
Dom Pedro Conti

“Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34)
Desta vez, achei melhor deixar a reflexão sobre a Campanha da Fraternidade, que iniciamos na Quarta Feira de Cinzas, para o Segundo Domingo da Quaresma. O evangelho da Transfiguração do Senhor é sempre um convite a mudar a nossa vida, a nos deixar iluminar pela luz do Crucificado-Ressuscitado para sermos, por nossa vez, mais luminosos lá onde somos chamados a testemunhar a nossa fé. O brilho dos discípulos de Jesus passa, sem dúvida alguma, pela compaixão e a misericórdia. Não é por acaso que no cartaz da CF, deste ano, é facilmente reconhecível a presença da Irmã Dulce, agora proclamada santa, no meio de crianças, pobres e doentes. O “anjo bom da Bahia” continua a espalhar a luz do seu exemplo para que outros não só continuem a obra por ela iniciada, mas, também, abram novos caminhos para socorrer os caídos à beira d as estradas da vida. Nós não vamos repetir o que ela fez, mas podemos aprender com o seu desprendimento, carinho e determinação.
A Palavra motivadora da CF 2020 é tirada da parábola do Bom Samaritano e o tema é: Fraternidade e vida: dom e compromisso. O Texto Base, que a Equipe da CNBB, nos oferece, segue o esquema tradicional, do ver, julgar e agir e é muito fácil perceber os passos a serem dados. Basta lembrar o texto da parábola. Todas as três pessoas que passaram “viram” o homem caído no chão, mas somente uma, o samaritano, depois de ver, teve compaixão, ou seja, se deixou tocar no íntimo pela situação desesperadora do homem. A primeira coisa que precisamos resgatar é aprender a ver o sofrimento das pessoas. Através dos nossos próprios olhos ou pela abundância das informações, tomamos conhecimento de muitas situações difíceis e injustas. O que sentimos? Podemos passar adiante, encontrar alguma desculpa mais do que compreensível, ou “sentir compaixão”. Esta, de fato, é a nossa maneira de julgar as mais diversas circunstâncias. Se chegamos à conclusão de que não temos nada a ver, é mais fácil silenciar a nossa consciência e apagar tudo da nossa memória. Ao contrário, podemos nos deixar alcançar pelas condições precárias de tantos nossos irmãos e irmãs. Nós cristãos deveríamos ser muito bem treinados na “compaixão”. A escuta da Palavra do Senhor e a Eucaristia são sempre a memória viva do seu amor e da sua vida doada até o fim. Portanto…Como é possível continuar indiferentes, jogar a culpa nos outros e não fazer nada? Deveríamos sentir uma saudável e amorosa inquietação e sermos impelidos por ela a agir.
O Bom Samaritano se envolveu com a situação do homem desafortunado ao ponto de carregá-lo e pagar para que fosse atendido. É o que cabe a todo ser humano que se sente ligado aos seus semelhantes com laços de fraternidade e solidariedade. Todos podemos fazer algo para amenizar o sofrimento alheio, dentro das nossas condições e responsabilidades. Para nos ajudar ainda mais, a CF, com o seu tema, lembra-nos que a vida, inclusive a nossa, é um dom que recebemos em comunhão com a vida dos demais seres existentes e devemos zelar por ela, porque estamos mais interligados do que pensamos.
A qualidade da vida melhora se, de fato, fica mais promovida, digna, saudável e respeitada para todos. Todo enriquecimento realizado às custas do sofrimento, marginalização ou exclusão de outros irmãos é injusto e desumano. Pode engordar a nossa conta no Banco, mas insensibiliza a nossa consciência e empobrece a inteira família humana. Por fim, o texto da CF deste ano nos lembra que, em nossa passagem neste mundo, partilhamos a casa comum, moramos no mesmo planeta, unidos com laços de vida, ou de morte, com a inteira Criação. O ser humano precisa da natureza, dos seus frutos e dos seus dons. Todos temos o compromisso sério de respeitar as demais criaturas e deixar o ambiente capaz de acolher e sustentar as novas gerações que sempre chegam, também quando nós partimos. Aprendamos a ver o tamanho das rachaduras da nossa Casa Comum, a avaliar a gravidade das do en&ccedi l;as do nosso Planeta, para ter compaixão e agir. Antes que “mais tarde, seja tarde demais”.

As palavras
“Têm palavras más e palavras boas. Palavras leves que voam e outras que pesam como pedras enormes. Têm palavras que ferem o coração e outras que o aquecem. Algumas fazem chorar, outr as sorri r. Têm palavras que fazem viver, porque dão coragem e dignidade. Com as palavras se pode errar, fazer sofrer, mas, depois, é possível corrigir o erro. Têm palavras carregadas de sentido como: ‘te amo’, ‘me perdoe’, ‘juntos’ … Têm também palavras de vida eterna. Mas, ainda as lembramos?”
Encontrei essa poesia, sem o nome do autor, e me lembrei da força das palavras da Escritura que Jesus usou para vencer as tentações. Foram chamadas de arma, de escudo. Penso que, mais uma vez, foram uma lição. Grande e simples ao mesmo tempo. No primeiro domingo da Quaresma, sempre encontramos a página dos 40 dias de Jesus no deserto. Entendemos que estas foram as tentações que o acompanharam ao longo de toda a sua vida. Podia ter sido um messias poderoso e triunfador, de acordo com a mentalidade e os sonhos do mundo ou, como foi, um salvador pobre e desconhecido aos olhos dos grandes, mas perfeito no amor e na entrega ao projeto do Pai.
