apóstolos voltaram para Jerusalém…”. “Voltaram”, sim, para a cidade onde Jesus tinha sido crucificado, mas agora com a certeza de ter uma missão a cumprir: ser “testemunhas” da novidade da Páscoa “até os confins da terra”. Uma missão que nunca vai acabar, não porque o nosso planeta aumente de tamanho, mas porque sempre chegarão novas gerações, novas culturas, novas situações a serem iluminadas pelo Evangelho de Jesus. Quais situa&c cedil;&o tilde;es de maneira especial? É sempre Jesus o nosso mestre. Ele foi “exaltado” porque teve a capacidade de “descer”, na morte. Mas antes também “desceu” no desprezo da cruz, contado entre os malfeitores, condenado por aqueles que já o tinham julgado infrator da Lei, amigo das prostitutas e dos cobradores de impostos. Amigo dos “errados”, em poucas palavras. Se ainda não entendemos, “subiremos” somente se tivermos a capacidade de “descer”, por amor, junto àquela humanidade que parece ter perdido todas as chances e toda a esperança. Sejamos nós a preparar o bolo e as flores e a convidar quem está lá, no fundo. A festa não passará em branco e o céu começará aqui.

Só chegam os que fazem o percurso
Um jovem, toda semana, vinha de muito longe participar de um curso de autoconhecimento. Um dia chegou até o professor e disse-lhe:
– Mestre, tenho notado o comportamento de seus alunos. Alguns deles tiveram a vida completamente transformada, outros mudaram em alguma coisa, mas existem muitos – e eu estou entre eles – que nada mudaram. Que explicação o senhor tem para isso?
Depois de olhar serenamente para o rapaz, o professor respondeu:
– Filho, você vem toda semana de longe ouvir-me falar, não é?
– Sim, mestre.
– Você conhece bem o caminho?
– Com certeza.
– Se alguém lhe perguntar como fazer para chegar até a cidade onde você mora, o que você faria?
– Eu explicaria o caminho da melhor forma possível – respondeu o jovem.
– E você acredita que só chegariam com sua explicação ou seria preciso percorrer o caminho?
– É claro que só chegariam os que percorressem o caminho.
Nesse momento, o professor concluiu:
– Assim mesmo são os meus ensinamentos. Eu os ensino da melhor maneira possível. Todos podem ouvi-los atentamente, mas só irão se transformar aqueles que realmente os colocarem em prática. O caminho é ensinado a todos, mas só chegam aqueles que fazem o percurso.
O mestre da historinha não ensinou nada demais ao seu aluno: não basta saber que existe o caminho; para chegar à meta precisa percorrê-lo até o fim. Isso significa enfrentar dificuldades, lutar para superar obstáculos, vencer ou perder desafios e tudo o mais de imprevistos que podem aparecer. Pensamos na nossa vida. Todos estamos a caminho e muitas coisas acontecem, alegres e tristes, banais e marcantes. Sempre existe a possibilidade de assistir à nossa vida como a um filme protagonizado por outros. Se alcançamos alguma meta será pelos empurrões e não porque a buscamos com afinco. Ao contrário, podemos decidir entrar na lida assumindo pessoalmente as nossas responsabilidades. Também se não alcançaremos metas extraordinárias, experimentaremos o entusiasmo da caminhada em lugar do tédio de ver a vida passar.
No domingo anterior, Jesus nos dizia claramente que ele é o caminho, a verdade e a vida. Quem aceita se deixar conduzir por ele pelo caminho encontra também o sentido da vida e aquela luz que desfaz toda escuridão e incerteza. No entanto, devemos reconhecer que andar pelo caminho de Jesus não é nada fácil. Nunca vai ser cômodo ou tranquilo. Pela simples razão que ainda não estamos livres de tentações, quedas e sofrimentos físicos e, também, espirituais. Cada um de nós deve, de certa forma, desbravar a vereda que se abre a sua frente. Estamos sozinhos nesta prova? De jeito nenhum. No evangelho de João, deste Sexto Domingo da Páscoa, Jesus promete “outro defensor” que o Pai dará porque ele mesmo o pedirá para nós (Jo 14,16). Esse “advogado” de defesa é o Divino Espírito Santo. Depois, Jesus usa uma linguagem ainda mais familiar e carinhosa: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18). Ou seja, desamparados, como quem está tristemente sozinho na vida. Os nossos pais podem não ser perfeitos, mas algo bom sempre doam aos seus filhos. Melhor ainda se, acima de tudo e dos bens materiais, que podem ou não nos oferecer, nos amam assim como nós somos, semelhantes e, ao mesmo tempo, diferentes deles. Nos amam sem condições, queixas ou chantagens. Chegamos, assim, ao assunto central do trecho evangélico deste domingo: por duas vezes Jesus repete que quem o ama “guarda”, acolhe e observa os seus mandamentos. Jesus não impõe, nos ama e garante nos acompanhar sempre. Somente pede, também, de ser amado. Com efeito, o maior de todos os mandamentos de Jesus é, justamente, o mandamento do amor. Com aquela qualidade especial e exigente que para amar a Deus, que não vemos, temos que amar o irmão que está ao nosso lado (1 Jo 4,20). Para alcançar a meta final do Amor Divino, da Vida plena, temos que saber amar já, por aqui, caminhando, dia após dia. Meta e caminho, então, se confundem? Não. É que o amor é o próprio caminho. Quem não sabe amar não vai acertar a meta porque não quer andar pelo “percurso” certo para chegar lá.

