Dom Pedro Conti

O rei e o astrólogo

Conta-se que Luiz XI, rei da França, consultava os astrólogos. No entanto achava que o astrólogo da Corte o estava enganando e, por isso, estava disposto a condená-lo à morte. Mandou chamar esse astrólogo e disse-lhe:

– Vou lhe pedir uma previsão, e, caso você erre, será condenado à morte. Me diga: quando vai morrer? O astrólogo pensou bem antes de responder ao rei e depois disse:

– Três dias antes de Vossa Majestade. Na dúvida, de a previsão estar certa, ou não, o rei não matou o astrólogo.
Conhecer o futuro sempre foi e, talvez, será o desejo, a ilusão e o engano de muitas pessoas. Certas previsões deram certo, porque o que se esperava que acontecesse se realizou, mesmo, mas a grande maioria do que, segundo as previsões, devia acontecer foi esquecida, atropelada por outros eventos. Igualmente sempre haverá pessoas que gostam de arriscar fazendo apostas sobre o futuro desconhecido. Apostam nos sorteios das loterias, nas corridas de cavalos, nos jogos de futebol e do bicho. Às vezes ganham, mas, muitas mais vezes, a sorte passa bem longe delas.

No projeto de Deus, as previsões não servem, porque não se trata de adivinhar o que vai acontecer. Não sabemos nem o dia e nem a hora daquela que chamamos “a volta do Senhor” (Mc 13,32). O que serve é trabalhar para que o Reino se torne realidade e a esperança nunca deixe de nos apontar o caminho. A página do evangelho deste domingo, o penúltimo do ano litúrgico, nos traz essa reflexão. Inicia-se com palavras que envolvem as estrelas do céu caindo, mas depois tudo vira primavera, a estação que precede o verão. Após a temporada das folhas verdes, chegará o tempo dos frutos, o t empo da colheita. Só aguardar e saber reconhecer os sinais do novo que virá. A breve parábola da figueira está cheia de esperança e de fé. A natureza fará o seu curso e a alegria final não faltará. O tempo da história humana ainda não é o tempo da plena realização do Reino: precisa exercer a paciência da espera e o engajamento nessa obra de Deus.

Outro detalhe da página do evangelho deste domingo é a “tribulação” que é dita “grande”, espantosa. Ao contrário, os sinais de esperança são as pequenas folhas que começam a brotar. Com isso, fica mais fácil ser profetas de desventuras. Interpretamos, assim, os desastres que acontecem na própria natureza e anunciamos que o fim do mundo está próximo. Deveríamos ser testemunhas confiantes da paz e da justiça amorosa do Pai. Com efeito, como sempre, os sinais de bondade são pequenos, não chamam atenção e acontecem no silêncio e no anonimato do cotidiano, mas é justamente através deles que o mundo está mudando, a partir de lá, de baixo, e não de cima. Somos fascinados por coisas grandes, acontecimentos mirabolantes, eventos faraônicos. Mas o Reino, ensinou Jesus, é como a semente que ainda está escondida, ou como o fermento que desaparece para que toda a massa fique fermentada. Na realidade “o Filho do homem está próximo, às portas”, todas as vezes que algum gesto de amor é praticado. Porque é ele, o próprio Jesus, o “próximo” que ajudamos. É aquele que estava com fome, com sede, que estava sem roupa, sem casa, estava doente ou preso. São as pequenas obras de misericórdia, os pequenos atos de perdão, os “brotos” verdadeiros do Reino. Não basta, porém, cumprir gestos e obras exteriores, precisa “interiorizar” o Reino do am or, da justiça e da paz. Será o nosso coração amoroso que limpará o nosso olhar e nos fará enxergar os pequenos sinais do Reino. Igualmente, aprenderemos a exultar pelos pequenos passos dados, por nós, pelos irmãos e irmãs das nossas comunidades, pelas pequenas conquistas e libertações que acontecem nas pessoas e na história. Jesus ficou feliz, no Espírito Santo, porque o Pai revelou as coisas do Reino aos pequeninos e não aos sábios e entendidos (Lc 10,21). Para quem tem fé, o Reino, o novo da Páscoa, aos poucos, já está acontecendo. Não é uma aposta, é certeza. Não é revelação privilegiada, sonho ou adivinhação. É palavra do Senhor, palavra que não passará.

A caridade

Certa dama muito rica desejava praticar a caridade de forma ampla e eficiente. Depois de refletir alguns dias, resolveu aconselhar-se com um amigo que considerava sábio e de bom coração.

– Tudo bem – disse o amigo – porém há uma caridade de primeiro grau, a que todos somos obrigados. Consiste em evitar que o próximo padeça por nossa culpa. A simplicidade e a sobriedade devem ser praticadas, porque diminuem a dor da espécie humana…. Enquanto a vaidade, a ostentação e o luxo a aumentam muito. Assim não se pode esquecer de que a legítima caridade começa pelos que estão mais próximos, entre os quais os mais humildes trabalhadores. Realizado tudo isso, se ainda mais for possível, iniciará outra caridade ainda maior.

A rica senhora escutou tudo e depois disse:

– Solicitei sua opinião sobre a melhor forma de empregar o meu dinheiro em obras de beneficência. Não pedi conselho sobre a minha vida.