A “lição” da página evangélica das tentações nos ilumina sobre o uso que fazemos das Escrituras e a maneiras de entendê-las. As consequências serão vis&iacu te;veis em nossas vidas. Hoje, por exemplo, somos tentados de pensar que com a ciência e a tecnologia, fruto da inteligência humana, tudo, ou quase, esteja ao nosso alcance. É possível reciclar até o lixo e ganhar dinheiro. Mas também é possível fabricar armas letais, silenciosas e microscópicas como um vírus sem cura. Milhões de seres humanos gostariam que as pedras se tornassem pão, porque morrem de fome. O que continua de pedra é o coração dos ricos e a ganância de um sistema que vive só pelo lucro. Poder, riqueza e sucesso continuam a ser os ídolos mais adorados da história humana.
Podemos usar as palavras da Escritura para lembrar as promessas grandiosas de Deus, a partir de Abraão, pai de uma multidão incalculável. Lembrar o compromisso que o reino de Davi não ter&aacut e; fim. Até o pobre Jó, tão sofredor, após aguentar os desaforos dos amigos para ficar fiel a Deus, recebeu como prêmio mais bens e mais filhos e filhas do que tinha antes. Teria sido tão simples para Jesus receber todos os reinos da terra, bastava dobrar ao menos um joelho. Tem mais uma palavra muito usada para quem continua achando loucura a cruz de Cristo: “Maldito todo aquele que for suspenso no madeiro” (Dt 21,23, citato em Gl 3,13).
Não precisa mexer com Satanás. Basta refletir um pouquinho para entender que podemos usar a mesma Escritura para explicar as coisas do mundo, para chamar riqueza e saúde de benção e pobr eza e do ença de castigo. Ou, deixar que seja o próprio Jesus a abrir a nossa inteligência, como fez com os seus discípulos após a ressurreição. É a lição exemplar da vida dele que dá luz às Escrituras e não o contrário. A Palavra de Deus deve ser um alimento que motiva a generosidade e não o egoísmo, a partilha e não a acumulação, uma economia solidária e não somente lucrativa. Também tentamos o Senhor quando o desafiamos a se mostrar com algo extraordinário, quando invocamos o seu nome para que ele faça aquilo que nós deveríamos fazer e não fazemos, ou seja, amar-nos e perdoar-nos mais. Não enxergamos mais o milagre da vida que acontece todos os dias de baixo dos nossos olhos. Deixamos de contemplar a natureza, com sua beleza e harmonia, assim esquecemos o primeiro livro, sempre aberto, que nos fal a de um Deus amoroso e providente. Aclamamos e dobramos os joelhos diante de falsos deuses, estrelas da mídia, salvadores de pátrias fabricadas com a propaganda e os números maquiados das pesquisas encomendadas. Jesus foi plenamente humano; aquelas tentações são sempre também as nossas. Se apresentam fascinantes. Mas nós fomos salvos porque ele não desceu da cruz, porque nos amou até o fim. Em tempo de Quaresma, precisamos de palavras verdadeiras, de vida e esperança, não de discursos tentadores e promessas falsas.
É o caminho da cruz, mas é a felicidade da vida doada.

A pregação
Saindo do convento, frei Francisco encontrou frei Ginepro. Este era um homem simples e bom e Francisco gostava muito dele. Disse-lhe:
– Frei Ginepro, vamos pregar o evangelho!
– Meu pai – respondeu o frade – o senhor sabe que eu tenho pouca instrução. Como poderei pregar ao povo?
Mas, porque Francisco insistia ele foi junto. Andaram por toda a cidade, pregando em silêncio a todos aqueles que trabalhavam nas oficinas e nas hortas. Sorriram às crianças, especialmente aos mais pobres e maltrapilhos. Trocaram alguma palavra com os idosos. Acariciaram os doentes.
Ajudaram uma mulher a carregar alguns baldes de água. Depois de ter atravessado a cidade algumas vezes, Francisco disse a frei Ginepro:
– Está na hora de voltar para o convento.
– E a nossa pregação? – Perguntou o bom frade
– Já a fizemos, já a fizemos. – respondeu o santo sorrindo.
Depois de ter iniciado o sermão da montanha com a proclamação das Bem-Aventuranças (que teria sido o evangelho de domingo passado), o evangelista Mateus coloca duas afirmações de Jesus dirigidas aos discípulos. Ambas iniciam com um forte “Vós sois” e, logo em seguida, vêm as duas comparações: “sal da terra” e “luz do mundo”. Não são palavras de convite ou de exortação. É questão mesmo de identidade e de missão. Ou seja: ou os “cristãos” são “sal e luz”, em meio à humanidade, ou, a esta, faltará o gosto do tempero e o brilho iluminador. Por isso, Jesus continua explicando que se o sal perde o sabor não serve mais para nada e se a luz fica escondida também não cumpre o seu papel, torna-se inútil. O mais curioso das duas comparaç&ot ilde;es é que uma, o sal, quando se mistura, desaparece, ao passo que a outra, a luz, para iluminar deve ser bem visível. Parece uma contradição: afinal, os cristãos devem sumir ou chamar atenção?