Vinte cada dia
Achava-se num asilo de velhos um antigo soldado que, apesar de sua vida de caserna e acampamento, conservava-se dócil e acessível às verdades cristãs. Um padre, que o visitava com frequência, falou-lhe da devoção do rosário e ensinou-lhe o modo de rezá-lo. A Irmã do asilo lhe deu um terço e o velho militar achou tamanho consolo em rezá-lo, e sentia muito não o ter conhecido antes, dizendo que o teria rezado todos os dias.
– Irmã – perguntou um dia – quantos dias há em sessenta anos? Ela fez o cálculo e respondeu:
– 21.900 dias.
– Irmã, e quantos terços eu teria que rezar cada dia para, em três anos, chegar a este número?
– Vinte cada dia – disse a freira. Daí em diante, viam-no, dia e noite, com o terço na mão. Após três anos de sofrimentos, suportados com grande paciência, chegou, feliz, ao seu último terço daquela conta. Os cálculos do velhinho também estavam certos. Poucos dias depois, aquele bom homem chegava ao fim da sua vida na certeza de ser acolhido nos braços de Nossa Senhora.
Neste mês de maio, tradicionalmente dedicado a Maria, Papa Francisco convidou os católicos a rezar o terço “em família”. Parece uma proposta de outros tempos, mas, já que em muitos lugares tantas pessoas ainda terão que ficar “em casa”, por que não aproveitar para rezar essa antiga oração? É muito repetitiva, alguns criticam. Outros acham mesmo que seja uma perda de tempo ou algo semelhante a alguma “prece poderosa”. O terço pode ser tudo isso, mas pode ser também muito mais. Por exemplo a repetição do nome de Jesus junto a um pedido de misericórdia é uma antiquíssima pérola da vida monástica oriental.
Não é uma distração dos afazeres, mas uma forma simples de “ter” o Senhor mais presente em nossa vida, qualquer seja a ocupação naquele momento. Repetir é algo quase automático, ou seja, o nosso pensamento foge quando estamos dizendo sempre as mesmas palavras. Depende, porém, para onde ele “foge”. Se apresentamos ao Senhor e a Maria as pessoas que amamos, as preocupações e os pedidos de ajuda para nós e para toda a humanidade, é uma distração de fé e confiança, na certeza que Alguém esteja nos ouvindo. Não esqueçamos, também, que na reza do terço tem os que chamamos de “mistérios”: gozosos, dolorosos, gloriosos e os luminosos, introduzidos pelo Papa S. João Paulo II. Por fim, rezar o terço é perder tempo? Nesse caso não tenho sugestão porq ue cada um de nós “perde” tempo como achar melhor, conforme o que decide ser mais ou menos importante em sua vida. Terço “em casa”, então, em família. Quem sabe, todos juntos, com a televisão desligada, para que, ao menos alguns minutos por dia, seja “ela” a rainha do lar, capaz de juntar todos e todas à sua frente. Podemos experimentar. Nestes tempos em que somos obrigados a parar a nossa vida superatarefada, talvez tenhamos a possibilidade de descobrir quanto seja importante ser donos do nosso tempo, para que nós mesmos reaprendamos a decidir mais livremente como ocupá-lo. Nossa Senhora, como uma mãe carinhosa, vai nos reunir e ajudar muito.