– Acreditei – retomou o amigo – que se tratasse de vossa caridade, de vosso amor aos que sofrem. Vejo, porém, que toda a vossa dúvida está em como deveis empregar vosso dinheiro. Em tal caso, entendo que deveis consultar um homem de negócios. A essas palavras a madame resolveu pensar melhor.

Nos evangelhos sinóticos encontramos, muitas vezes, grandes ensinamentos de Jesus colocados dentro de um acontecimento aparentemente simples e comum. No entanto, o olhar de Jesus é diferente e sabe captar algo que passa despercebido aos demais. O evangelho de Marcos, deste domingo, é conhecido como aquele do “óbolo da viúva”. Tudo acontece no lugar mais sagrado para os judeus. O templo tinha o seu tesouro, fruto dos dízimos e das contribuições dos fiéis. Os devotos depositavam as ofertas no cofre. Evidentemente alguns ricos colocavam bastante dinheiro. Isso demorava e chamava a atenção. O doador esbanjava humildade, mas, no fundo, sabi a que estava sendo olhado pelos demais com admiração e talvez com inveja. Ao contrário, os pobres depositavam pouco e, obviamente, passavam despercebidos. Não foi o que aconteceu, porém, com a pobre viúva, talvez reconhecível pelo traje e pela atitude recatada. “Duas pequenas moedas, que não valiam quase nada” foi a oferta da mulher. Jesus viu e não perdeu a oportunidade de afirmar categoricamente que era ela, afinal, quem tinha doado mais do que todos os outros, pela simples razão de ter dado “tudo o que possuía” e não só o que lhe sobrava.

Para Jesus, a generosidade não se deve medir pelo tamanho da doação, mas por aquilo que custa de sacrifício e desprendimento. Como sempre, para os ricos, o muito não faz falta nenhuma, mas para o pobre o pouco é indispensável. Ter o coração e a capacidade de doar o necessário ao seu próprio sustento é sinal de suprema caridade.

Em época de noticiários onde bilhões e bilhões de dinheiro são badalados, porque gastos, desviados, perdidos, sem saber como ou devidos sem saber o porquê, vale ainda a pena falar das duas moedinhas da viúva? Na realidade, o exemplo dela é de uma atualidade espantosa. Primeiro, para aprender a avaliar a nossa própria generosidade não pela quantidade da oferta, que nos faria sentir orgulhosos, mas pela capacidade de desprender-nos daquilo que estamos doando. Quando queremos reconhecimento, gratidão ou uma placa com o nosso nome, dá para duvidar sobre o verdadeiro interesse da doação. A segunda consideração diz a re speito aos pobres. De onde vêm os bilhões dos ricos ou administrados pelos poderes públicos? Vêm da produção, do trabalho e dos impostos de milhões de pequenos contribuintes. Hoje existem capitais “virtuais”, digitais, que migram via internet de uma bolsa valores para outra, mas a riqueza real, aquela do dia a dia, tem rosto. Ainda é feita de milhões de pequenas moedas, é feita dos salários “mínimos” dos que sofrem para chegar ao final do mês. É feita de aposentadorias de idosos que mantêm a escola dos netos; de pobres fazendo coletas para uma cirurgia de alguém ainda mais pobre do que eles. Essa é a “economia” da caridade. A que vale aos olhos de quem sabe ver com o olhar do coração de Jesus. Não precisa de internet, basta o amor

O cientista e o jovem

Um jovem estudante francês chamado Frederico Ozanam, passeando uma noite pelas ruas de Paris, entrou por acaso numa igreja. Não era incrédulo e nem fervoroso. Dentro da igreja viu um homem ajoelhado rezando. Por curiosidade, aproximou-se dele e ficou espantado ao reconhecê-lo: “É o professor Ampére!”, pensou. André Marie Ampére era realmente, naqueles tempos, o maior gênio da Escola Politécnica de Paris. Era o descobridor da eletricidade dinâmica e das leis básica do eletromagnetismo, que h oje chamamos de Equações de Maxwell. “Se um homem notável como este, um dos maiores cientistas do mundo, não se sente diminuído ou envergonhado ao demostrar a grandeza da sua fé, não vejo mais motivo algum para conservar o meu espírito envenenado pelo respeito humano!”, disse consigo mesmo o estudante Ozanam. Anos depois, foi Ozanam quem fundou, com um grupo de amigos universitários da Sorbonne, a grande sociedade de São Vicente de Paulo, conhecidos como Vicentinos.

 

Com essa anedota, por ocasião da solenidade de Todos os Santos e Santas, quero lembrar que a santidade é um chamado para todos os batizados. Manter viva a memória de cristãos leigos e leigas, “santos e santas”, na ajuda a fortalecer o nosso empenho a sermos, cada vez mais, corajosos com o compromisso da nossa fé, assumido no dia do nosso batismo.

 

Muitas vezes nos perguntamos se talvez não fosse mais fácil vivenciar a fé nos tempos passados, quando a sociedade toda parecia ser mais visivelmente cristã. Talvez alguns costumes ajudavam a cumprir as práticas religiosas, mas isso não significava que a luta do bem contra o mal fosse mais leve e vitoriosa. No campo do mundo (Mt 13,38), ou seja, na história da humanidade, sempre crescem juntos o joio e o trigo. Aos cristãos não cabe arrancar o joio, mas ser o bom terreno que acolhe a semente da Palavra e produz “ cem, sessenta, trinta por um” (Mt 13,8). Cada época tem as suas dificuldades e incertezas, mas também nunca faltou, e nem faltará, a presença misteriosa do Divino Espírito Santo, que age livremente dentro e fora da Igreja. Foi o que Jesus disse a Nicodemos, fazendo uma comparação entre o Espírito e o vento: “O vento sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem e para onde vai” (Jo 3,8). Nos nossos dias, por exemplo, a grande oferta de experiências religiosas, nas mais variadas denominações com relativa propaganda e proselitismos, pode confundir os católicos, mas, de outro lado, obriga-nos a exercer a nossa liberdade de escolha e de engajamento.