A resposta está no próprio evangelho. O que vale não é o esquecimento ou sucesso dos cristãos em si, mas os frutos, as consequências do ser “sal” que tempera e preserva e ser “luz” que clareia ao seu redor. O que vale, para o sal, é que o alimento fique gostoso ou, lembrando o uso do sal para a conservação dos alimentos como era costume naquele tempo, que a fé, a Aliança, o amor a Deus e ao próximo sejam preservados. Se o sal nem tempera – não motiva mais a vida e nem salva do apodrecimento – a fé é abandonada. De fato, não serve para nada. Igualmente, as boas obras dos cristãos, podem ser até luminosas e chamar atenção, mas aqueles que as virem louvarão ao “Pai que está no céu” e não os cristãos em si. A alegria dos discípulos de Jesus n&ati lde;o de ve estar, portanto, na afirmação e no sucesso pessoal, mas na possibilidade de colaborar na memória viva e no louvor a Deus. Atitude da qual os próprios cristãos sempre devem zelar.
Aqui está a nossa fraqueza, mas também, acredito, a nossa consolação. O nosso defeito é querer ser reconhecidos, receber aplausos e elogios, nem que seja de um pequeno grupo de seguidores sempre prontos a bater palmas. De outra forma, não consigo explicar tantos grupos e grupinhos dentro e fora da Igreja. Parece que o sal, em lugar de preservar a unidade, serve mais para salvaguardar alguma posição ou poder. Temos medo de ser só e simplesmente “cristãos”. No entanto, esta qualidade é a consolação de muitos e muitas que nunca aparecem e nunca chamam atenção, mas são fiéis cada dia e cada hora nas coisas simples da vida e dos seus compromissos: na família, no trabalho, com os vizinhos, conhecidos ou não, e com qualquer outro que precise de ajuda. Quantas “obras” maravilhosas de amor, de serviço, de paciência e gratu idade são praticadas sem ser divulgadas por aí. A bondade, graças a Deus, não pede badalação, simplesmente age, faz acontecer. É muito bom que continue assim, porque se não fosse, o dia em que uma obra boa virasse manchete, poderia significar que nos acostumamos tanto com a violência, a corrupção e a morte, que seria o bem a parecer estranho. Não, por favor, que o bem continue a realizar a sua “pregação” humilde, simples e escondida e, seja o mal, infelizmente, a chamar a atenção. Claro, para nós todos, conhecendo-o, fugirmos dele.

Oculista ou Dentista?
Um jovem estudante recém-formado, desejava receber o conselho de um sábio eremita para escolher a faculdade universitária à qual queria escrever-se. Apresentou a sua dúvida ao homem de Deus com estas palavras: – Eu gostaria ser oculista, mas os meus parentes querem que eu seja dentista, porque dizem que se ganha mais. O que o senhor acha? – Meu fil ho – respondeu o sábio – ambas são profissões altamente remuneradas, mas lembra, os olhos são só dois, ao passo que os dentes são trinta e dois!
Mais uma brincadeira dos antigos sábios, homens de fé, sempre capazes de espalhar o sorriso ao seu redor. Contudo, aqui aparece uma questão, hoje, talvez mais que no passado, que, muitas vezes norteia a decisão dos jovens na busca do seu próprio caminho na vida: a remuneração ou compensação que seja. Vale a pena estuda r tanto para ganhar tão pouco? Quais as profissões – honestas – que dão mais lucro? Como em muitas outras situações parece que o desejo de “ganhar” esteja se tornando se não a maior, ao menos, uma das razões mais motivadoras das escolhas juvenis ou, também, daquelas pessoas que ainda buscam o seu papel na vida e na sociedade. Por isso as palavras de Jesus aos pescadores do mar da Galileia, que encontramos no evangelho de Mateus deste domingo: – Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens. – (Mt 4,19) não deixam de soar como muito diferentes, desafiadoras e, para tantos, talvez novas. Com certeza também é fácil entendê-las endereçadas aos outros, nunca a cada um de nós. Será?
Sem dúvida a página de Mateus apresenta o chamado dos primeiros discípulos. Mais tarde, Jesus escolherá “os doze”, um grupo menor entre o número maior de homens e mulheres que o seguiam. Ainda hoje entendemos que existe um chamado, uma vocação especial, para seguir Jesus assumindo, neste caso, as funções do minist& eacute;rio ordenado como pastores das Comunidades dentro da nossa Igreja Católica. Sempre rezamos e rezaremos para que não faltem “operários” para a messe do Senhor, ou seja, padres para servir ao Povo de Deus. No entanto, cada vez mais hoje entendemos que os convites de Jesus têm reflexos e valor, digamos, para todos e todas. Algo semelhante acontece, por exemplo, com a paternidade e a maternidade. Tantos homens e mulheres são pais e mães – e não só espiritualmente – porque amam e server irmãos e irmãs que precisam deles de uma maneira tão amorosa e familiar que, quase, disputam o afeto com os pais e as mães biológicos. Assim também na Igreja, hoje falamos muito de missão, de sermos, nós todos batizados “missionários”, enviados a dar o testemunho da alegria do Evangelho com a nossa vida lá onde as circunstânci as nos c olocaram. Ser “pescadores de homens” ou, digamos, “missionários”, não significa “arrebanhar” pessoas para o nosso grupo, movimento, comunidade ou mesmo Igreja. Ser missionários é, a meu ver, muito mais a capacidade de “lançar as redes para águas mais profundas” para alcançar quantos ainda não ouviram falar de Jesus ou ouviram falar dele tão mal e de maneira tão distorcida que ele foi rejeitado mesmo antes de conhecê-lo de verdade.