Não falei, ainda, do evangelho do Quinto domingo da Páscoa. O evangelista João nos coloca duas palavras de Jesus muito conhecidas. A primeira é a afirmação: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6) e logo depois responde a Filipe que lhe pedia para que mostrasse o Pai: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9). Esta é uma das verdades mais altas e sublime da fé cristã: é possível conhecer a Deus, o grande desconhecido, que todo ser humano busca mesmo sem saber ou trilhando caminhos contrários. Deus é um Pai porque assim o Filho Jesus, no seu falar e agir, o revelou. Basta admitir as nossas dúvidas e nos deixar conduzir pelo Caminho, pela Verdade e pela Vida – sempre Jesus – não desistindo nunca da nossa inteligência, mas sim da pretensão de moldar a “deus” conforme os nossos gostos ou interesses. E o terço? Vamos juntos, alegres, com tantos Santos e Santas: “por Maria a Jesus” e…por Jesus ao Pai. Para começar um terço por dia pode bastar. Vinte seria demais.

O pastorzinho veio a ser Papa
Um dia, lá pelo ano de 1530, um frade de Áscoli (Itália) perdera o caminho. Encontrando por acaso um pastorzinho, aproximou-se do pequeno e perguntou-lhe:
– Por onde é que se vai a Áscoli?
– Sei, sim, senhor. Caminhemos devagar, a passo dos meus cordeirinhos, e eu o levarei até lá.
Pelo caminho iam conversando. O frade notou que o pequeno era vivo, amável e de boa prosa. Soube que era filho de um trabalhador muito pobre, que não sabia ler e que estava a serviço de um vizinho cuidando das ovelhas dele em troca de comida.
O frade ficou encantado com o rapazinho e o convidou a visitá-lo no convento. Assim, a ida ao convento ficou o passeio preferido do rapaz nos seus dias de folga. Os frades gostaram do desembaraço e da inteligência do pastorzinho e pensaram que era bom colocá-lo para estudar. Em seguida, ele foi admitido na comunidade, estudou mais, foi ordenado padre e chegou a ser professor de teologia.
Confiaram-lhe cargos importantes e se desempenhou tão bem que o Papa o nomeou cardeal. Em 1585, após a morte de Gregório XIII, o antigo pastorzinho saiu eleito Papa com o nome de Sixto V e foi um dos maiores Pontífices.
Uma história de outros tempos para celebrar o Quarto Domingo de Páscoa, domingo no qual sempre encontramos um trecho do capítulo 10 do evangelho de João. Nele, Jesus se apresenta como o Bom Pastor que conduz as suas ovelhas. Essas ovelhas somos todos nós, os cristãos, felizes por segui-lo, porque conhecemos a sua voz. Ou seja, Jesus nos deve ser tão familiar que, antes de prestar atenção às suas palavras já nos dispomos a escutá-lo cheios de confiança.
Neste domingo, rezamos pelas vocações, todas elas, mas de maneira especial pelas vocações ao sacerdócio ministerial na Igreja. Rezamos para que não faltem bons pastores para apascentar o rebanho do Senhor. Com certeza Deus continua a chamar jovens ao seu serviço e esta chamada é profundamente misteriosa e pessoal. No entanto, devemos nos perguntar onde nascem as vocações sacerdotais, religiosas e missionárias. Nas famílias, sem dúvida, mas vamos dizer mais: todas as vocações surgem nas nossas comunidades. Também as vocações ao matrimônio cristão, não vamos esquecer.
Hoje, porém, parece que faltem vocações ao ministério presbiteral. Temos padres envelhecendo e quem irá substituí-los no serviço? Evidentemente nós todos, comunidades/igreja somos responsáveis disso porque muito depende do tipo de comunidades que somos ou queremos ser. Se a primeira preocupação, por exemplo, é a organização, o padre “bom” é o tipo empresário dirigente. Mas a comunidade não é uma empresa. Se queremos muitos “louvores”, o padre “bom” será aquele que distribui bençãos de todo e qualquer jeito. O importante é que não fale de política ou de justiça social. Enfim, se queremos um defensor da doutrina, o padre “bom” será o intelectual que usa palavras difíceis, que fazem efeito, e nos dá a impressão de saber tudo. Esse n os conve nce que os errados são sempre os outros e nós os “certinhos”, os melhores. E assim por diante. Esse padre “bom” não existe, porque sempre será difícil agradar a todos.