 

Refletindo bem, a verdadeira santidade nunca foi, ou será, somente uma questão de costume, banal e repetitivo, porque nunca ninguém foi obrigado a ser santo ou santa. Sempre foi, e será, uma decisão pessoal, uma resposta consciente, livre e generosa. Isso não quer dizer que a santidade seja privilégio de poucos. Não, ela é um chamado para todos, mas o cristão comprometido com a sua fé receberá críticas, encontrará desafios para acertar o caminho, poderá ganhar desonra, zombaria e martírio. Nada de novo para quem não se deixa atrair pelas modas, as conveniências, as telenovelas e os shows em templos lotados com pregações cheias de promessas ou ameaças retumbantes. Também os possíveis escândalos dentro da nossa Igreja não devem nos surpreender demais. Quando deixamos de vigiar sobre nós mesmos e sobre os nossos irmãos, por caridade fraterna, todos podemos vacilar e cair. A santidade sempre foi, e será, muito mais feita de humildade, silêncio, caridade sem tocar os sinos, amor dispensado por gratuidade. Santidade combina mais com sacrifício e doação da própria vida que com o sucesso humano, construções grandiosas e fama mundial. Se a Igreja aponta alguns irmãos e irmãs como santos e santas é para nos ajudar com os seus bons exemplos. A santidade é possível, sim. Mas o reconheciment o e a recompensa sempre serão prerrogativa do Pai. Esta será a pergunta dos justos: “Quando foi Senhor?” (Mt 25,37ss). Eles amaram sem tantas preocupações porque o que vale mesmo na vida é o amor. Foram santos e santas!

O peixe da enxurrada

Era uma vez um peixe que vivia muito bem num tanque de uma reserva florestal. Um dia, depois de uma grande chuva, outro peixe apareceu, trazido pela enxurrada. Começou uma amizade entre os dois. O peixe forasteiro falava do lugar de onde veio com muito entusiasmo e afirmava ser muito maior e mais bonito do que aquele tanque. Já o peixe anfitrião não acreditava nas palavras do hóspede e sustentava ser aquele lugar o melhor do mundo.

– Um dia, quando chover bastante, eu voltarei para a minha casa e poderei levá-lo para conhecer o rio onde eu moro – dizia o peixe visitante. O peixe do tanque respondia:

– Eu irei com você apenas para conhecer a sua casa e ver se realmente ela é grande do jeito que você conta. O tempo da chuva voltou e uma nova enxurrada levou para longe os dois peixes. Ao ver tanta água, o peixe que vivia no tanque custou a acreditar que não era um sonho.

– Só acredito porque os meus olhos estão vendo – falou o peixe da reserva florestal – realmente este lugar é bem maior do que aquele em que eu fui criado. A partir daí, a amizade entre eles se fortaleceu e onde um estava podia-se ver também o outro.

Depois dos questionamentos dos adversários, das dúvidas e ambições dos discípulos, o evangelista Marcos nos apresenta a cura do cego Bartimeu. Jesus sai de Jericó e caminha rumo a Jerusalém onde acabará crucificado. A multidão que o segue pode nos enganar. Parece uma marcha triunfal, mas na hora da decisão bem poucos ficarão com o Mestre da Galileia. Falta muito, ainda, para eles acreditarem, de verdade, em Jesus. O que estão vendo é muito bonito, são os sinais de uma humanidade curada das doenças, mas sobretudo liberta das disputas pelo poder, das amarras de uma Lei que sufocava pelo peso dos preceito s e o medo da impureza. No entanto, ainda falta entender e acolher a lição de amor que Jesus dará a todos na cruz. Falta acreditar que a sua vida doada para nos resgatar a todos do pecado e da morte nos fará voltar à vida plena, a vida de filhos e filhas de Deus Pai. Os discípulos ainda enxergam pouco, conseguem ver só de perto, estão acomodados nos seus projetos pessoais ou de grupo. Precisará o escândalo e a vergonha da cruz, a luz da ressurreição e a iluminação do Espírito Santo para acreditar no amor sem limites do Pai, que Jesus veio nos revelar.

Todos precisamos sempre ser curados das nossas cegueiras para poder acreditar e confiar no Senhor. Por isso, o evangelista Marcos coloca, aqui, a cura do cego de Jericó. Em síntese, nos é apresentada a sucessão de ações que todo discípulo deve fazer se quer caminhar com a luz da fé. O cego tem nome, porque a relação com Jesus é pessoal. Ele ainda está à beira do caminho, mas grita por socorro. Não se cala, porque não se conforma com a sua situação. Ao ser chamado, pula sem incertezas. Quando é perguntado sobre o que ele quer responde decididamente: “Mestre, que eu veja!&rdquo ;. Logo os seus olhos se abrem e, agora, com a luz da fé, pode seguir Jesus pelo caminho. Ainda vão acontecer os fatos da paixão e da morte de Jesus; a fé dos discípulos será duramente provada, mas a primeira decisão de cada cristão já foi tomada: basta de cegueira, quero ver, quero crer, quero seguir a Jesus. Ele não nega a luz da fé e do amor a quem a busca com firmeza, alegria e esperança. Ele tem compaixão de nós e vem em nosso socorro.