Estou convencido que a recusa da Boa Nova de Jesus, a rejeição da sua pessoa e da sua mensagem, não dependem da inutilidade ou banalidade da proposta dele, mas, decididamente, da maneira como ela lhes foi apresentada, através do testemunho daqueles e daquelas que declaram acreditar nele. Com certeza a culpa não é do Evangelho em si, porque , ainda hoje, ele motiva e anima a doação da própria vida de milhares de homens e mulheres por causa do Reino de Deus. A culpa das redes estar vazias, é nossa. Ficamos calculando as perdas e os ganhos. Estamos preocupados com a opinião dos colegas, de sermos apontados como beatos ou beatas, servidores de um lendário rei de outros tempos. Ao contrário, não temos receio de dizer que queremos ganhar a qualquer custo, que nos atraem as profissões mais lucrativas, melhor ainda se com bastante dias de folgas e muitos privilégios. A questão não é ser “oculistas ou dentistas”, mas querer amar e servir mais, lavando os pés a quem precisa. Sem cálculos.

Este padre é louco
São Filipe Neri era famoso pela sua capacidade de brincar e fazer sorrir. Todos o chamavam de “bom”. Por isso, como gesto de humilhação e para evitar que o bajulassem ou honrassem pela sua “santidade”, resolveu que, por uma semana, ia tirar a barba dele somente de um lado do rosto. O resultado foi óbvio. Todos aqueles que o encontravam riam de bom gosto e diziam: “Este padre é doido varrido! Devia ser internado”. Mas o alegre Filipe Neri, dentro de si, ficava feliz pelas gargalhadas dos outros.
Com o domingo do Batismo de Jesus concluímos o tempo litúrgico do Natal. Jesus, num gesto de extrema humildade e solidariedade, entra na fila dos pecadores e recebe o batismo de penitência oferecido por João Batista. A pomba que pousa sobre ele indica a presença do Espírito Santo e a voz do Pai confirma que aquele homem é o “Filho amado”. Todos os evangelistas são unânimes em nos dizer que, após este momento, inicia a vida pública de Jesus. O Pai o enviou e o Espírito Santo vai guiá-lo, nas palavras e nas ações, até a sua paixão, morte e ressurreição, em Jerusalém. O batismo no Jordão marca uma mudança decisiva na vida dele. De agora em diante, será um “mestre” itinerante chamando discípulos a segui-lo. Para alguns, será um profeta com palavras nunca ouvidas, palavras de “vida eterna”. Para outros, será julgado um falso profeta por vir da periferia, de Nazaré. Enfim, será considerado blasfemo, mas útil para dar uma lição exemplar aos facínoras, aos rebeldes, aos fora da Lei. Alguns o chamaram de louco e endemoninhado. Ao vê-lo morrer na cruz, o centurião romano dirá: “Verdadeiramente, este era Filho de Deus” (Mt 27,54). As mesmas palavras do Pai, no dia do batismo. A cruz de Jesus permanecerá para sempre “loucura” para os pagãos, “escândalo” para os judeus, mas sabedoria e poder de Deus para os que acreditam (1 Cor 1, 23-25).
Neste domingo, a Igreja nos convida a lembrar o nosso batismo, não mais de penitência, mas de vida nova na Trindade Santa. Fomos batizados “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”. Após aquele dia, também nós deveríamos ter iniciado uma vida diferente, como cristãos, conscientes do dom recebido e da missão que nos foi entregue: continuar a anunciar a alegria do Evangelho e testemunhar, com a nossa vida, a presença do Reino de Deus. Vale a pena parar para lembrar e refletir. O nosso batismo, a nossa consciência de sermos cristãos, mudou e muda algo da nossa maneira de pensar, dos valores que norteiam a nossa vida, dos compromissos que assumimos em família e na sociedade? Tem alguma vez que somos chamados de loucos – se não na nossa frente, ao menos por trás – por causa da nossa fé? Estou falando sério. Não está em jogo o sermos exteriormente diferentes, ou não, dos outros, mas a diversidade radical com tudo aquilo que podemos chamar de “mundo”, no sentido evangélico da palavra. A primeira questão é, justamente, o valor que damos aos bens materiais, ao dinheiro e às demais posses. Jesus disse para “buscar” primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, o resto nos será dado por acréscimo, como dom da sua bondade. Ao contrário, muitos hoje se acham os donos de tudo, até do planeta que, porém, já encontramos feito e não, com certeza, para o nosso consumo exclusivo.
A segunda questão, talvez, seja aquela do orgulho que temos com as nossas ideias, a nossa interpretação da vida, da sociedade e até de Deus. Nos achamos tão importantes e sabidos para julgar o que está ao nosso redor, os acontecimentos e as pessoas. Um pouco mais de humildade nos faria bem. Talvez só olhando mais os pássaros do céu, os lírios dos campos…as maravilhas de Deus, enfim, mais do que sempre as nossas obras. Por fim, quero lembrar o tempo, como o administramos e o gastamos. Parece que temos tempo para tudo, mas bem pouco para agradecer a Deus, celebrar a nossa fé aos domingos, na comunidade, entre irmãos e amigos. Nem vou falar dos pobres. Falta um pouco mais de “loucura” como fruto do nosso batismo tomado mais a sério e menos como brincadeira, costume ou tradição. Falta coragem, sobra medo de sermos chamados “loucos” por causa de Cristo.