Talvez os jovens de hoje tenham medo das críticas e prefiram não se meter em confusões. Ou, por causa de tantas cobranças feitas aos padres se achem incapazes desta missão. Claro que tem “medos”, prudências e incertezas saudáveis, por isso, é preciso se preparar bem antes de serem ordenados padres, porque cada um deve ter consciência das próprias limitações e dificuldades. No entanto o que Jesus pede é que quem é presbiteral seja, em primeiro lugar, um “pastor”, não outras coisas. O “pastor” das ovelhas “caminha à sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem a sua voz”. O padre-pastor caminha com a sua comunidade e a comunidade “conhece” bem o seu pastor. Ele tem qualidades e defeitos, é humano, sente cansaço e tristeza, como todos. Não é um mero funcionário que tr abalha p ara cumprir um horário. É feliz por sua missão e quer que todos, também, sejam felizes de seguir o Senhor. Juntos com ele, sem perder ninguém.

Deixa eu ver
Um homem estava parado ao lado de um poço e olhava para o fundo. Uma criança se aproximou e disse:
– O que tem aí dentro?
– O amor, respondeu o homem, sem deixar de olhar para o fundo do poço, mas com um sorriso no rosto por ter provocado a curiosidade do garoto.
– O amor está escondido aí dentro?
– Sim.
– Deixa eu ver, gritou o menino. O homem virou-se para a criança, olhou-a com ternura e levantou-a at&eacut e; o ponto em que ela conseguisse ver o fundo do poço. Segurou o menino por alguns minutos, já prevendo a sua reação.
– Mas este sou eu, disse a criança, confusa.
– Isso mesmo, respondeu o homem – agora tu sabes onde o amor está escondido.
O que tem a ver essa velha historinha com a maravilhosa página dos discípulos de Emaús que e ncontram os neste Terceiro Domingo de Páscoa? Talvez nada, mas para mim pode nos ajudar a entender muito daquilo que eles experimentaram não tanto exteriormente, quanto interiormente, nas mentes e nos corações. Afinal, naquele diálogo, Jesus os ajuda a compreender o que aconteceu e acreditar naquilo que virá depois.
O evangelista Lucas nos apresenta uma bela “liturgia”, única em si, mas ao mesmo tempo acess&i acute;ve l, também se diferente, aos cristãos do tempo em que ele escreveu o evangelho e hoje para todos nós. Não posso entrar em muitos detalhes, mas convido a pensar nas nossas missas e acompanhar o desenvolvimento do encontro. Os dois discípulos estão desanimados. As coisas não funcionaram – e não funcionam mesmo – como eles planejaram e nem como nós gostaríamos: tudo fácil, sem dificuldades, sem cruz. Então, valeu a pena acreditar no “profeta” de Nazaré? Jesus, o peregrino que compareceu de repente, faz perguntas e os deixa desabafar para que sejam eles a dizer o que passa em seus ânimos. Depois, ele toma a iniciativa, os chama de “sem inteligência e lentos para crer” (Lc 24,25) e começa a explicar-lhes as Escrituras. Agora tudo muda, são eles a escutar. As palavras daquele, ainda desconhecido, já conseguem fazer os seus corações, como dirão depois. Assim aconteceria se lêssemos a Palavra de Deus do jeito como ela deveria ser escutada: como uma “lâmpada” para o nosso caminhar (Sl 119,105). O interesse é tão grande que os dois pedem ao estranho peregrino para ficar com eles. Ele aceita o convite. Entra, não sabemos onde, e eis os três sentados a uma mesa com um pão que ele abençoa, parte e o distribui. São os gestos da Eucaristia, os mesmos que Jesus tinha mandado repetir “em memória” dele. Aí está o sinal inconfundível e inequivocável da presença de alguém único e especial: o Senhor! Finalmente eles o reconhecem: é Jesus. Mais tarde, ao contar o acontecido aos outros discípulos, não dirão que o viram, mas que o reconheceram “ao partir o pão”. Agora sabem quem é o peregr ino que os tinha acompanhado. Ele desaparece “da frente deles”, mas já não têm mais dúvidas e nem medo, sabem que Jesus está vivo e presente. Voltam para Jerusalém, onde o Mestre tinha sido crucificado, ele venceu a morte.