Somos em muitos a continuar incrédulos e indecisos. Todos fazemos a experiência da “penumbra da fé” neste mundo. Temos medo ou vergonha de dizer que duvidamos. Sempre tem alguém que nos manda calar, quando gritamos por mais testemunho e exemplo. A fé cristã é pessoal, mas é também solidária. Cremos juntos, como irmãos e amigos. Todos recebemos ajuda e podemos ajudar outros. Os pais ensinam os filhos; os jovens partilham com outros jovens. A compreensão e a vivência da fé acontecem na comunidade que experimenta e celebra aquilo que acredita. Graças a Deus, sempre tem alguém que nos ajud a a enxergar mais longe, a sair do conforto do tanque onde pensamos acabe o mundo e o sentido da existência humana. Bendita a enxurrada da fé!

Os pombos e a rede

Um grupo de pombos, ainda muito jovens e inexperientes, saiu a voar sob o comando de um velho pombo sábio e experiente. Em dado momento, o grupo avistou lá do alto algo que parecia com uma grande quantidade de grãos de milho espalhados no chão. Cansados e famintos, os jovens pombos não se contiveram e para nada serviram os gritos do velho pombo pedindo que não fizessem aquilo. Eles desceram até o milho e acabaram presos em uma rede preparada para apanhar aves. Ficaram presos pelos pés e apes ar de se debaterem, desesperadamente, ninguém conseguia mais levantar o voo.

Naquela confusão, eles ficavam cada vez mais presos entres as malhas da rede. Finalmente, o velho pombo conseguiu ser escutado e disse: “Só tem um jeito de vocês saírem desta rede; todos terão que levantar voo ao mesmo tempo, juntos, alçando a rede no ar”. Então, o grupo dos jovens pombos assim o fez; levantaram o voo juntos e a rede subiu com eles, mantendo-se no ar com grande esforço de cada um. Até que um dado momento a rede foi se soltando dos pés dos pombos e caiu por terra. Estavam livres novamente.

Um simples exemplo de solidariedade, de conjunto, em lugar de tantas disputas individuais. Pelo jeito, o assunto do poder e do desejo de ocupar os primeiros lugares devia ser muito atual na comunidade para a qual Marcos escreveu o seu evangelho. Já encontramos isso, alguns domingos atrás, quando os apóstolos discutiam entre si quem era o maior. Se depois lembramos que este evangelho foi escrito, provavelmente, para os cristãos da comunidade de Roma, a capital do império, entendemos, ainda melhor, o calor da disc ussão.

O poder sempre fascina, atrai, faz sonhar e entorpece as consciências. Tiago e João, dois discípulos da primeira hora, não tiveram escrúpulos a se declarar prontos até a morrer para sentar à direita e à esquerda de Jesus, quando chegasse a hora da sua vitória gloriosa. Eles e os demais estavam, ainda, muito longe de ter entendido qual seria a “glória” de Jesus, qual o seu trono e a sua coroa. Não conseguiam imaginar um “Cristo” Messias crucificado e coroado de espinhos. Um dia, poderão dar a suas vidas por causa de Jesus e do Evangelho, mas então já não será tão importante ocupar os primeiros lugares, porque os valores do Reino de Deus serão bem outros que aqueles dos impérios humanos.

Depois desses esclarecimentos, Jesus aproveitou para falar abertamente dos poderosos deste mundo que oprimem e tiranizam. En tre os seus discípulos, porém, deve ser exatamente o contrário: “Quem quer ser grande seja o vosso servo; e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos” (Mc 10,43-44). A motivação deste “serviço” tão radical é a própria pessoa de Jesus porque ele, o Filho do homem, pagará com a sua vida o resgate da libertação da humanidade do pecado e da morte.

A busca do poder leva à exploração e à morte dos outros, o caminho do amor leva ao dom da própria vida em favor de quem é amado. A sede do poder bebe do sangue dos outros. A “sede” de Jesus na cruz é a sede de amor, que doa a si mesmo para a vida dos irmãos. Depois de tantos anos de fé cristã, nós ainda continuamos pensando que riqueza, sucesso e poder humano sejam todos sinais de bênção e apoio de Deus. Mas não foi bem isso que Jes us ensinou. Na história de ontem, talvez, contava ainda o poder das armas; hoje, sabemos que o poder do dinheiro fala mais alto e decide da vida ou da morte de populações pobres de países inteiros. O anseio pelo poder gera disputas sem fim e aos poderosos do momento, sucedem outros, mas bem pouco muda para quem nunca tem acesso aos bens que Papa Francisco considera fundamentais para uma vida digna de ser chamada humana: o teto, a terra e o trabalho. Todos nós podemos cair na rede traiçoeira do individualismo, do consumo, da autossuficiência, de nos achar melhores dos demais. O caminho da libertação só começa com a transformação do egoísmo em solidariedade e fraternidade. A força e a alegria do amor, da comunhão e do serviço generoso, são maiores de todas as euforias pagas pelo poder. Porque não é propaganda. É sabedoria, é e vangelho.