Viemos adorá-lo
Conta uma anedota da vida de Papa São João XXIII que, quando ele era ainda núncio apostólico em Paris, participou de uma recepção e lá se encontrou com o rabino Chefe da França. Quando chegaram na porta de entrada, que era bastante estreita, o patriarca deu a preferência ao rabino dizendo-lhe: “Por favor, é bom que passe na frente o Antigo Testamento, depois virá o Novo!”
Neste domingo, celebramos a solenidade da Epifania que significa “manifestação”. Os misteriosos “magos” que vêm do Oriente e seguem a luz da “estrela” representam, com bastante clareza, todos os povos, de qualquer origem e etnia, que virão para adorar o recém-nascido. Essa é uma forma, muito bonita e grandiosa, que o evangelista Mateus encontrou para apresentar e propor a pessoa de Jesus como irmão “universal”, solidário como a humanidade inteira e, para quem o acolher e acreditar, salvação oferecida a todos. Com efeito, sempre nos perguntamos por que após tantos séculos de preparação e de espera, que nós cristãos chamamos de Antigo Testamento, aquele povo escolhido não soube reconhecer o Messias? Ou, melhor, por que bem poucos o seguiram?
Diferentemente, o anúncio cristão se espalhou rapidamente pelas e stradas do então Império Romano e por outros tantos caminhos chegou até nós. Têm muitas explicações que, para quem acredita, não dependem somente das capacidades humanas. Nós acreditamos na força do Espírito Santo. Ele se antecipa à chegada dos próprios missionários e evangelizadores. É ele, o Espírito, que abre os corações ao dom da fé. No entanto, a solenidade da Epifania nos convida sempre a abrir também os nossos horizontes.
O Messias Salvador não é patrimônio somente de alguns, nem exclusividade para raros escolhidos. É verdade que foram poucos a iniciar a missão do anúncio do Evangelho, mas Jesus deixou claro que devia ser para “todas as nações” e “até os confins da terra”. Ou seja, sem distinções ou exclusões. A mensagem do Reino de Deus deve ser oferecida a todos e a variedade dos povos, línguas, raças e culturas, explica o nome de Igreja “católica” capaz de acolher tanta riqueza de diversidades. Podemos chegar à mesma conclusão, a partir de outro ponto de vista: não precisa mudar de costumes e de tradições para acolher o Evangelho de Jesus. Cada um de nós é chamado a viver a fé no Senhor a partir da sua real situação. É essa “condição humana”, com to das as suas diversidades e, ao mesmo tempo, com toda a sua universalidade que deve ser transformada pela Boa Notícia do Reino. Acreditamos que não serão costumes vindo de fora a mudar uma certa realidade. Será a luz do Evangelho a fazer reconhecer quanto uma cultura está mais perto, ou mais longe ainda, do mandamento do amor.
Qualquer ser humano, em qualquer lugar do mundo, está consciente da sua fragilidade, da seriedade das consequências das próprias escolhas entre os caminhos do bem e do mal, da beleza de ter mais amigos e nenhum inimigo, da força da solidariedade e da alegria da partilha. A humanidade toda sente um grande chamado à fraternidade, à paz, ao enriquecimento na troca dos saberes e sabores, das artes, das músicas e das danças. Não existe uma “cultura” verdadeiramente humana que não tenha em si os germes do Evangelho, a marca registrada daquela “imagem e semelhança” com o Deus criador, Pai de todos os povos e nações. Em época de globalização do consumo, do individualismo e da indiferença, precisamos resgatar a “globalização do amor”. Não importa se, como cristãos e católicos, formos muitos ou pouc os, o que interessa é apontar sempre o bem, a luz, a verdade, a justiça, além dos próprios interesses e vantagens. Todas as vezes que alguém descobre que a bondade, a misericórdia e a compaixão, são melhores que o ódio, a vingança e a violência, já está colaborando com a vitória do Amor. Não seremos nós, carregados com as nossas ideias e culturas a sermos “universais”, será ele, o único Senhor e Salvador de todos, Jesus Cristo, que os Magos finalmente encontraram e adoraram! O que nos cabe é apontar o Caminho, como a estrela. Felizes por sermos pequenas luzes.

Deus nos espera em Belém
São estas as palavras do refrão de um canto de Frei Fabreti. No tempo do Advento somos convidados a “aguardar” a chegada do Salvador. É tempo de preparação e de espera. Maior e mais importante é o evento, mais esmerados devem ser os preparativos.
Quem soube aproveitar de um pouco de silêncio e de reflexão e preparou num cantinho de sua casa um pequeno Presépio, com alegria, poderá colocar na manjedoura o Menino Deus.
Cada família poderá rezar, cantar e agradecer. Natal é a oportunidade que temos de renovar o nosso compromisso de acolher novamente o Senhor em nossa vida. Todos somos contagiados pela atmosfera do Natal, nos sentimos importantes: Deus veio ao nosso encontro.
Os amigos e parentes se lembram de nós e a troca de votos de um Feliz Natal manifesta o nosso desejo de uma convivência melhor. É bonito. É o “mágico” Natal, como diz a propaganda. Mais uma vez, porém, se não prestamos atenção, no centro de tanta animação e correria estamos nós e esta sociedade que construímos, com suas luzes e sombras.