Chegamos ao final de todas as liturgias: temos dois discípulos – a comunidade – a Palav ra e a E ucaristia, basta olhar com os olhos da fé para “reconhecer” o Senhor, cada vez, “ao partir o pão”. Ainda há quem pensa que foi a Igreja a inventar a missa; não! Ela vem de longe, do início. Cabe a nós hoje reconhecer o Senhor e ajudar outros a encontrá-lo nas palavras e nos gestos que ele mesmo nos deixou. O que falta para que isso aconteça nas nossas Liturgias? Já falei da Fé. Agora vou lembrar a Esperança, porque a comunidade reunida é o sinal da “nova” humanidade que, aos poucos, deve acontecer. Sem mais divisões, intrigas e disputas. Sem mais necessitados e excluídos. Um só coração e uma só alma. Somente Amor, generosidade, compaixão e misericórdia. Uma comunidade, grande ou pequena, germe e sinal do Reino que Jesus veio iniciar e que um dia chegará à plenitude. Quando nos encontramos , dever& iacute;amos descobrir sempre onde o amor está escondido, para que não fique mais assim, mas saibamos espalhá-lo pelo mundo afora, na vida. É missão de cada um, porque o amor tem o nosso rosto, as nossas mãos…

O que me conta…não pode ser real
O filosofo John Locke (1632 -1704) relata uma história recolhida naqueles anos. Certo dia, o rei da Tail&a circ;ndi a escutava com atenção os relatos do embaixador da Holanda. Este narrava:
– Na Holanda, quando a água esfria muito torna-se sólida e os homens podem caminhar sobre a superf& iacute;c ie. O rei franziu a sobrancelha. O embaixador, ao notar a incredulidade do rei, acrescentou:
– Mais ainda: se na Holanda houvesse elefantes, no inverno poderiam caminhar sobre a água gelada de um lag o e n&at ilde;o afundariam. O rei indignado, levantou-se de seu trono e interrompe-o:
-Já basta! Até hoje acreditei em todas as suas histórias. Considerava-o um homem prudente e sá ;bio. Agora, porém, sei que me enganou. O que me conta…não pode ser real.
Hoje podemos sorrir da incredulidade do rei da Tailândia, mas, coitado, naquele tempo ele não tinha como con ferir, com seus próprios olhos, o que o embaixador da Holanda lhe contava como algo natural em seu país. Os anos passaram, mas certas coisas não mudaram muito. Nós também, às vezes, acreditamos em coisas que nunca poderemos averiguar e, outras, duvidamos do que está bem de baixo dos nossos olhos. No fundo, somos todos gêmeos do nosso irmão Tomé. Isso porque, em geral, é mais fácil acreditar no que nos agrada, e que gostaríamos fosse verdade, e duvidar daquilo que nos incomoda ou não cabe em nossos raciocínios e convicções.
A questão é sempre dupla: primeiro, o assunto no qual podemos ou não acreditar e, segundo, q uem nos convida a botar fé. Tomé duvidou de ambas as coisas: da Boa Notícia que Jesus estava vivo, ressuscitado, e dos amigos que diziam o terem visto. São duas coisas diferentes, mas, em seu projeto de amor, Jesus, agora Senhor e Cristo, escolheu não aparecer a todos, mas somente a alguma “testemunhas” envolvendo-as assim, numa forma especial, no anúncio da vitória dele sobre o mal e a morte. De fato, a Ressurreição de Jesus, como evento em si, nunca poderá ser provada com os métodos técnicos e científicos que hoje consideramos infalíveis. Isso seria possível se a Ressurreição fosse um acontecimento, digamos, deste mundo, o nosso, sensível, material onde tudo, mais ou menos, pode ser medido, pesado, filmado etc. Não, a Ressurreição é um fato de Deus, é obra do Pai que ressuscita o seu Filho para nos reintegrar n o seu am or infinito apesar dos homens tê-lo rejeitado e crucificado. Devia ser assim, porque o Filho Jesus veio neste mundo, justamente, para nos fazer conhecer quanto extraordinária e inimaginável é para nós a misericórdia do Pai. É algo que só podemos perceber quando nós também arriscamos perdoar quem nos ofendeu, quando temos compaixão e cuidamos de quem, talvez, nem conhecemos e que, provavelmente, nunca irá nos agradecer. Sobretudo, quando apostamos com toda a nossa confiança que as coisas irão mudar se acreditarmos menos na nossa autossuficiência e seguirmos mais os caminhos surpreendentes percorridos por Jesus. Ele não buscou o sucesso humano, as riquezas deste mundo, uma vida fácil e cômoda, não se preocupou em agradar grandes e poderosos. Não! Ele quis nos dar o exemplo de uma entrega total por amor a todos os pecadores a começar pe lo ladr& atilde;o que estava à sua direita na cruz até o pobre Pedro, medroso, que fugiu e o negou. A Ressurreição de Jesus pode precisar de explicações “teológicas” para ser entendida. No entanto, desde o início, sempre será “provada” somente pela vida nova das testemunhas, ou seja, pela vida daqueles que desistiram de confiar nos próprios merecimentos, nas obras da própria justiça, e se deixaram tocar pelas chagas do Crucificado e de todos os crucificados deste mundo. Sim, Tomé “tocou” nos sinais da Paixão, mas foi Jesus que “tocou” no seu coração e curou a sua incredulidade. Ainda hoje o mundo, para acreditar, precisa de “testemunhas”, silenciosas e pacientes, mas corajosas e insistentes na paz, no amor, na generosidade e na compaixão. Porque para sempre serão esses os sinais de quem acredita na Re ssurrei& ccedil;ão de Jesus. Para o resto… podem zombar de nós, como o rei da Tailândia fez com o embaixador da Holanda.