Deixar para encontrar

Chegamos ao domingo do Círio. Estamos em festa e olhamos, alegres, à Maria, a jovem de Nazaré, a mulher do sim, a mãe de Jesus e, pelas palavras dele, também nossa mãe. A pequena imagem que levamos em procissão nos permite manifestar abertamente nosso afeto e gratidão. Sentimo-nos amparados como crianças no colo da mãe.

O evangelho de Marcos, deste domingo, fala-nos de uma pessoa que correu ao encontro de Jesus para lhe perguntar o que devia fazer para “ganhar” a vida eterna. Por causa da corrida, somos levados a pensar que fosse um jovem. Com o avanço da idade as pernas ficam mais pesadas e o fôlego mais curto. Além disso, a juventude é o tempo oportuno para as grandes decisões da vida. A cabeça dos jovens ferve de sonhos, projetos, ambições e esperanças. Todo jovem, sente que, agora, &eacut e; a sua vez de ocupar espaços e lugares e, assim, busca, ansiosamente, a possibilidade de manifestar aos demais as suas capacidades. A moça ou o rapaz, que persegue com determinação os seus objetivos, nos estudos e na profissão, faz a alegria e o orgulho dos seus pais. O jovem do evangelho era um desses, bem sucedido, bem colocado, uma pessoa de bem e de… “bens”. Materialmente falando, não carecia de nada. No entanto, sentia que àquela vida, sossegada e segura, talvez, invejada por todos, faltava alguma coisa. Tinha entendido que a sorte grande, o ter nascido num berço de ouro, não era para sempre. O dinheiro não comprava a vida eterna. Queria ter a garantia do bom e do melhor também no outro mundo. Acostumado a negociar, pensava que a vida eterna também tivesse o seu preço. Estava disposto a pagar, bastava que Jesus lhe falasse o quanto.

Estava enganado. A vida eterna não tem preço, porque não se compra e nem se vende. É um dom do Pai para os seus filhos, uma herança que o Pai entrega aos seus filhos com todo o coração e com toda a alegria. Ou, se preferem, um “direito” para os verdadeiros filhos e filhas dele, ou seja, para aqueles e aquelas que, nas suas vidas, tornaram reconhecíveis os traços amorosos do Pai de todos e, em especial, dos pobres e pequenos. De fato, quem sabe amar e servir, quem sabe fazer d a sua vida um dom para quem o encontrar se assemelha a Deus, já participa da vida plena, da vida divina, porque Deus é amor doação, não é um conjunto de normas a serem observadas ou um mercador de felicidade. O evangelista Marcos faz questão de salientar que Jesus olhou para aquele jovem “com amor” e lhe fez a única proposta possível para libertá-lo da prisão do egoísmo no qual os bens materiais o mantinham fechado. O chamou para segui-lo, leve e liberto, pronto para amar os não amados, os excluídos, os esquecidos, os sem nada. O jovem, porém, preferiu a felicidade triste dos bens visíveis ao desafio da felicidade plena garantida pelo Deus da fé e da esperança, amor sem limites, capaz de oferecer o único tesouro que os ladrões não podem roubar e a traça não consume.

Os jovens de hoje continuam sonhadores e cheios de projetos para o futuro, como sempre. Não podem desistir de planejar um mundo mais justo e fraterno, um mundo de paz, de vida feliz e segura, de saúde, água e ar limpos, um planeta verde e azul, sempre fascinante e encantador. É nessas questões que começa a missão e a responsabilidade dos mais velhos. Quantos adultos – pais e avôs – gastaram as suas vidas para juntar casas, campos, negócios, contas nos bancos e, assim, ensinaram aos seus f ilhos e netos que a vida verdadeira está somente aqui e que o resto, fé e utopia, é crendice e perda de tempo. A evangelização da juventude começa com a vivência do Evangelho por parte dos seus pais, pela educação e a experiência prática da solidariedade e da partilha. Quem não quer deixar nada e quer agarrar tudo, no final ficará de mãos e coração vazios. Não terá amado nem a Deus e nem ao próximo. Terá as feições do “príncipe deste mundo” e não do Pai de Jesus, aquele Pai que acolhe sempre de volta o filho errado e arrependido. Precisamos deixar o que vale menos para encontrar o que vale muito mais. A jovem Maria acreditou, ficou “cheia de graça”, foi feliz e bendita.

Ouça bem os sinos

Uma moça queria casar a todo e qualquer custo. Arranjou um namorado que não convinha e seus pais não queriam o relacionamento. A moça foi conversar com o padre, seu orientador:

– Padre, eu tenho que casar, arranjei um namorado, mas os meus pais não querem o namoro, mas eu tenho que casar, estou convencida que vai dar tudo certo. Ela insistiu tanto que o padre não sabia mais o que dizer. Naquele momento, os sinos da igreja tocaram e a moça logo falou:

– O senhor está ouvindo, até os sinos estão dizendo: “Tem que casar, tem que casar”… Perante tantas “certezas”, o que mais podia fazer o pobre padre? A moça foi embora e casou com o rapaz. Depois de um ano, ela voltou a procurar o mesmo padre, na mesma igreja, e desabafou:

– Padre, não aguento mais o meu casamento; meu marido é uma desgraça, estou desesperada, o que eu faço? Naquele momento, os sinos da igreja tocaram novamente e o padre falou:

– Agora quem vai interpretar as badaladas dos sinos sou eu; ouça bem o que eles estão dizendo: “Tem que aguentar, tem que aguentar”…

O assunto do evangelho de Marcos, deste domingo, é o questionamento dos fariseus sobre a licitude do divórcio. Uma questão muito discutida que lhes dava a possibilidade de pegar Jesus em contradição com a “Lei”. Não buscavam um ensinamento, mas algum deslize por parte dele. No entanto, na sua resposta, Jesus não discute a Lei de Moisés e a permissão dada por ele de se divorciar. Jesus vai direto ao “começo” e apresenta o primeiro casal da criação como o modelo a ser seguido. O homem e a mulher, com todas as suas diversidades, formam uma só carne. “O que Deus uniu, o homem não separe”. Signif ica que esse era – e continua sendo – o projeto de Deus e ele mesmo é quem garante da união dos dois. A comunhão entre eles é um dom do Pai aos seus filhos e filhas e não somente fruto da vontade deles. As características de unicidade e fidelidade do matrimônio são chamadas a ser o sinal humano da unidade e da fidelidade do próprio Deus. Com efeito, nele não há divisão ou desvio das suas palavras e promessas. O Deus que Jesus veio nos fazer conhecer continua sendo o “Deus fiel” do Antigo Testamento, capaz de manter as suas promessas e de enviar e entregar o seu próprio Filho para resgatar a humanidade do pecado e da morte. Deus nunca deixou de amar o seu povo, também se este o trocou com os ídolos estrangeiros. Isso por que Deus ama até o fim (Jo 13,1)! Além disso, Jesus nos fez conhecer um Deus “unitrino”; ou seja, um Deus &uacu te;nico, mas também comunhão perfeita de amor entre três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

A grande questão é saber se é possível para nós, pobres seres humanos, limitados e pecadores, realizar uma união e uma fidelidade tão grandes que, ao menos de longe, sejam um sinal da comunhão e do amor perfeito e fiel do próprio Deus. São Paulo, na carta aos Efésios, falando do amor matrimonial, dos maridos que devem amar as suas esposas como Cristo amou a Igreja, no final diz que “este mistério é grande” (Ef 5,32).

Atualizando a nossa conversa para os dias de hoje, existem muitas opiniões a respeito do matrimônio. Os cristãos fazem parte da sociedade moderna com todas as suas conquistas e contradições, mas devem saber olhar e acreditar além daquilo que é considerado o pensamento comum, da moda ou da maioria. Muito se fala da família e pouco do casal como fundamento dela. A tão badalada “crise” da família ou dos seus modelos, começa lá onde a família se alicerça: no casal, que decide iniciar a aventura do amor conjugal. Papa Francisco já disse isso muitas vezes e de muitas maneiras: se, desde o início, o casal n&a tilde;o acredita na força duradoura do amor, é sinal que não é amor verdadeiro. Se o casal não coloca na conta do seu matrimônio a doação e a gratuidade reciproca, o perdão e a fidelidade à palavra dada, as chances que a união dê certo ficam muito reduzidas. À primeira dificuldade, ao primeiro desencanto, tudo desmorona. Os sinos badalando, podem dizer: “Tem que aguentar”. Mas podem também lembrar o amor fiel e dizer: “Acredite”, “Acredite”, porque nada é impossível para Deus.

Os remendos de Carlinhos

O rei Cômodos era muito generoso, leal e valente. No entanto, tinha um defeito: a vaidade. Certo dia, ele mandou chamar Carlinhos, o poeta da corte, e o avisou que no dia do seu aniversário ofereceria um grande banquete. Todos os convidados deviam comparecer com o melhor traje possível para provar a todos a inigualável generosidade do rei. Ele também devia mostrar, com a sua roupa, quanto o rei sabia reconhecer o valor das pessoas e das suas artes. Quando chegou o dia, o salão nobre do Palácio estava repleto de homens e mulheres extremamente elegantes, dispu tando em luxo e agradecimentos ao rei. Quando compareceu Carlinhos, porém, a roupa dele despertou a hilaridade de todos e muita raiva no soberano. O poeta ostentava traje de mendigo; o vestido era feito de remendos costurados de todo e qualquer jeito. O rei gritou:

– Ó ingrato, quer humilhar o seu benfeitor? Esqueceu de todos os favores e presentes que recebeu de mim? Vai pagar com a sua vida a louca zombaria e a afronta que me fez! O poeta, com o devido respeito, pediu a palavra e disse:

– O senhor é o maior e o mais generoso de todos os reis. Os que zombaram de mim, o fizeram sem razão alguma. Esta roupa, feita de remendos tão diferentes, é a mais bela homenagem à sua magnanimidade. Eles são pedaços dos sacos em que eu recebi dinheiro de sua majestade. Os guardei com gratidão e, pela quantidade, todos podem ver quão grande foi a sua generosidade. O rei teve que reconhecer a ousadia e a criatividade do poeta. Pediu aplausos para ele e ficou ainda mais orgulhoso da sua própria bondade. Carlinhos ganhou muita popularidade , mas todas as vezes que juntava mais um pedaço de pano àquela veste, lembrava o perigo do qual tinha escapado.