A memória do nascimento de Jesus pode ser, afinal, somente a ocasião para festejarmos a nós mesmos e os passos dados ao longo do ano que termina. A “magia” passa e tudo vai recomeçar de novo. Igual.
Se Deus não entrou para valer em nossa vida na espera do Advento e na vinda dele no Natal, mais ainda ele corre o perigo de ficar de fora também no Ano Novo. “Pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7). A história se repete. Ainda bem que Deus tem muita “paciência” conosco. Ele sabe nos esperar.
A novidade do Natal é esta: quem espera não somos mais nós, é ele mesmo o nosso Deus feito criança. Os pastores vão a Belém; os Magos chegam de longe para encontrar “o rei que nasceu”.
Até os inimigos o procuram e, com certeza, não para adorá-lo. A espera da humanidade se tornou busca daquele que “existindo em forma divina, não considerou um privilégio ser igual a Deus, mas esvaziou-se, assumindo a forma de servo e tornando-se semelhante ao ser humano” (Fl 2,6-7).
No Natal, Jesus nos espera em Belém. Como criança, alguém pequeno e frágil, precisando de amparo e cuidados amorosos. Quem aguardava um Deus arrasador, que esmagaria os adversários, para organizar um reino de parte, ficou desiludido, frustrado.
Na Páscoa, Jesus nos espera no Calvário, entre dois malfeitores. Quem zombava dele não o viu descer da cruz. Somente na manhã radiante do “primeiro dia da semana” o túmulo vazio revelou a vitória dele sobre o mal e a morte. Desde quando Deus perguntou a Adão: “Onde estás?” (Gn 3,9), o homem se esconde, tem medo de Deus. Mas como é possível ter medo de uma criança?
Como é possível ter medo de um condenado a morte?
Adão se escondeu. Hoje a fuga pode ter outro nome. Se chama indiferença e é sempre uma manifestação de desumanidade que nos envergonha. Deve rí ;amos ter carinho e compaixão com os pequenos e os sofredores.
Deus continua a nos esperar em Belém, no Calvário e no Cenáculo, porque, apesar de tudo, continuamos a ser filhos amados. Porque Deus é como o pai que esperou tanto até, de longe, avistar seu filho que finalmente voltava.
Neste Natal deveríamos ter medo das aparências que enganam, da superficialidade que não deixa lembranças, do orgulho que nos impede de agradecer por tudo aquilo que tivemos e que não cultivamos, não construímos e, sobretudo, talvez não merecíamos.
Recebemos o amor da nossa família, o respeito de quem nos admira, o sorriso simples de uma criança a nos abraçar ou de um pobre que estende a mão.
Neste Natal, vamos nós ao encontro do Senhor. Para agradecer por tudo.
Pela vida e pela fé. Para lhe pedir perdão se nos esquecemos dele. “Deus nos espera em Belém”, somente ele pode preencher os vazios da nossa vida, porque ele não doa objetos, por valiosos que sejam, ele, sempre, doa a si mesmo.
Não tem presente maior. Feliz Natal para todos!

Maria Imaculada
O demônio apareceu a um monge disfarçado de anjo da luz e lhe disse:
– Eu sou o anjo Gabriel e fui enviado a ti.
O irmão, porém, lhe respondeu:
-Tem certeza de que não foi enviado a um outro? Eu não mereço a visita de um anjo. Imediatamente o demônio foi embora.
Neste segundo domingo, no caminho do Advento, encontramos a Solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Voltaremos a encontrar Maria e José no Quarto Domingo, o último antes do Natal. Mais uma vez, somo convidados a refletir sobre aquilo que, nós cristãos, chamamos de “mistério da encarnação”. “Mistério” porque o que aconteceu foi algo muito mais do que humano, foi “divino”. Perante a grandeza de Deus e a novidade dos seus planos, a nós, pequenos seres em carne e osso, só resta a surpresa e o encantamento. Desta vez, porém, tem mais, porque Deus decidiu partilhar a nossa pobre e fraca realidade humana. Para isso, para garantir a sua verdadeira humanidade, quis ter uma mãe. Assim, temos ao menos duas perguntas sobre o “mistério da encarnação”: por que Deus se fez homem? – antiga questão desde os tempos de Santo Anselmo – e outra: por que ele precisou de uma mãe?
Começo a dizer que Deus faz coisas extraordinárias através de um jeito comum. Se para nascer e ser verdadeiramente humanos todos nós precisamos de mãe, assim também o Pai quis que fosse para o seu Filho. A outra resposta já sabemos pelo Catecismo: o Filho veio para nos salvar do mal, do pecado e da morte. Sobre esse assunto voltarei no Natal. Agora, quero continuar a refletir a respeito da colaboração da mãe, Maria.
A Igreja nos pede para acreditar que Deus Pai preparou para o Filho “uma mãe que fosse digna dele”. Continua, depois, o prefácio dessa Solenidade: “Puríssima, na verdade, devia ser a Virgem que nos daria o Salvador, o Cordeiro sem mancha, que tira os nossos pecados”. O que é mesmo a pureza? Antes de pensar outras coisas, precisa dizer que qualquer “pureza” começa primeiro no coração. Antes de ser exterior e se manifestar em gestos, palavras e ações, a pureza é algo interior. As más intenções vêm de dentro, ensinou Jesus. As boas também.