A outra metade do céu
Era uma linda noite de verão. O pequeno Nico passeava com a mãe. Para ele tudo era encantador: as casas iluminadas, as &aacu te;rvores[U1] , o ar perfumado. Olhou o céu estrelado e, de repente, ficou pensativo. A mãe, sábia, ficou calada, até que percebeu que Nico queria dizer alguma coisa. Então perguntou:
– Nico, está pensando em que? A criança ficou mais um instante em silêncio, como se estivesse organizando os s eus pens amentos e depois respondeu:
– Se esta metade do céu é tão bonita, a metade do outro lado deve ser ainda mais maravilhosa!
A Páscoa de Jesus é uma brecha que nos permite enxergar um pouco as maravilhas do outro lado da Vida. Sim, aquela Vi da plena , que é a Vida de Deus. Jesus, com o seu amor, com a sua existência totalmente doada, do início ao fim, abriu-nos o caminho do céu. Não para fugir deste mundo, material, cotidiano e passageiro, mas para que aquela luz chegasse até nós e nós pudéssemos ser iluminados e guiados por ela. Se a Cruz sempre será “escândalo e loucura”, a Ressurreição sempre será “novidade”, algo tão surpreendente e inimaginável que até os evangelistas tiveram que inventar palavras para comunicar a boa notícia. Em si, os termos usados só significam levantar-se do sono, erguer-se, como o faz alguém que estava deitado. Logo, os cristãos aprenderam que isso não era suficiente, não explicava nada, aliás, escondia o mais importante. Assim juntaram outras palavras.
Começaram a dizer que Jesus tinha sido “sepultado”, ou seja, tinha realmente morrido porque a cruz n&atil de;o era ficção ou mentira. Depois disso, eis a novidade: ele tinha “ressuscitado” – levantado – dos mortos e agora era o Vivente. As mulheres que foram ao sepulcro escutaram as palavras: “Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito!” (Mt 28,6) ou: “Por que buscais entre os mortos o vivente?” (Lc 24,5). Pedro, após Pentecostes, dirá mais ainda: “Deus o ressuscitou, libertando-o das angústias da morte… (e) o constituiu Senhor e Cristo” (Atos 2, 24.36).
Depois, em Atos 10,42 (2ª leitura do Dia de Páscoa) dirá: “Deus o constituiu Juiz dos vivos e dos mortos”. Aquele homem Jesus, vergonhosamente crucificado, agora está glorioso “exaltado à direita de Deus” (Atos 2, 33) o qual “lhe deu o Nome que está acima de todo nome, para que, ao Nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e de baixo da terra&r dquo; (Fl 2,9-10).
Não foi nada fácil para os primeiros cristãos encontrarem as palavras certas que podiam expressar tamanha nov idade.&n bsp; Nós hoje as repetimos quando rezamos o Credo, a nossa profissão de fé, muitas vezes sem nos dar conta do que dizemos. Não é mais a humanidade a buscar descobrir e agradar, de tantas formas, um “deus” desconhecido. Não será o nosso esforço a nos aproximar mais de Deus. Em Jesus morto e ressuscitado nos foi aberto, uma vez por todas, o caminho para o encontro amoroso entre o Pai e nós, os seus filhos, ainda dispersos, mas que o Filho, o Bom Pastor, quer reunir num só rebanho para que, juntos cantemos a vitória sobre o mal e a morte. Quando nos reunimos para celebrar a nossa fé, nas nossas Liturgias, este caminho aberto se torna uma realidade que podemos experimentar. O nosso Deus continua a nos convocar, a nos reunir, a perdoar os nossos pecados, a falar, a nos dar a sua paz e o seu Corpo e o seu Sangue como antecipação do banquete final do Reino celeste. As nossa s Missas não acontecem para nos fazer esquecer as angústias do tempo presente e nem para melhorar o nosso bem-estar psicológico. A Liturgia serve para nos fazer enxergar a novidade do Reino, a beleza da Vida Nova que a Ressurreição de Jesus descortina à nossa frente. Nas Missas, contemplamos a Nova Cidade, a Jerusalém celeste, onde “a morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque as coisas de antes passaram” (Ap 21,4). Somente se nos deixamos iluminar por esta luz “divina” sempre generosamente oferecida, podemos entender as sombras que ainda escurecem a nossa vida pessoal e de toda a humanidade. Metas maravilhosas nos fazem desejá-las e nos comprometem a buscar meios para alcançá-las. Como a metade das estrelas de Nico.