No evangelho deste domingo, Jesus fica feliz com todos aqueles que ajudam os que sofrem e fazem até milagres, também se não pertencem ao restrito grupo dos seus seguidores. Ele promete uma recompensa a quem der nem que seja somente um copo de água aos seus amigos. Usa, porém, palavras muito duras para aqueles que escandalizarem os pequenos. Enfim, vai ser difícil entrar no reino de Deus sem cortar pela raiz as causas do pecado. Talvez, essas palavras de Jesus foram ditas em momentos e circunstâncias diferentes, mas o evangelista Marcos as pôs em seguid a. Se colocamos como pano de fundo o anúncio, cada vez mais claro, do reino de Deus, conseguimos entender melhor.

Em primeiro lugar, fazer parte do reino é uma meta alta que exige escolhas claras e corajosas. Com as mãos, construímos objetos e amizades. Se plantamos o bem, colheremos a paz. Se espalhamos o mal, produziremos ódio e divisão. O pé lembra o caminho que devemos seguir, custe o que custar. O olhar pode ser ganancioso ou compassivo, invejoso ou fraterno. O que não serve para o reino de Deus deve ser cortado, porque nenhuma escolha é indiferente, todas têm consequências, pelo bem ou pelo mal. Assim, também, o simples gesto de um copo de água oferecido por causa de Cristo, terá a sua recompensa. O bem grande, que muda o mundo, é o resultado de muitas ações pequenas e, aparentemente, insignificantes. O que vale não é quantidade doada, mas a grande vitória sobre a insensibilidade do doador. Os humildes e os puros de coração acreditam na grandeza e na força dos pequenos gestos de amor. Ficam escandalizados quando descobrem que a caridade, pequena ou grande que seja, foi feita por interesse e não por generosidade. Não foi amor, foi negócio, troca, autopromoção. O maior “milagre” que pode acontecer em nossa vida é vencer a ganância com a partilha, superar o ódio com o perdão, transformar um coração árido e insensível num coração amoroso e solidário. Para Jesus toda bondade sempre será bem-vinda. Não é justo desprezar a generosidade dos outros para enaltecermos a nossa. O amor verdadeiro não leva o nome de uma Igreja ou de outra. Se for por vaidade, de qualquer lugar venha, é tudo falso. O bem sincero não precisa de desfile de moda. Até farrapos servem para lembrar e aprender.

Glória ao Rei Tibar

Um viajante chegou pela primeira vez numa cidade pela qual nunca havia passado. Ficou encantado com a beleza e a majestade de um monumento no meio de uma praça, onde estava escrito: “Glória ao rei Tibar”. Logo começou a perguntar o que tinha feito o tal rei para merecer tamanha estátua. Queria saber se tinha ganhado alguma guerra, construído alguma obra grandiosa, desenvolvido alguma indústria, se tinha governado tranquilamente, em paz, sem revoltas e confusões. Sempre lhe davam a mesma resposta: – Não! – Então – retrucou – o que ele fez? Foi assim que escutou este relato. “No nosso país reinava o pai de Tibar e ele morreu quando o filho ainda era jovem. Tibar convocou imediatamente todos os generais, os nobres e os sábios do país e perguntou o que eles achavam que o rei devia fazer. Por vários dias, escutou e anotou todas as sugestões, depois se retirou por um mês num mosteiro e pediu conselho também aos monges. Nunca saberemos o que eles lhe falaram, certo é que, quando voltou, chamou o povo e disse: – Amigos, estou convencido de que não possuo os requisitos necessário para governar. Resolvo, portanto, abdicar em favor do nobre Baltasar que deverá ser proclamado rei. Essa declaração do rei Tibar foi recebida com a maior alegria por todos. O escolhido era um homem de admirável inteireza de caráter, agudí ;ssima inteligência e, sem contestação, a primeira autoridade na arte dos negócios públicos.

Depois da coroação, o jovem Tibar retirou-se para um castelo de sua propriedade, onde viveu modestamente, como simples lavrador, ignorado e esquecido, até morrer. O país viveu trinta anos de paz, progresso, harmonia e bem-estar. Foi o período mais feliz da nossa história. Tudo isso nós devemos unicamente ao rei Tibar, que soube, desprezando a vaidade, abrir mão do trono, reconhecer publicamente a sua incapacidade e passar a direção do país a alguém mai s competente e capaz! Glória para sempre ao rei Tibar!”

Mais uma estorinha para lembrar que nunca deveríamos nos achar mais do que somos. A humildade sempre será uma grande virtude, infelizmente, pouco apreciada nos nossos dias de muita propaganda e poucos fatos. Nem os apóstolos escaparam do orgulho e das disputas para ver quem, entre eles, era o maior. Esse é o assunto do evangelho deste domingo. Jesus fala, pela segunda vez, que irá sofrer e morrer. Falava também da ressurreição, mas ninguém compreendia. Estavam ocupados demais em discutir quem seria o mais importante no “novo reino” a ser instaurado. Pobres apóstolos! Brigavam por velhas questões, quando algo absolutamente novo estava acontecendo. No “reino”, que Jesus veio mostrar ser possível, o único “poder” que vale mesmo é o do amor. Se tiver alguma disputa deve ser pela generosidade e a dedicação. Não faz mal querer ser o primeiro, mas a condição de ser o último, aquele que serve mais, que serve a todos.