Por isso, quero explicar a pureza de Maria e um pouco da nossa, se assim o desejamos, com a sexta bem-aventurança que Jesus proclamou: “Bem-aventurados os puros no coração, pois eles verão a Deus” (Mt 5,8). As bem-aventuranças na sua plenitude podem ser entendidas como promessas para o futuro, mas seriam pouco interessantes se não nos trouxessem alegria e consolação desde já, neste mundo, quando já podem ser vividas como virtudes, busca e desejo. Até os apóstolos pediram para “ver” o Pai, mas Jesus respondeu de olhar para ele. Nos que têm fome, podemos ver vagabundos e acomodados ou irmãos necessitados.
Ou seja, podemos ou não reconhecer Jesus. Somente os puros no coração veem coisas diferentes, veem a presença e o amor de Deus, onde outros enxergam só fraquezas humanas ou mesmo culpa e castigo. Até no n osso olhar para a natureza, ao nosso redor, podemos ver lucro, ganho e faturamento ou, se formos só um pouquinho “puros no coração” veremos a presença amorosa de Deus criador.
Maria ficou perturbada, perguntou, questionou, quis entender o que estava acontecendo. No fim, porém, confiou porque compreendeu que, através da sua humilde colaboração, podia realizar-se o projeto de Deus, tão grande e tão misterioso. Ela não podia saber tudo o que iria acontecer depois, mas na sua pureza de coração “viu” a presença de Deus em sua vida: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” (Lc 1,28). Este “ver” puro foi suficiente para o sim dela. Deus está muito mais perto de nós do que pensamos, sobretudo quando sofremos e choramos. Tem muitos nomes e rostos. Todo dia bate à porta do nosso coração. Cabe a cada um de nós limpar o nosso próprio olhar e saber reconhecê-lo. Se temos dúvidas podemos perguntar: és tu Senhor? Se não for, irá embora. Mas se for, vamos acolhê-lo como Maria.

A última folha
A mulher estava muito doente. Só estava aguardando a hora da despedida. Pela janela, via algumas árvores. O outono avançava e as folhas caíam. A mulher pensava: “Quando cair a última folha, eu também irei embora. Falta pouco”. O marido passava com ela quase o dia inteiro, tentava distraí-la e encorajá-la, mas nada a tirava da sua tristeza e conformação. Uma noite teve uma violenta tempestade. A chuva e o vento forte varreram a cidade toda. Ao amanhecer, a mulher pensou que nesse momento, que não tinha mais folhas nas árvores, ela também iria embora. No entanto olhou bem e viu que uma folha tinha ficado. Tinha resistido contra todas as forças da natureza. No coração da mulher voltou a esperança. Começou a melhorar e em poucos meses estava curada. Quando os médicos lhe deram alta e ela voltou para casa, soube que o marido tinha pint ado aquela folha no vidro da janela.
Neste domingo, iniciaremos o tempo do Advento e com ele um novo ano litúrgico. Será um caminho que nos conduzirá ao Natal de Jesus. Podemos viver esses dias como algo já conhecido: um roteiro feito de compras, troca de presentes, algumas boas ações, muitos votos de felicidade e sorte. Talvez alguma emoção, se ficarmos bem com a nossa família. No entanto o evangelho deste Primeiro Domingo nos fala de surpresa. Como o dilúvio que surpreendeu quem não estava preparado. Como o ladrão que arromba a casa de quem deixou de vigiá-la. Os afazeres ordinários de alguns, no campo e no moinho, serão interrompidos. O convite é ficar atentos e preparados para reconhecer a vinda do Filho do Homem na vida comum, no dia a dia. É um alerta, sim, mas não para ter medo, é para não perder a oportunidade.
O evangelho deste domingo não é uma ameaça para nos amedrontar. É uma solicitação para acolher aquele que sempre vem e sempre pede para entrar em nossa vida: Jesus. Quem disse que a surpresa é de algo pior? E se fosse algo novo e melhor? Após o dilúvio, Deus fez uma aliança com Noé e com a natureza toda. Não sabemos se é melhor ficar no campo e no moinho ou ser levados. E se aquele homem e aquela mulher fossem levados para algo melhor? Deus Pai não enviou o seu Filho para afugentar dele a humanidade, mas para torná-la mais próxima. Esse é o sentido da salvação cristã: a surpresa de um encontro amoroso e agradável com Deus.