Uma Semana Santa diferente
Quando escrevo estas palavras ainda não sabemos como será a Semana Santa que iniciamos com o Domingo de Ramos. Talvez tenhamos a possibilidade de realizar as celebrações previstas pela Liturgia, ao menos do Tríduo Pascal, nas Igrejas, com poucas pessoas, distantes entre si, ou nem isso. Talvez, por precaução e segurança, tenhamos que ficar em casa, esperando dias melhores. Por tudo isso e sem saber o que nos aguarda, posso afirmar, com certeza, que será uma Semana Santa “diferente”.
Em primeiro lugar, porque muitas perguntas e novos sentimentos se ajuntam em nossas cabeças e em nossos corações. As previsões são sombrias, para alguns até catastróficas. Muitos acham que a humanidade, depois que essa tempestade passar, será diferente. Concordo, mas será melhor ou pior? Por melhor entendo uma humanidade mais solidária e fraterna consciente que as nossas divisões e fronteiras podem ser defendidas com muros, cercas, armas, leis e impostos, mas na realidade somos mais família humana do que pensamos. O vírus se espalhando provou que todas essas defensivas servem para pouco ou nada. Essas barreiras funcionam para as mercadorias, os migrantes, os que fogem das guerras inúteis, para povos inteiros deslocados das suas terras, mas não para um inimigo quase invisível. Pode ser, porém, que acordamos, um dia, piores. Preocupados com a nossa sobreviv& ecirc;nc ia, com a falência das empresas, com os negócios parados e os lucros sumindo; pode ser que tenhamos medo uns dos outros, como se todos fossem inimigos e nos roubassem algo que nos pertence. Será que iniciaremos grandes ou pequenas guerras pela água, pelo chão, pelos remédios capazes de nos proteger no futuro de novos vírus letais? Se assim acontecer esta pobre humanidade estará perdida.
Eu espero e acredito que teremos aprendido a unir mais as forças. Países de lados diferentes, com interesses e políticas opostas, não negaram ajuda a quem precisava. A quem especula complôs internacionais e disputas pelo controle do planeta, respondem os milhares de voluntários prontos a ajudar, arriscando as próprias vidas. Quantos aplausos e sinais de gratidão já ganharam os médicos e todo o pessoal dos hospitais? Muitos deles já pagaram com a vida o seu desprendimento. Sem contar todos aqueles e aquelas que acolheram desabrigados e moradores de rua, todos os que prepararam e distribuíram alimentos para a sobrevivência de quem não podia parar de trabalhar ou não tinha mais nenhum recurso financeiro. Saber que fábricas de automóveis se transformaram em fábricas de respiradores para atender às urgências dos doentes graves, é um sin al confo rtante. É verdade que alguns estão assaltando pedestres nas ruas desertas, outros querem lucrar acima do lícito vendendo máscaras protetivas, álcool em gel, alimentos, remédios e tudo o que, na falta, costuma ficar mais caro. Sempre haverá aproveitadores, como também profetas de desgraça. O caminho do bem é longo e difícil.
Eu quero ser testemunha da esperança, como Papa Francisco a nos repetir as palavras de Jesus, “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé”? Creio sim, na bondade de Deus, na sua paternidade e misericórdia. Não estamos sozinhos nesta luta. No entanto, devemos acreditar também em nós, na força do povo que descobre o seu potencial de generosidade e partilha. Quantos gestos de fraternidade e esperança nos surpreendem todo dia, talvez vindo de pessoas que tínhamos julgado insensíveis, gananciosas ou superficiais. Na Semana Santa que iniciamos, acompanharemos, mais uma vez, Nosso Senhor Jesus Cristo, no caminho do Calvário. Assim ele quis partilhar a condição humana, fraca e mortal. Deu-nos o exemplo, ensinou-nos a oferecer tudo, a não poupar nem a própria vida, para que outros passam viver mais felizes. Ele fez tudo isso por amor. É sempr e e some nte o amor que doa vida, ampara e consola. É o amor que transforma até a morte em vida nova. Após o silêncio da Cruz, cantaremos o Aleluia da Ressurreição. Acreditemos e nós também seremos uma humanidade nova e melhor.