Dizer que este novo “reino” não é deste mundo (Jo 18,36) não serve como desculpa, porque não significa que não é algo “real”, mas, simplesmente que para ele não valem os critérios dos reinos humanos. É o reino do contrário, do não poder, dos últimos, dos pequenos. Como as crianças, dependem dos adultos, vivem bem se são servidas e amadas. Mas, sobretudo, elas nos lembram a grande lição da gratuidade. N&atil de;o ganham nada, mas não porque são preguiçosas. Quantas energias gastam para crescer e brincar! Toda criança é feliz quando brinca alegre, despreocupada, sem querer transformar tudo em dinheiro ou recompensa. Brinca somente porque é bonito estar vivos, pular, respirar, olhar a luz do sol, falar e escutar, sentir o perfume da natureza, conhecer, descobrir, inventar e imaginar. Tudo de graça, porque na vida muito, muito mesmo, todos nós temos recebido e continuamos a receber “sem pagar nada”. Quem acolhe “um pequeno” aprende a cuidar dele, a amar; deve doar-se sem esperar outra recompensa a não ser um sorriso, um abraço, um beijo. De brinde, recebe Jesus e o Pai que o enviou. Todos, ao mesmo tempo, recebemos, somos servidos, e podemos servir. Humildade, serviço, generosidade e gratidão andam juntas.

As três recompensas

Um homem, bastante rico e famoso por sua retidão, soube que um jovem, filho de um seu amigo, viajaria para uma terra longínqua onde ele tinha morado muitos anos antes. Esse senhor tinha deixado, por lá, bons amigos que o tinham ajudado em situações difíceis e, agora, queria aproveitar para enviar-lhes algum sinal da sua gratidão. Por isso, ele preparou três caixas com mil, dois mil e cinco mil moedas de ouro. As três recompensas deviam ser entregues pessoalmente a cada um, conforme a sua von tade, por alguém de plena confiança. Foi ter com o jovem viajante e lhe explicou o que devia fazer.

– Ao primeiro envio mil moedas, porque ele me livrou da miséria salvando os meus bens. Ao segundo, duas mil moedas porque, certa vez, salvou a minha vida, livrando-me de uma morte certa. Ao terceiro, enfim, entregarás as cinco mil moedas.

O jovem ficou curioso e perguntou: – O que fez de tão extraordinário esse terceiro amigo para merecer uma recompensa tão maior que a dos outros?

– Ele conseguiu desfazer uma grande intriga contra mim. Eu seria acusado injustamente e preso como ladrão. A ele devo o meu nome puro e respeitado. Meu jovem, acima de tudo, acima das riquezas e da nossa própria vida, nós devemos colocar a nossa honra!

Na página do evangelho, deste domingo, encontramos a versão de Marcos da bem conhecida pergunta de Jesus aos discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?”. Depois de ter escutado as primeiras respostas, ele indaga de novo: “E vós, quem dizeis que eu sou?”. Pelo jeito, a Jesus interessa mesmo o que os seus seguidores pensam e acreditam dele. Os outros, ainda, podem ter opiniões diferentes, equivocadas ou incertas, mas os discípulos verdadeiros não podem vacilar. A fé deles deve ser firme, capaz de ir além do escândalo da cruz. Uma maneira de entender o “messianismo” de Jesus puramente humana não é suficiente. Poderia ser confundido com um plano de poder, de dominação, algo grandioso e fascinante, mas…“demoníaco” aos olhos de Deus. Existe uma diferença insanável entre o projeto – pensamento! – do Reino de Deus, que o “Messias” Jesus veio inaugurar, e as articulações dos poderosos deste mundo. Esses querem salvar a suas vidas e sacrificam a vida dos outros, escravizando e explorando. Ao contrário, os discípulos do Mestre Jesus devem estar dispostos a doar até a própria vida para que os demais irmãos e irmãs tenham uma vida melhor, mais digna e humana.

A grande pergunta do evangelho “Quem é Jesus?” continua valendo para os cristãos de todos os tempos, para nós também, chamados a dar um norte diferente às nossas vidas conforme as respostas que a ela vamos dando. No fundo, todos queremos ganhar alguma coisa e se forem bens materiais deste mundo, valiosos e abundantes, melhor ainda. O céu? Vamos deixar para depois. Se pensamos assim, Jesus só pode ser entendido como um “padrinho” poderosos que sempre nos deve socorrer. Se nã ;o souber fazer isto, para que serve ser seus seguidores obedientes e fiéis? Continuamos interesseiros e gananciosos, mais preocupados em “salvar” a nossa vida que a “perdê-la”.

A “vida doada de Jesus na cruz” sempre será o maior empecilho para acreditar e confiar nele. Na realidade, para quem tem fé, ele é o nosso maior libertador e salvador. Não falo da salvação do pecado e da morte, mas, de fato, dos ídolos enganadores deste mundo. Estamos dispostos a perder tempo, saúde e dinheiro, para ganhar mais dinheiro, fama, poder ou prestigio. Não o fazemos com tanto entusiasmo e dedicação para ajudar os outros, para resgatá-los de situa ções desumanas, para aprender e ensinar a todos a não julgar as pessoas pela roupa, a conta no banco ou a posição social. A grandeza do ser humano está na sua capacidade de amar não de dominar, de fazer acontecer o bem, não só de recebê-lo! Jesus nos ensinou isso com a sua vida doada. Como poderemos recompensá-lo? Ele não precisa. Mas, ao menos, podemos agradecê-lo. Ele “salvou a nossa cara” da vergonha do egoísmo, de uma vida já morta.as