Vivemos momentos difíceis, de incerteza e de dúvidas. Quando alguém não sabe para onde ir, acaba ficando parado onde está ou escolhe um rumo diferente, de qualquer jeito. Assim vivemos divididos entre segurar àquilo que, pensamos, sempre foi feito ou a obsessão de uma criatividade que rejeita tudo, ou quase, daquilo que nos foi transmitido pelas gerações anteriores. Certo tradicionalismo não admite a mudança de situações e pessoas, como se fosse possível congelar a realidade da história. Do outro lado, a busca daquilo que se apresenta como “inédito”, novo e emocionante, nos faz rejeitar muito daquilo que nos parece repetitivo. O Natal é coisa nova ou velha? O Menino Jesus é novo ou nasce já careta, fora de moda? O velho e o novo dependem de nós. Somente se ficarmos atentos e preparados podemos aprender com o caminho andado e nos deixar iluminar pelo novo que aparece. Talvez o Menino Deus dos cristãos não seja tão surpreendente, porque ainda não o conhecemos como mereceria. Talvez seja velho o nosso entendimento sobre ele, porque o transformamos numa imagem do presépio, se já não o trocamos com o “velho” Papai Noel. Mas se o Menino Deus é o Amor que se faz carne, a “imagem do Deus invisível” (Cl 1,15) nunca vai ter surpresa maior, nunca mais vai ter novidade melhor. A tempestade da propaganda, das disputas humanas, políticas e até religiosas, varre muitas coisas: projetos, sonhos e sentimentos. Temos a impressão de ter já visto de tudo. Não ficou nem uma folha? Não, alguém sempre novo existe. Se uma folha pintada numa janela salvou uma vida, quanto mais a vinda do Filho do Homem. Temos que ficar vigiando sempre para não perder a esperança.

A pesquisa
Numa grande cidade, entre os moradores de um condomínio de 20 andares, foi espalhado um questionário com muitas perguntas. Devia servir para a prevenção de assaltos e roubos. A primeira pergunta era muito simples:
– Se o senhor ou a senhora ouvisse tocar a campainha do interfone da sua casa no meio da noite, o que faria? Todos responderam a mesma coisa:
– Me levantaria de má vontade e perguntaria: “Quem é?”.
– E se a voz respondesse: “Sou Jesus. Abra-me a porta, por favor”. O que diria o senhor ou a senhora? A resposta foi unânime:
– Não me amole, vá embora palhaço!
Evidentemente todos os moradores daquele palácio estavam convencidos de que aquela situação só podia ser uma brincadeira de mau gosto ou um truque para enganar as pessoas. Jesus nunca faria isso. No entanto se pensarmos na nossa verdadeira casa, no nosso coração, Jesus bate muitas vezes (Ap 3,20), a qualquer hora, e nos pede para deix&aacu te;-lo entrar. Se abrir, algo novo e inusitado acontecerá: a mesa da nossa casa-coração será a mesa do “reino” com Jesus tomando “refeição” conosco, amorosamente. É bom que paremos para nos perguntar: o que quer dizer deixar entrar Jesus em nossa vida?
Talvez este seja o maior sentido da festa de Cristo Rei, que celebramos neste domingo. Uma festa, nada triunfal. O evangelho de Lucas nos apresenta Jesus no “trono” da cruz. A coroa é de espinhos (Mc15,17). Os zombadores o chamam de “rei”. Está escrito no letreiro. No diálogo com o ladrão, porém, fala-se de “reino&rd quo;, algo que está prestes a acontecer – o hoje – e que é maravilhoso, é o “Paraíso”. Jesus faz uma grande promessa a quem o havia chamado pelo nome, que quer dizer “Deus salva”, e o tinha reconhecido diferente deles condenados pelos crimes cometidos. Ele era inocente, “não fez nada de mal”. Como é o “reino” de Jesus? Não é um lugar, mas uma situação de vida e, portanto, sem limites de tempo e de espaço. Uma meta, também, a ser alcançada por aqueles e aquelas que procuram praticar a única “lei” que nunca, ninguém poderá mudar, se queremos continuar a ser “humanos”, imagens do Deus vivo e verdadeiro: a lei do amor. Essa “lei”, é tão nova e revolucionária que os primeiros serão os últimos; quem quer ser grande deve tornar-se pequen o; quem quer ser o maior deve servir a todos; quem quer salvar a sua vida vai perde-la e quem quer juntar tesouros imperecíveis deve vender tudo e doá-los aos pobres. Tudo isso porque ele, Jesus, o Filho do Homem, “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate para muitos (Mc 10,45).
A festa de Cristo Rei é a festa de um “reino” que começa como a menor semente, mas vai crescer; desaparece como o fermento misturado com a farinha de trigo; é uma rede lançada ao mar que apanha peixes bons e peixes ruins; um campo onde crescem o trigo e o joio até a separação no fim dos tempos. O “reino de Jesus, evidentemente, não tem nada a ver com as nossas ambições de glória e poder, de sucesso e riquezas neste mundo, vai muito além disso, porque é “um reino eterno e universal: reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça, do amor e da paz” (Prefácio de Cristo Rei). Esse “reino” não vai mudar nunca. Mudaria só se mudasse Nosso Senhor Jesus Cristo, morto e ressuscitado! Quem deve mudar de cabeça e sentimentos somos nós. Nós deveríamos desejar fazer parte do “reino” de Jesus, para estar com ele no “Paraíso”. O caminho para chegar é apertado e a porta para entrar é estreita (Mt 7,13-14). Precisa de conversão, mas não tem exclusões ou privilégios. Na festa do “reino”, tem lugar para pobre, aleijados, cegos e coxos (Lc 14,21), sof redores, ovelhas perdidas, filhos que já gastaram a sua parte da herança e filhos que devem ainda aprender a perdoar seus irmãos. No reino entrarão homens e mulheres que, mesmo sem saber que era Jesus, repartiram o pão com os famintos, deram água a quem estava com sede, visitaram e consolaram presos e doentes. Deram casa a quem estava ao relento, trabalho a quem mendigava, esperança a quem não queria mais viver. Onde está este “reino”? – No meio de vós – respondeu Jesus (Lc 17,21). Está em todo coração aberto para amar.