Nunca perdi a coragem
Numa campanha para ajudar os doentes de câncer, uma contribuição substancial foi dada por uma viúva cega. A mulher não achava nada de extraordinário nisso. Quando foi entrevistada por uma jornalista ela disse: “Me ensinaram a confiar em mim mesma. Posso ainda distinguir a luz e a sombra, não sou totalmente cega. Posso ainda fazer muita coisa e, graças a Deus, nunca perdi a coragem. A minha cegueira chegou gradualmente e me considero com grande sorte por ter tido muitos anos de vista boa”.
Ao contrário dessa viúva generosa, o cego da página do evangelho de João, deste Quarto Domingo de Quaresma, nunca tinha enxergado na vida dele, era “cego de nascença”. Interessante, porque o cego, ao final, encontrará a luz plena e os que se achavam com a vista boa – os fariseus – serão declarados cegos. É evidente que o evangelista joga com a imagem, muito bíblica por sinal, da luz. É aquela do sol que nos permite trabalhar de dia e que o cego nunca tinha conhecido, mas também é a luz da fé. Assim aquele que agora enxerga, quando encontra novamente Jesus, pode dizer: “Eu creio, Senhor!”. Porque o “Filho do Homem” é a verdadeira “luz do mundo” (Jo 9,5) e aqueles que não o acolhem ficam, agora, na escuridão. Como lembrei domingo passado, estamos na segunda etapa do caminho para os catecúmenos que eram batizados na noite de Páscoa. Por que essas etapas? Porque à fé em Cristo, chegamos gradativamente, numa busca fadigosa e luminosa ao mesmo tempo. Por isso, como para a samaritana, o homem que antes era cego discute com os fariseus sobre Jesus. Às perguntas deles responde antes que aquele que lhe abriu os olhos é “um profeta”, depois um “mestre”, do qual, talvez, vale a pena ser discípulos. Enfim chama de “Senhor” o “Filho do Homem”.
Aquele “cego” ganhou a vista, ganhou a luz da fé e, ainda pode seguir o Senhor e fazer parte de uma nova comunidade, já que havia sido expulso daquela dos fariseus. É facilmente compreensível o itinerário da iniciação à vida cristã.
Nesta altura da Quaresma, mas sobretudo da nossa vida, devemos nos perguntar o que aconteceu com a luz da fé que nos foi doada no dia do nosso Batismo, se ainda enxergamos Jesus como luz para o nosso caminho ou se já seguimos outras “luzes” que consideramos mais luminosas. Nos nossos dias, os cientistas da humanidade salientam um fato curioso. Moramos em cidades iluminadas. Em alguns lugares quase não se percebe mais se é dia ou se já chegou a noite. Muitos de nós, talvez até as crianças, esqueceram-se que existem as estrelas, ou nunca param para contemplá-las. Porque para ver o brilho das estrelas precisa da escuridão da noite. Não é para ter medo, mas para perceber, nem que seja por alguns instantes, que não existimos somente nós e que o universo é muito maior de todas as nossas manias de grandeza e de poder. Pior ainda se a maior luz que ilumina o nosso rosto é aquela de uma tela de computador. Nos exaltamos tanto com as “luzes” por nós mesmos produzidas que ficamos cegos, porque enxergamos somente isso. Sem dúvida, a humanidade pode ser orgulhosa de si mesma por muitas coisas, mas parece que não enxerga mais o desespero dos pobres, a fome dos pequenos, as vítimas das guerras que ela mesma produz. Quando a luz da nossa vida somos nós mesmos, esta luz pode nos tornar cegos, pela simples razão de vermos somente os nossos problemas, as nossas ambições, o nosso bem-estar. Os outros, e as estrelas vão junto, param de existir. Talvez, ainda crianças e jovens iniciamos a nossa vida de cristãos cheios de boa vontade, mas, gradativamente, a luz da fé foi se apagando. Começaram a brilhar outras luzes, outros interesses. Acabamos por seguir outros mestres, por escutar outras palavras. Nunca é tarde, porém, para resgatar o que sobrou da luz da fé em nossa vida. Não será um sinal de fraqueza, ao contrário, será um sinal da coragem – que talvez perdemos – de admitirmos a nossa pobreza humana. Sabemos muito, mas não sabemos tudo e não será nada vergonhoso pedir ao Senhor Jesus, luz do mundo, que abra mais os nossos olhos. Veremos muitas coisas esquecidas: as estrelas, talvez, mas, muito mais, os outros e Deus.